Título: Antropólogo, marxista e guerrilheiro
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2011, Mundo, p. 21

PERFIL ALFONSO CANO (GUILLERMO LEóN SáENZ) »

Formado na Universidade Nacional, há 30 anos Cano abraçou a guerrilha e sempre se preocupou com a inserção política das Farc

Conversar era, possivelmente, um verbo que Guillermo León Sáenz se acostumou a conjugar por predileção. Esteve presente com insistência em suas últimas mensagens públicas, direcionadas ao governo e à sociedade civil, assim como foi o termo empregado para dirigir-se pessoalmente ao presidente Juan Manuel Santos, após sua posse, no ano passado. "Conversemos", repetiu umas quantas vezes, 11 anos atrás, quando o entrevistei "nas montanhas da Colômbia".

Há três décadas, o antropólogo formado nos turbulentos anos 1970 na Universidade Nacional, a Nacho, submergiu para sempre na luta armada. Recém-saído de um período na prisão durante os anos de chumbo do governo de Julio César Turbay (1978-1982), o então dirigente da Juventude Comunista (Juco) foi-se al monte, o jargão para mencionar o ingresso nas fileiras das Farc. Da cidade, conservou os óculos de lentes grossas, o gosto pelos livros e o linguajar de intelectual marxista.

Desde então, assumiu o nome de guerra de Alfonso Cano, mais do que tudo uma nova identidade. O acadêmico amigo do debate e da polêmica, aguerrido na luta de ideias, revestiu-se da farda e, ao longo do tempo, subordinou-se ao combatente. Cano não chegou à montanha como guerrilheiro raso. Com o histórico de militante urbano e organizador clandestino, mais a bagagem teórica, esteve desde logo próximo àquele que se tornaria seu mentor: Jacobo Arenas, também antropólogo da Nacho e veterano da Juco, ideólogo que gestou as Farc ao lado do legendário camponês Manuel Marulanda, o Tirofijo.

Quando entrevistei Cano, em maio de 2000, ele acabava de assumir o comando do recém-fundado Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, um braço político clandestino lançado em meio ao processo de paz com o então presidente, Andrés Pastrana. "Só pela força das armas não se muda um país", proclamou. Em mais ou menos uma hora de conversa, em um acampamento perto de San Vicente del Caguán — a cidade do sul colombiano onde se desenrolavam as negociações —, ficou evidente sua preocupação com a inserção política das Farc. Quase tão evidente quanto a rigidez do pensamento.

O comandante fariano com maior preparo desde Jacobo Arenas era um observador atualizado da realidade mundial. Discutia com desenvoltura a economia globalizada e vaticinava crises agudas — "assim vamos para o caos", chegou a afirmar. Mas até o PT brasileiro, na época em marcha para chegar ao poder pelas urnas, lhe parecia moderado demais. Falando em off, depois de encerrada a entrevista, ele confidenciou que as Farc eram mais próximas do MST do que do "partido de Lula".

Mas foi a Lula, entre outros governantes latino-americanos, que Cano se dirigiu e se referiu, nos últimos anos, como uma possível ponte para reinserir a guerrilha em um processo político. Quando sucedeu Marulanda, em 2008, essa era sua meta, ao lado da urgência de recompor uma estrutura que vinha sendo seguidamente golpeada. Conseguiu algum resultado na segunda tarefa, embora as Farc tenham apenas se readaptado às novas condições do conflito, em um quadro de ofensiva estratégica e tática das forças oficiais.

Ceticismo É irônico que tenha sido esse pensador político de sólida formação um dos comandantes mais céticos em relação aos processos de diálogo que se apresentaram às Farc. Na primeira, em 1984-1986, Cano era um recém-chegado ao monte. Por isso, não se entusiasmou com a União Patriótica, partido político de sucesso supreendente e efêmero. Em 1990-1991, foi a Caracas e Tlaxcala (México) para outro processo frustrado.

A dois anos de as negociações do Caguán serem rompidas, ele explicava em seu acampamento por que o Movimento Bolivariano seguiria clandestino: o fantasma do extermínio da UP o perseguiu diuturnamente na selva. Cano falava da decisão de lutar pelas armas como questão de "dignidade" e "sobrevivência". Expressava amargura ao falar dos "companheiros de estudantada" que decidiram ficar na cidade para travar o combate legal. "Mataram a todos", resumiu, cabisbaixo, acompanhando as palavras com um movimento da bota, como se esmagasse insetos no chão da selva.

O alto comando Quem são e como atuam os outros integrantes do Secretariado das Farc

Pablo Catatumbo Contemporâneo de Alfonso Cano na militância urbana, nos últimos anos foi o braço direito do comandante em chefe. Herdou dele o Comando do Centro e Ocidente e a direção do Movimento Bolivariano e do Partido Comunista Clandestino.

Iván Márquez Até o fim do processo de paz, em 2002, chefiava o Bloco Noroeste (José María Córdova), cujo alvo estratégico é Medellín. Assumiu então o Bloco Caribe, hoje neutralizado pelo Exército.

Luciano Marín Arango Como Cano e Catatumbo, é egresso da militância urbana. Durante o processo de paz de 1984-1986, foi congressista pela União Patriótica, partido criado pelas Farc. Está à frente da Comissão Internacional das Farc.

Timoleón Jímenez (Timochenko) Veterano da guerrilha, foi deslocado do comando do Caribe para o Bloco Magdalena Médio, ambos duramente atingidos pela ofensiva militar. As autoridades acreditam que esteja atualmente refugiado na Venezuela.

Joaquín Gómez Comanda o Bloco Sul, que foi ao lado do Oriental uma das vigas mestras das Farc no auge de seu poderio, no início da década passada. Suplente do Secretariado desde 1993, assumiu a vaga aberta pela morte de Raúl Reyes.

Mauricio Jaramillo (O Médico) Ganhou o apelido quando assumiu a missão de cuidar da saúde de altos comandantes e dos reféns "políticos". Conhecido por ter implantado hospitais de campanha nos blocos das Farc.

Pastor Alape Outro veterano da guerrilha com sólida formação política, é creditado como responsável pela rearticulação do Bloco Magalena Médio, atualmente sob seu comando.