Correio braziliense, n. 19527, 11/11/2016. Política, p.4

 

93% dos juízes querem fim do foro especial

Eduardo Militão

 

 

XÔPRIVILÉGIO » Maioria dos magistrados consultados por associação quer alterar legislação para que políticos respondam sobre crimes comuns em primeira instância. 

Pesquisa com juízes federais mostrou que 93% deles querem mudanças no foro privilegiado para políticos e autoridades — benefício destinado a 22 mil pessoas e que, para especialistas, ajuda a atrasar processos judiciais, aumentando a prescrição e a impunidade no Brasil. De acordo com a consulta da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), 555 magistrados defendem essa posição. Só 40 magistrados não pediram mudanças, índice de 7% dos votantes.

Um grupo de 56,6% dos juízes quer a extinção do foro privilegiado, que hoje beneficia os magistrados, procuradores, presidente da República, governadores, prefeitos, parlamentares, ministros e, em alguns casos, vereadores e delegados de polícia. Esse grupo teve 337 votantes. A consulta foi encerrada na última quarta-feira e divulgada ontem — a votação foi aberta em 27 de outubro.

A pesquisa revelou que 62,1% são contrários à criação de uma vara especializada em Brasília para julgar políticos. A proposta é uma das soluções intermediárias de um crítico ferrenho do foro privilegiado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

Os juízes ainda foram consultados sobre como deveria ser a separação de autoridades para serem julgadas em três tribunais, no STF, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nos tribunais regionais federais. “Tal questão restou prejudicada, em razão das respostas maciçamente contrárias à manutenção do regime de privilégio que foram dadas à primeira pergunta (93% a favor de alteração das regras) e à segunda pergunta (56,6% pela extinção completa desse regime)”, explicou a Ajufe em nota divulgada ontem.

 

58 mil

Série de reportagens do Correio vem mostrando, desde outubro, medidas que alimentam a impunidade no Brasil, como o foro privilegiado e 10 propostas de lei que reduzem o combate à corrupção. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) calculou que existiam 8,6 milhões de casos criminais no Brasil em 2015, entre procedimentos novos e pendentes de julgamento. Destes, 140 mil estavam nos tribunais superiores, STF e Superior Tribunal de Justiça. Segundo o CNJ, 42% ou 58.972 se referiam a políticos com direito a foro privilegiado em todo o país.

De acordo com o diretor da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, Joaquim Falcão, as estatísticas comprovam que o foro é uma causa de impunidade. “Não sou eu quem diz”, afirmou ele, em entrevista ao Correio. “É a experiência brasileira. É a nossa realidade constitucional.” Dados do projeto Supremo em Números, da FGV, mostram que, de 1988 até 2015, somente 16 dos mais de 500 parlamentares investigados e processados no STF foram condenados por crimes contra a administração pública. Ou seja, 3% do total. 

Mudanças 

As PECs 470/05, na Câmara, e 10/13, no Senado, querem acabar ou reduzir o benefício. Mas, ao contrário, a PEC 358/05 quer estender ainda mais o privilégio. No STF, o tempo de julgamento de ações penais contra autoridades aumentou 23 vezes, entre 2002 e 2015, passando de 63 para 1.535 dias em média, de acordo com a FGV. Para o Supremo, a média é menor: 865 dias. Só para receber uma denúncia, o tribunal gasta 617 dias em média. Na primeira instância, esse prazo costuma ser de menos de uma semana.

Paralelamente, o número de processos criminais só cresce no STF. Em 2002, 91 casos novos chegaram ao órgão, sendo 79 inquéritos e 12 ações penais. Em 2015, quando a Operação Lava-Jato “desembarcou” de vez no STF, foram 298 casos novos, sendo 233 inquéritos e 65 ações criminais. Isso ainda rendeu um aumento de 113% em relação às investigações preliminares abertas em 2014. 

O que ele pensam

As perguntas para os magistrados foram formuladas com redação diversa da listada abaixo, mas com o mesmo sentido 

» É a favor de mudanças no foro privilegiado?

Sim: 555 votos (93% dos votantes)

Não: 40 (7%). 

» É a favor da extinção do foro privilegiado?

Sim: 337 (56,6%)

Não: 248 (43,4%). 

» É a favor de uma Vara especializada em Brasília para julgar autoridades com foro privilegiado?

Sim: 50 (8,5%)

Não: 370 (62,1%) 

Fonte: Ajufe 

Contra o benefício

Enquete iniciada há 12 dias e fechada ontem na página da internet do Correio aponta que 84% dos leitores são a favor do fim do foro privilegiado. A discussão sobre o tratamento diferenciado para políticos na Justiça foi reaberta na última semana de outubro, após a decisão de Teori Zavascki sobre  a operação da Polícia Federal que prendeu policiais legislativos, que eram suspeitos de atrapalhar as investigações da Lava-Jato. 

» Você é a favor do fim do foro privilegiado?

Sim

84 % 

Não

16 % 

15.748 Votos 

www.correiobraziliense.com.br

Você é a favor do fim do foro privilegiado? Enquete está no ar no www.correiobraziliense.com.br para saber a sua opinião sobre o tratamento diferenciado a políticos na Justiça. Até a noite de ontem, mais de 12.200 já tinham votado. 

A FAVOR

84% 

contra

12%.