Delator acusa Picciani

Chico Otavio e Daniel Biasetto

05/11/2016

 

 

Braço-direito de Marcelo Odebrecht diz que deputado cobrou propina em 3 campanhas eleitorais

 

Tido como braço direito de Marcelo Odebrecht, Benedicto Barbosa Júnior disse em delação na Lava-Jato que o presidente da Alerj, Jorge Picciani, cobrou propina da empreiteira em três campanhas eleitorais, informam CHICO OTAVIO e DANIEL BIASETTO. Picciani diz que jamais pediu dinheiro a empresas. O engenheiro Benedicto Barbosa Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura e braço-direito do empreiteiro Marcelo Odebrecht, contou em sua delação à força-tarefa da Operação Lava-Jato que o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado Jorge Picciani (PMDB), cobrou propina da empreiteira em três campanhas eleitorais consecutivas. O dinheiro, segundo o executivo, foi depositado em contas que o BVA — banco de José Augusto Ferreira dos Santos, já liquidado pelo Banco Central — mantinha no exterior.

A delação de mais de 70 executivos da Odebrecht, entre os quais Benedicto Júnior, está prevista para ser assinada nos próximos dias. Por ora, não há detalhes sobre os valores de propina transferidos, números de contas bancárias ou obras diretamente relacionadas ao pagamento da propina. Como a competência para julgar Picciani no âmbito criminal é do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), o trecho da delação que diz respeito ao presidente da Alerj deverá ser remetido para o Rio de Janeiro.

Picciani, em nota, afirmou que nunca houve pedido de doações nem à Odebrecht e nem a nenhuma outra empresa: “Todas as doações recebidas ao longo da minha carreira política foram espontâneas, declaradas à Justiça Eleitoral, com contas aprovadas”, afirmou.

Além disso, o presidente da Alerj disse que “é fácil” verificar que essa afirmação não tem fundamento ao observar as três últimas eleições: “Em 2012 não fui candidato; em 2014, saí candidato em julho, quando o presidente nacional da empresa já estava preso. Portanto, não faz o menor sentido o que está sendo dito”.

Em sua delação, Benedicto não diz a que campanhas se destinava o dinheiro pedido, segundo ele, por Picciani.

A Odebrecht iniciou, como líder do consórcio construtor, duas grandes obras do governo fluminense, em 2010, quando Sérgio Cabral era governador e Picciani, presidente da Alerj e uma das principais lideranças do PMDB: a reforma do Complexo do Maracanã e a construção da Linha 4 do Metrô. Auditorias do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ) identificaram problemas de superfaturamento e sobrepreço nas duas.

 

R$ 200 MILHÕES BLOQUEADOS

Orçada inicialmente em R$ 705 milhões, a reforma do Maracanã teve 16 termos aditivos que fizeram o valor final saltar para R$ 1,2 bilhão. Com base em irregularidades encontradas pelos auditores na execução das obras, o TCE bloqueou quase R$ 200 milhões em repasses para a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, que integraram o consórcio construtor. Outra auditoria do Tribunal apontou um prejuízo de R$ 2,3 bilhões na Linha 4 do Metrô, relativo a obras não executadas e a itens cotados a preços acima do valor de mercado.

O nome do banqueiro Augusto Ferreira, do banco BVA, já apareceu ligado a Picciani em outra delação, a de Ricardo Pernambuco Júnior, ex-dirigente da Carioca Engenharia. O empreiteiro disse ter comprado 160 cabeças de gado da empresa Agrobilara, da família Picciani, por R$ 3,5 milhões, entre 2012 e 2013. De acordo com Pernambuco, como o valor acertado estava acima do mercado, a empresa rural da família de empreiteiros, a Zi Blue S.A, que efetuou a compra, recebeu de volta R$ 1 milhão de Picciani, por fora, através do mesmo BVA.

Outra executiva da Carioca, a matemática Tania Maria Silva Fontenelle, confirmou a transação. Ao aderir ao acordo de leniência da empresa, ela disse que o objetivo foi proporcionar um dinheiro de caixa dois para a empreiteira.

Picciani, que é alvo de uma investigação por enriquecimento ilícito no Ministério Público Estadual do Rio, também fez negócio na área pecuária com Pedro Augusto Ribeiro Novis, ex-presidente da Odebrecht. Na quinta edição do leilão de gado Opera-Bilara, Novis arrematou por R$ 294 mil o “pacote Bilara XI”, que incluiu a compra de material genético de animais premiados.

 

BENEDICTO: DELAÇÃO-CHAVE

Benedicto Júnior, que chegou a ser preso em janeiro deste ano, na Operação Acarajé, uma das etapas da Lava-Jato, é considerado um dos mais importantes delatores da Odebrecht, uma vez que recebera do então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, a responsabilidade de fazer a conexão com o mundo político. Com mais de 30 anos de trabalho na empreiteira, ele assumiu o cargo de presidente da Odebrecht Infraestrutura a partir de 2008.

Reportagem publicada na penúltima edição da revista “Época” revelou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), do Ministério da Fazenda, rastreou movimentações consideradas atípicas ligando as empresas de Picciani com a Odebrecht. O relatório do Coaf, de acordo com a revista, mostrou uma triangulação financeira em torno de um depósito de R$ 5,5 milhões para os sócios de Picciani, em 2012.

Na época, a família Picciani havia ingressado na sociedade de uma pedreira de Jacarepaguá, a Tamoio Mineração, com Carlos Cesar da Costa Pereira, empresário do setor da construção civil, e com a GP Participações, do empresário Walter Faria, dono da cervejaria Itaipava. Faria comprou 20% de participação na Tamoio em outubro de 2012. No mesmo mês, a Agrobilara e Pereira receberam R$ 5,5 milhões, cada um, da GP Participações.

Porém, antes de chegar aos Picciani e a Pereira, o dinheiro saiu de uma empresa chamada Turcon Engenharia. Em 16 de outubro, a Turcon transferiu R$ 36,5 milhões para a GP Participações. Seu principal acionista é uma empresa offshore aberta na Holanda, chamada Turcon Consulting and Engeneering. Quem assina como acionista da Turcon Brasil é José Américo Vieira Spindola, que por mais de 15 anos trabalhou na área jurídica da Odebrecht.

No mesmo ano, a Tamoio acertou a compra de oito equipamentos de britagem e peneiramento móvel da empresa alemã Kleemann, em investimento que chamou de “o maior projeto de britagem móvel da América Latina”, o que tornou a empresa da qual Picciani é sócio a maior fornecedora de brita para as obras olímpicas.

 

 

O globo, n. 30406, 05/11/2016. País, p. 3.