Nobel da Paz fortalece presidente da Colômbia na luta para salvar acordo

Jamil Chade e Fernanda Simas

08/10/2016

 

 

Impasse. Após derrota surpreendente em plebiscito, líder colombiano recebe prêmio e consegue fôlego na tentativa de convencer Farc e oposição política a renegociar termos do pacto de Havana, mantendo viva a intenção de encerrar conflito que já dura 52 anos.

Derrotado em um plebiscito e sob forte pressão, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, recebeu um impulso inesperado do exterior e reforçou sua posição no impasse sobre a negociação de um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ontem, ele foi anunciado como o ganhador do prêmio Nobel da Paz de 2016.

“Colombianos, esse prêmio é de vocês”, afirmou o presidente. “Esta manhã, muito cedo, meu filho Martín me acordou para me contar a decisão.” O líder colombiano agradeceu e dedicou o prêmio também aos negociadores do governo e das Farc, que discutiram o atual acordo de paz por quatro anos em Havana, Cuba, e continuam negociando após a vitória do “não” no plebiscito do dia 2.

“Não recebo esse prêmio em meu nome, mas em nome de todos os colombianos, em especial em nome das milhões de vítimas desse conflito”, afirmou o presidente. “A paz está perto, a paz é possível, é a hora da paz.”

O prêmio foi considerado um incentivo diante do risco concreto de que a guerra volte ao país. Mas a escolha, segundo o Comitê do Nobel, foi tomada “pelo esforço de Santos em encerrar a guerra de mais de 50 anos – que matou ao menos 220 mil colombianos e deslocou quase 6 milhões de pessoas”.

O anúncio causou surpresa. Até o último fim de semana, o acordo de paz na Colômbia era, de fato, forte candidato ao prêmio, com seus principais atores – o presidente Santos e o líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, o “Timochenko”. Mas o “não” da população na votação parecia ter minado as chances de um Nobel.

A presidente e porta-voz do Comitê Norueguês do Nobel, Kaci Kullmann Five, justificou a escolha de Santos por sua coragem política de enfrentar tanto a oposição armada quanto a oposição política. Ele, segundo Oslo, foi o “iniciador” do processo e “de forma consistente buscou a paz”.

O presidente brasileiro, Michel Temer, comemorou o prêmio dado a Santos, que considerou um justo reconhecimento a seus esforços em favor da paz. “A decisão é um orgulho não só para os colombianos, mas para toda a região”, disse.

Reforço. Ainda que tente evitar considerações políticas, Oslo fez questão ontem de indicar que espera que seu prêmio tenha um impacto real nas negociações. “Esperamos que o prêmio dê força a Santos e queremos encorajar todos aqueles que tentam encontrar paz e reconciliação na Colômbia. O presidente já disse que vai continuar a trabalhar pela paz”, disse a entidade norueguesa.

O comitê afirmou ainda que o acordo, mesmo não aprovado, era um esforço real de dar fim a “uma das mais longas guerras da história moderna e o único das Américas hoje”.

Os responsáveis pelo Nobel também foram criticados por ignorar o voto dos colombianos, mas o comitê vê a situação de uma outra forma. “Respeitamos processo democrático e o voto dos colombianos. Mas os colombianos não falaram não para a paz. Eles disseram não a esse acordo específico. Agora, existe um processo para reabrir o diálogo para tentar levar o processo adiante. Isso é importante para evitar que o conflito volte”, explicou.

Ausência. Os líderes da Farc que negociaram o acordo, porém, não foram premiados pelo comitê em Oslo, apesar de terem sido indicados. Ingrid Betancourt, ex-senadora sequestrada pelas Farc, declarou que considera que o prêmio teria de ser dividido com a guerrilha. “É muito duro dizer isso, mas o prêmio precisava ser compartilhado”, afirmou.

A decisão de não dividir o prêmio foi alvo de questionamentos, já que no passado o mesmo comitê escolheu mais de um ator num processo de paz. 

CRONOLOGIA

Os laureados mais recentes

2015

Quarteto para o diálogo nacional tunisiano Por salvar a transição democrática na Tunísia 

2014

Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi Pelo combate à opressão contra crianças e jovens e pala defesa da educação para todos os menores

2013

Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) Por seus esforços para tentar livrar o planeta da ameaça das armas de destruição em massa.

 

O Estado de São Paulo, n. 44932, 08/10/2016. Internacional, p.A12