Valor econômico, v. 17, n. 4132, 16/11/2016. Política, p. A6

'PEC da Vingança' mira o Judiciário

Prioridade é emenda que derruba a vinculação de salários

Por: Vandson Lima e Andrea Jubé

 

Uma série de medidas que afetam financeiramente ou delimitam a atuação do Poder Judiciário, todas com potencial para rápida aprovação, estão sendo tratadas neste momento no Congresso Nacional.

Presidente da Casa, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) tem atuação destacada no encaminhamento de todas elas, sendo a mais recente a criação de uma comissão especial que vai identificar salários maiores que o teto constitucional nos três Poderes. É neste colegiado, chamado de 'Comissão do Extrateto', que Renan, na mira da Lava-Jato e em franco embate com os magistrados, pretende emplacar o que entre seus aliados está sendo chamada de a "PEC da Vingança": uma emenda constitucional que derruba a vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos, algo bastante comum para várias carreiras da Justiça, inclusive o Ministério Público.

A PEC deverá ser o carro-chefe da comissão. Renan promoveu no sábado encontro em sua residência oficial para tentar obter aval do presidente Michel Temer e de ministros do Tribunal de Contas da União para a investigação. O TCU, órgão auxiliar do Legislativo, vai atuar no cruzamento de dados dos salários nos três Poderes.

Nos termos da última versão do texto, ministros do TCU - assim como outras Cortes superiores, como o Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior Militar e Tribunal Superior do Trabalho - continuam vinculados ao reajuste do teto, correspondente à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Um alvo preferencial da PEC é o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que tem sede em Porto Alegre, e julga os recursos contra decisões de juízes federais do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. O TRF-4 é o foro competente para julgar recursos contra decisões do juiz Sergio Moro, que comanda em primeira instância os julgamentos da Operação Lava-Jato. Os desembargadores do TRF-4 já decidiram, por exemplo, que a Lava-Jato não precisa seguir as regras dos processos comuns.

Os senadores já verificaram que desembargadores do TRF-4, ativos e inativos, teriam salários de até R$ 200 mil. Os supersalários desses juízes foram assunto do almoço com Temer, na residência oficial de Renan, do qual também participaram o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, e mais dois titulares do tribunal.

Além dos supersalários dos juízes, existem outros alvos da comissão, como os vencimentos nas estatais e empresas federais. Segundo um dos participantes do almoço, um levantamento preliminar mostrou que há servidores do Banco do Brasil, da Petrobras e da Eletrobras que recebem mais de R$ 200 mil por mês.

A Comissão do Extrateto iniciará suas atividades com uma pauta forte. Estão agendadas hoje reuniões com a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), na sede da Corte, e com Michel Temer, no Palácio do Planalto. A relatora da comissão no Senado é Kátia Abreu (PMDB-TO).

Articulador experiente, Renan recorre a um expediente comum nas medidas que defende: pinça uma proposta com uma premissa moralizante e que esteja há tempos com a tramitação estacionada. Ressuscita-a e defende sua aprovação rápida.

Neste caso, trata-se de uma proposição da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), apresentada em maio de 2015 e cujo parecer, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi apresentado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em novembro daquele ano, onde permaneceu até agora.

Randolfe renunciou ao posto em setembro. Ao Valor, contou que percebeu que a natureza aparentemente "moralizadora" da PEC acabaria sendo distorcida pela quantidade de emendas apresentadas para excepcionar várias categorias da desvinculação e atingir apenas alvos específicos. "O governo queria um senador da oposição para fazer o jogo sujo para ele", diz Randolfe.

Um dos principais articuladores governo e aliado de Renan, Romero Jucá (PMDB-RR), por exemplo, é um defensor da manutenção do 'efeito cascata' na remuneração dos ministros do TCU, no qual pelo menos três ministros são considerados apadrinhados políticos de Renan. O senador Vicentinho Alves (PR-TO), primeiro-secretário da Mesa Diretora do Senado e insuspeito aliado do presidente, foi designado o novo relator da matéria.

Também estão no bojo de mudanças que afetam o Judiciário a mudança na Constituição para acabar com a aposentadoria compulsória como punição de juízes, que tramita no Congresso Nacional há 13 anos e já passou pelo Senado em 2013.

Renan já conversou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que a proposta seja votada em definitivo até o fim deste ano e a considerou muito mais importante que as "10 Medidas Contra a Corrupção" propostas pelo Ministério Público Federal.

Após o episódio da prisão de policiais legislativos pela Polícia Federal, em outubro, o Senado ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para que sejam estabelecidos limites e competências dos poderes. Uma outra reclamação junto ao STF foi interposta, bem como uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, que autorizou as prisões.

Renan é um entusiasta do "aprimoramento" da lei de delação premiada. Ele defendeu a aliados que três alterações sejam feitas futuramente: fixar um prazo, possivelmente de 45 dias, para que delatores apresentem provas documentais do que contaram às autoridades; proibir delação no caso de réu ou investigado que esteja preso; e revogar automaticamente o segredo de Justiça de processos com delação ou mesmo anular delações premiadas cujo conteúdo seja vazado para a imprensa.

Por fim, há o projeto que prevê penas mais duras a quem comete o crime de abuso de autoridade. Seguindo o método habitual usado pelo presidente do Senado, a medida foi resgatada do chamado "Pacto Republicano" assinado pelos três Poderes da República em 2009.

Responsável em primeira instância pelo julgamentos da Lava-Jato, o juiz federal Sergio Moro bateu duro na proposta. "É muito preocupante. Não que abusos de autoridades não devam ser punidos. Ninguém é contra isso. Mas a redação atual da lei sugere a possibilidade da sua utilização para intimidação de juízes, procuradores e autoridades policiais". Renan não se fez de rogado: disse que convidará Moro, além de outras autoridades, para um debate sobre o texto no Senado. "Vindo aqui, colabora muito mais do que discutindo apenas na mídia", provocou.