Comissão de Ética investiga Moraes

 
28/09/2016
Julia Chaib

 

Um dia após a polêmica sobre a declaração que deu no último domingo, em Ribeirão Preto, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, se tornou alvo de investigação por parte da Comissão de Ética Pública da Presidência da República. O titular da Justiça tem 10 dias para se explicar ao colegiado, que decidiu abrir ontem um processo disciplinar para apurar a conduta ética de Moraes. A comissão investigará se o ministro violou regra referente ao sigilo funcional, ao dizer que haveria uma operação da Lava-Jato nesta semana, no dia anterior à prisão do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, Antonio Palocci.

Ontem, o presidente Michel Temer esteve com o ministro, que segue garantido no cargo. Temer pediu mais cuidado com as declarações, já que a fala inicialmente desagradou ao Palácio do Planalto. A Comissão decidiu abrir o processo ético depois de o deputado Afonso Florence (BA) apresentar denúncia. A investigação se dará a respeito do manejo da informação, explicou o presidente do colegiado, conselheiro Mauro Menezes. “O resguardo de informações privilegiadas é de responsabilidade das autoridades. Então, dedicamos nossa atenção ao fato de haver essa suposição de que teria havido manejo inadequado de informações privilegiadas”, disse Menezes.

Na denúncia, Florence acusa o ministro de ter usado as informações com “fins eleitorais”’, que também entrou no mérito de análise dos conselheiros para decidir sobre a abertura do processo. “Nada contra que a autoridade possa participar do processo político eleitoral. Podem participar e é até natural que o façam, mas num horário específico, da forma apropriada. Sem se valer de privilégios decorrentes do exercício da função pública”, disse Menezes.

A fala polêmica de Moraes ocorreu no domingo e foi dirigida a integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), durante o evento de campanha do deputado federal Duarte Nogueira (PSDB-SP), candidato a prefeito em Ribeirão Preto. Moraes também é filiado ao PSDB. “Teve a semana passada, e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim”, disse o ministro, sobre a continuidade da Operação Lava-Jato. A oposição imediatamente levantou suspeitas de que o ministro soube com antecedência e usa politicamente as informações sobre a operação.

Já na segunda-feira, após a polêmica, a Polícia Federal divulgou uma nota em que afirma não avisar o Ministério da Justiça com antecedência sobre as operações. O ministro também esteve com a cúpula da Polícia Federal em São Paulo três dias antes de Palocci ser preso. O encontro estava na agenda do ministro, com o delegado Disney Rosseti. Mas, segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça, o encontro tratou de três temas e nenhum deles se referia à Operação Lava-Jato.

Temer não gostou da declaração e, diante da polêmica, Moraes se explicou ao presidente pelo telefone, para dizer que havia feito a declaração de forma genérica. Na própria segunda, Temer já havia aceitado a explicação do ministro e decidido mantê-lo no cargo, pelo menos até o momento. Mesmo assim, depois da chegada de Moraes a Brasília ontem pela manhã, ambos estiveram reunidos e Temer alertou sobre a necessidade de se ter cuidado com declarações públicas. Mais tarde, após se reunir com o presidente, o senador Áecio Neves (PSDB-MG) disse que Temer classificou o caso como “superado”.

Aécio, que é presidente do PSDB, também afirmou que as críticas partem do PT e que Moraes não só apoia como dá independência à PF.  “O PT tem encontrado grandes dificuldades para entrar nos méritos das acusações que vêm sendo feitas aos seus vários líderes e tenta politizar uma questão”, disse Aécio. Filiado ao PSDB, Moraes foi advogado do ex-deputado federal Eduardo Cunha e é amigo de Temer. Ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, trabalhou no governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

 

Frase

“Nada contra que a autoridade possa participar do processo político eleitoral. Podem participar e é até natural que o façam, mas num horário específico, da forma apropriada. Sem se valer de privilégios decorrentes do exercício da função pública”

Mauro Menezes, presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República

 

Decreto regulamenta uso de algemas

O presidente Michel Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, editaram decreto para regulamentar o uso de algemas, previsto na Lei de Execução Penal. A norma está publicada no Diário Oficial da União (DOU) de ontem. De acordo com o texto, é permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito. O decreto ainda proíbe o uso do instrumento em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

 

Correio braziliense, n. 19483, 28/09/2016. Política, p. 4