Valor econômico, v. 17, n. 4142, 30/11/2016. Especial, p. A12

Tomara pela dor, Chapecó verte seu pranto pelas ruas

Cidade se une após maior tragédia que matou 71 pessoas

Por: Dorva Rezende

 

Chapecó acordou atordoada e consternada pela tragédia ocorrida com o voo que levava a delegação da Associação Chapecoense de Futebol a Medellín, na Colômbia. O avião que transportava a delegação da Chapecoense para a Colômbia, onde o clube de futebol catarinense disputaria hoje a primeira partida da final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional, caiu ontem momentos antes de pousar, matando 71 dos 77 ocupantes da aeronave - entre atletas e delegação do time, tripulantes e jornalistas. Seis sobreviventes - dois atletas, dois tripulantes e um jornalista - foram resgatados e encaminhados a três hospitais na região de Medellín.

A equipe catarinense enfrentaria, hoje, o Atlético Nacional na primeira partida da decisão da Copa Sul-americana. Nas ruas, as pessoas se abraçavam tentando entender a dimensão do ocorrido.

Aulas foram suspensas, o comércio fechou parcialmente, a Prefeitura decretou luto oficial de 30 dias e o prefeito Luciano Buligon (PSB), que embarcou à tarde para a Colômbia em avião cedido pelo governo federal, disse que já estava em contato com as autoridades colombianas para providenciar o traslado dos corpos, o que deve ocorrer amanhã ou na sexta-feira. A informação ontem à noite é que morreram 71 pessoas à bordo, com seis sobreviventes. Dos passageiros previstos (atletas, comissão técnica e jornalistas), quatro não embarcaram, entre eles o prefeito. O acidente está sendo apontado como a maior tragédia aérea do futebol mundial.

Tão logo a notícia do acidente se espalhou pela cidade e pelas redes sociais, centenas de pessoas se dirigiram à Arena Condá, estádio municipal cedido à "Chape", para uma vigília que logo se transformou em manifestação coletiva de pesar. Os familiares dos atletas foram recebidos pela direção do clube em área reservada. A Cruz Vermelha de Chapecó emitiu um comunicado solicitando que psicólogos voluntários fossem ao estádio auxiliar na tentativa de confortar parentes e amigos das vítimas. À tarde, os portões do estádio foram abertos à torcida, que realizou uma corrente de orações.

Chapecó adotou o time desde a sua vertiginosa ascensão no futebol nacional, entre 2009 e 2013. Vice-presidente da Chapecoense e diretor de uma das maiores empresas atacadistas e distribuidoras de alimentos do Sul do país, Ivan Tozzo é um dos muitos empresários que "abraçaram" o time nessa trajetória vencedora. Ele acompanharia o time até Medellín. "Desisti na última hora. Alguns decidiram ficar aqui. Não consigo expressar o que a gente sente agora diante dessa notícia. Nossos jogadores, nossos colegas estavam nesse voo", disse. "O clube estava vivendo o seu grande momento, orgulhando e dando alegria a toda a cidade e à região. Agora nos resta consolar os familiares. É muito triste".

Proprietário da Imobiliária Cosa Nostra, o empresário Daví Barela Dávi, uma das vítimas, costumava assistir a todas as partidas da Chapecoense e, no sábado, foi convidado pela diretoria do clube a acompanhar a delegação. Uma das funcionárias mais antigas da empresa e principal assessora de Dávi, Márcia Ruchinski disse que a família - a mulher Rozemar e os filhos Pablo e Mauro- está em choque e recolhida em casa. "Ele foi convidado pelo Edir De Marco, ex-presidente do clube, que também estava no voo. Eles eram muito amigos, e o seu Daví era apaixonado pelo time", disse Márcia. "A nossa empresa patrocinava a Chapecoense nas outras séries do Brasileiro. Toda a nossa equipe usava a camiseta do clube aos sábados."

Professora do curso de Jornalismo na Unochapecó, Ilka Goldschmidt lamentou a morte de cinco ex-alunos: Douglas Dorneles, repórter da Rádio Chapecó; Renan Agnolin, repórter da Rádio Oeste Capital e da RIC TV Record de Chapecó; Gelson Galioto, narrador da Rádio Super Condá; e os assessores de imprensa da Chapecoense, Cleberson Silva e Gilberto Pace Thomaz. "É muito dolorido. Todos estavam vivendo o momento mais importante de suas carreiras, fazendo o que sempre sonharam, que era participar de uma grande cobertura esportiva sem precisar sair da sua cidade. Há alguns meses, o nosso curso de Jornalismo completou 18 anos e alguns deles vieram falar sobre tudo isso. O Renan (Agnolin) se emocionou ao falar que se sentia realizado com o que estava acontecendo com a Chapecoense. Eram jovens, tinham toda uma vida pela frente", afirmou Ilka.

Vocalista da banda de rock Repolho, o designer gráfico Roberto Panarotto morou durante muitos anos numa rua atrás do estádio Índio Condá e, na infância, costumava jogar bola com o supervisor do clube, Emmerson "Chinho" Di Domenico. "Encontrei com ele no aeroporto, numa dessas viagens da Chape. Foi a última vez que falei com o Chinho, ele estava feliz pelo momento do clube. A população está desolada, ninguém sabe como sair disso. Ninguém consegue trabalhar direito, a cidade está silenciosa, tudo muito estranho. Como Chapecó é uma cidade pequena, conhecíamos quase todos que estavam no avião. A gente não via os jogadores apenas pela televisão, eles estavam em todos os lugares, no shopping, nos restaurantes, nas ruas", afirma.

Primo do assessor de imprensa Gilberto Pace Thomaz, o também jornalista Bruno Pace Dori disse que a família está chocada com o ocorrido e também falou sobre como a Chape, de certa forma, funcionava como um amálgama da cidade, reunindo profissionais de imprensa e do esporte na paixão pelo clube.

"Minha tia não está conseguindo aceitar, ainda não acredita no que aconteceu", diz Dori. "Como o Giba era filho único, nós éramos muito próximos; eu e meus irmão estávamos sempre com ele, jogávamos truco, fazíamos tudo juntos. Ele sempre foi fanático pela Chapecoense. Mesmo antes de concluir o curso, foi estagiário no clube, até concretizar o sonho de trabalhar lá. Dá um certo conforto pensar que ele morreu fazendo o que mais gostava. O Cleberson e o Douglas também foram meus colegas na universidade. O Chinho foi meu professor de educação física, antes de virar preparador físico e depois supervisor da Chape. É bem complicado tudo isso que está acontecendo. Vai demorar para a cidade se recuperar desse baque, se é que vai conseguir algum dia", diz.