Valor econômico, v. 17, n. 4159, 23/12/2016. Brasil, p. A2

Governo ajusta medidas trabalhistas para atender pleitos de empresários

 

Raphael Di Cunto
Fabio Murakawa
Rafael Bitencourt

 

O presidente Michel Temer encaminhou ontem ao Congresso em regime de urgência o projeto de lei com mudanças na legislação trabalhista que, se aprovadas, farão prevalecer o negociado entre sindicatos e empresas sobre o legislado para temas como o cumprimento jornada de trabalho, a divisão das férias e o trabalho remoto, além de elevar o prazo de contratação de temporários de 90 para 240 dias e as horas semanais do regime parcial de trabalho.

As centrais sindicais presentes receberam com elogios o anúncio, principalmente pelo recuo do governo em mandar a reforma por medida provisoria (MP), que tem aplicação imediata. Mas o texto final, antecipado pelo Valor, é diferente do recebido por estas dois dias antes.

Horas antes da cerimônia de assinatura, empresários fizeram uma última investida para alterar pontos mais polêmicos do projeto. Uma das mudanças foi convencer o governo a reduzir drasticamente o valor das multas aplicadas a empregadores rurais, microempresas ou empresas de pequeno porte que mantiverem trabalhadores sem registro em carteira. Na prática, em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a punição será menor do que é aplicada pelas regras atuais.

Minuta do texto encaminhada às centrais na terça-feira determinava multa para empresas de todos os setores de R$ 6 mil para cada empregado não registrado. A exceção era apenas as micro e pequenas empresas, com multa de R$ 3 mil. Propunha também uma punição adicional, que hoje não existe: vedar o acesso a incentivos fiscais, licitações e financiamentos públicos. E reduzia o desconto concedido a empresas que admitissem a infração e pagassem sem recorrer.

A versão que será remetida ao Congresso, porém, estabelece multa de R$ 1 mil por funcionário não registrado para empregador rural, micro ou pequena empresa. Para os demais está mantida a punição de R$ 6 mil. A multa hoje é de um salário mínimo regional, que, em São Paulo, é de R$ 1 mil, mas que costuma ser corrigido em abril. No Rio, onde o salário mínimo é de R$ 1052,34, a multa estipulada no projeto já é menor do que a atual. O mesmo vale para o Rio Grande do Sul (R$ 1.103,66). Também saíram do texto a redução no desconto e outras formas de punição mais severas.

Uma das medidas mais elogiadas pelas centrais, a eleição de representantes nos locais de trabalho, também foi alterada. Pela proposta inicial, todos os estabelecimentos com mais de 50 funcionários elegeriam um empregado, que teria estabilidade de um ano no emprego, para fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas e negociar com os patrões. Cálculos iniciais apontavam que seriam 125 mil trabalhadores nessas condições. A versão final, porém, limitou aos locais com mais de 200 empregados, e com estabilidade menor, de seis meses.

Saíram da proposta encaminhada ao Congresso também limitações à contratação de funcionários em regime parcial - quando trabalham menos que a jornada padrão, de 44 horas semanais, e recebem proporcionalmente a isso. O número desses funcionários seria limitado a 10% do quadro total e teriam assegurado o pagamento do salário mínimo, independentemente da quantidade de horas.

Para o advogado Antonio Rosella, essas mudanças são razoáveis, pois limitariam a contratação em tempo parcial, voltada a atividades que não demandam jornada completa ou a quem não tem disponibilidade de trabalhar 44 horas semanais. "A lei já permite pagar menos que o salário mínimo", disse.

O regime parcial será ampliado. Hoje o limite é de 25 horas por semana, sem direito a horas extras. Passará a ser de 30 horas semanais, sem horas extras, ou até 26 horas, com direito a realizar seis horas extras, remuneradas com 50% do valor padrão.

Por iniciativa da equipe econômica, também houve alteração no Programa de Proteção ao Emprego (PPE), rebatizado de Programa Seguro-Emprego (PSE) e que permite a redução da jornada em 30%, com corte proporcional da remuneração, e o governo repõe os salários em 15%. O Executivo tinha informado que o plano se tornaria permanente, anunciou na cerimônia que, na verdade, seria prorrogado por dois anos, mas a versão final adia fim de dezembro de 2017 a 2018. Essa é a única iniciativa encaminhada por MP. A expectativa é preservar 220 mil empregos.

Ainda será ampliado o prazo para contratação de temporários, de três para até oito meses. O texto deixa claro que eles terão os mesmos benefícios da CLT, como férias. A diferença é que a empresa não tem gasto ao demitir, o que reduz os custos de contratação por demandas sazonais, como repor profissional afastado por doença ou aumentar os vendedores no Natal. A estimativa é criar ou manter 5 milhões de empregos.

A mudança mais esperada na legislação, e aplaudida pela maioria das entidades laborais e patronais, é a prevalência dos acordos trabalhistas sobre a legislação. Os sindicatos poderão negociar com as empresas, por exemplo, a redução da hora de almoço, hoje obrigatoriamente de uma hora, até um mínimo 30 minutos. As férias poderão ser parceladas em três vezes, desde que um dos períodos seja superior a duas semanas.

Um dos pontos mais polêmicos é o sindicato pactuar com a empresa ou toda a categoria a forma de cumprimento da jornada de trabalho, que poderá ser superior a oito horas diárias. A lei não prevê limite e dependerá da negociação. O texto prevê que a Justiça do Trabalho só poderá rever o acordo quando contrariar a lei e deixa expresso que a flexibilização de salário e jornada de trabalho deverá acompanhar, explicitamente, a compensação recebida pelo trabalhador. O funcionário poderá trabalhar 12 horas, por exemplo, desde que tenha folga proporcional.

Sindicalistas e empresários presentes no Palácio do Planalto fizeram inúmeros elogios a Temer e às mudanças propostas. Luiz Gonzaga Negreiros, diretor da Nova Central Sindical, citou Getúlio Vargas, o presidente que criou em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), agora flexibilizada pelas novas regras.

"É momento histórico. O legado de Getúlio Vargas o senhor não está destruindo. O senhor está modernizando", disse, dirigindo-se a Temer. "O senhor está cumprindo uma missão de organizar o Brasil sem que os trabalhadores percam seus direitos", afirmou Negreiros, para quem, "no país, caminham juntos capital e trabalho".

Um dos representantes do setor produtivo no evento, Paulo Afonso Pereira, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi na mesma linha. "É um grande momento que estamos passando, e é uma celebração. É momento positivo, de glória para o país, de fazer uma mudança que é sonhada. A CNI, o setor empresarial, estamos extremamente satisfeitos com essa mudança profunda."

A CUT, ligada ao PT, não compareceu. Mas divulgou nota criticando a "ineficaz, inoportuna e autoritária" proposta e dizendo não ter sido ouvida a respeito.

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, afirmou que o governo não estuda outras mudanças na legislação trabalhista. A regulamentação da contratação de mão de obra terceirizada já está em discussão no Congresso e, como não é um assunto pacífico, o Executivo desistiu de propor o regime de trabalho intermitente - por hora trabalhada. (Colaborou Estevão Taiar, de São Paulo)