Correio braziliense, n. 19532, 16/11/2016. Mundo, p.13

 

Justiça veta ação contra Maduro no parlamento

 

 

VENEZUELA »Tribunal Supremo de Justiça declara inconstitucional o julgamento político do presidente pela Assembleia Nacional. Em reação, três deputados opositores pedem o desligamento da casa

Um dia depois de a oposição decretar o fim da trégua dada a Nicolás Maduro, a Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) proibiu o parlamento de julgar o presidente venezuelano por responsabilidade na crise pela qual o país atravessa. O processo foi considerado inconstitucional, nulo e inexistente. A decisão, publicada ontem na página oficial do TSJ, “ordena às deputadas e aos deputados da Assembleia Nacional (AN) se absterem de continuar com o pretendido julgamento político”.

A sentença da Sala Constitucional assinalou que o julgamento político não está contemplado na Constituição. Além disso, considerou que as decisões do Legislativo são nulas, após ter sido declarado em desacato, em agosto passado, por dar posse a três deputados opositores, que tiveram eleição suspensa por acusações de fraude por parte do governo. Assim que souberam da decisão, os três — Julio Ygarza, Nirma Guarulla e Romel Guzamana — pediram para ser desvinculados da AN, visando a retomada institucional das ações do Legislativo.

O presidente do parlamento, Henry Ramos Allup, também reagiu à decisão em suas redes sociais. “A Sala Inconstitucional fraudulenta poderá dar instruções a seu grupo de lacaios, mas não a AN, eleita pelo povo”, criticou. Os adversários políticos de Maduro têm acusado o poder eleitoral e o TSJ de estarem a serviço do chavismo. O presidente venezuelano, por sua vez, leu a sentença judicial em seu programa de rádio A hora da salsa.

A decisão do Tribunal Supremo foi divulgada três dias depois de o governo e a oposição acordarem em uma mesa de diálogo, patrocinada pelo Vaticano, trabalhar pela independência dos poderes públicos e resolver a situação de desacato em que o parlamento se encontra por decisão do TJS. Anteontem, os opositores deram por encerrado o tempo concedido a Maduro no âmbito das negociações para solucionar a crise. “Acabou-se a trégua que o Vaticano pediu”, declarou o secretário executivo da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD), Jesús Torrealba, à emissora privada Globovisión. 

Pressão

Durante a pausa, a tramitação do processo político foi suspensa, bem como a realização de manifestações contra o governo. Agora, os opositores estão decididos a retomar a estratégia de pressão lançada contra Maduro após a suspensão, em 20 de outubro, pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), de um processo de referendo revogatório, com o qual tentavam tirar Maduro do poder.

A Mesa da Unidade Democrática acabou com a trégua após uma enxurrada de críticas de seus integrantes por não conseguir um compromisso na mesa de negociações para reativar o referendo ou uma antecipação das eleições presidenciais. Como parte das negociações, a MUD cancelou uma marcha até o Palácio presidencial de Miraflores, prevista para 3 de novembro. “O que se fizer no diálogo, pode-se reforçar nas ruas, e o que se fizer nas ruas, pode-se reforçar com o diálogo”, assinalou Torrealba, um dos delegados da MUD na mesa de negociações que realizou sua segunda rodada no último fim de semana.

Manifestando-se sobre um recurso da Procuradoria, a Justiça proibiu também a convocação e a realização de “atos que alterem a ordem pública; instigações contra autoridades e poderes públicos, assim como outras atuações à margem dos direitos constitucionais e da ordem jurídica”.  A pretensão do parlamento era estabelecer a responsabilidade de Maduro na crise política e econômica que o país atravessa e declará-lo em “abandono do cargo”.

Duas perguntas para

Ramon José Medina, vice-secretário executivo da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) 

Como o senhor recebeu a decisão da Justiça venezuelana de proibir o julgamento de Nicolás Maduro?

Essa decisão demonstra que o governo de Maduro não está disposto a cumprir com os acordos previstos pela Mesa de Diálogo.Trata-se de uma nova sentença absolutamente inconstitucional. A Assembleia Nacional tem a faculdade, expressa na Constituição, de adiantar processos que determinem a responsabilidade do presidente. Por isso, não existe a discussão sobre se a Assembleia pode levar adiante o processo. 

Quais as prováveis consequências dessa decisão para a Venezuela?

O efeito da sentença será nulo. Como dissemos, a Assembleia Nacional pode adiantar o processo e, caso a maioria aprove, determinar a responsabilidade política de Maduro na grave crise política e social que vive o país por suas políticas e gestão equivocada e corrupta. O Tribunal Supremo de Justiça atuou uma vez mais como órgão político de Maduro, e não como tribunal independente, que atua sob o império da lei da Constituição. Pelo contrário, ele toma decisões contrárias a elas, em função de objetivos políticos que põem por terra o Estado de direito, o qual não existe na Venezuela. (Rodrigo Craveiro).