Valor econômico, v. 17, n. 4101, 29/09/2016. Finanças, p. C12

Adesão de políticos ficará fora de mudança na anistia, diz Maia

Rodrigo Maia: "Eu disse para o relator que tudo o que é polêmico, o que não há consenso, é melhor não mexer"

Por: Fabio Murakawa e Fabio Graner

 

Um dos líderes da mobilização por mudanças na lei da regularização de ativos no exterior - a chamada repatriação -, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem que o artigo que veda a participação de detentores de cargos públicos no programa não deverá ser alterado. A afirmação dele foi feita diante da forte reação contrária à mudança. Até o presidente Michel Temer indicou a interlocutores não ter simpatia pela ideia, segundo apurou o Valor. Segundo uma fonte, Temer estaria preocupado com o impacto que a mudança polêmica poderia causar no governo.

Outra proposta de mudança na Lei da Repatriação que circulou em versões preliminares do relatório do deputado Alexandre Baldy (PTN-GO) também já havia sido retirada na última versão. Tratava-se da possibilidade de condenados aderirem ao programa para regularizarem ativos que não estariam relacionados a esses crimes.

"Eu disse para o relator que tudo o que é polêmico, o que não há consenso, é melhor não mexer", disse Rodrigo Maia. Ele argumentou que as mudanças que sobraram para ser feitas, como a definição de que para a cobrança de imposto de renda e multa vale o saldo no exterior em 31 de dezembro de 2014, vão ajudar o governo a arrecadar mais e dar segurança jurídica aos contribuintes que querem aderir.

Apesar dos recuos, ainda não é certo que estes itens ficarão de fora da nova lei em discussão no Congresso. Parlamentares ainda indicam a intenção de trazê-las de volta ao relatório que deverá ser formalmente apresentado na próxima terça-feira por Baldy ou apresentar emendas ao texto.

Fontes do governo criticaram essas sugestões de mudanças, que alguns classificaram, inclusive, de "escândalo". Oficialmente, o Palácio do Planalto diz que não vai interferir nos assuntos tratados no âmbito do Legislativo, poder que tem autonomia. O governo só enfatizou que não gostaria de ver alterações na data de entrega das declarações e pagamento dos tributos. Em relação às demais propostas, o Planalto diz que vai examinar se efetivamente houver aprovação de mudanças pelo Legislativo.

Com os recuos feitos até o momento, a versão mais recente do relatório mantinha como principal alteração a definição de que será considerado o saldo no exterior em 31 de dezembro de 2014 para a cobrança dos 30% de multa e Imposto de Renda. Embora não esteja mais comentando o assunto, a Receita Federal sempre foi contra essa mudança, defendendo o texto em vigor e a interpretação normativa de que vale o estoque de recursos no exterior nos últimos cinco anos, mesmo que tenha sido consumido ao longo do tempo.

A ideia de mudar a Lei de Repatriação tem mobilizado a Câmara, mesmo em meio ao recesso informal das eleições. Fontes do governo avaliam que os parlamentares têm se aproveitado da proximidade do prazo final de adesão e da necessidade de o governo aprovar medidas que demandam maciço apoio parlamentar, como a PEC do gasto, para fazer avançar o assunto, a contragosto da Fazenda.

Apesar de Rodrigo Maia e do próprio relator terem apontado a desistência em relação à possibilidade de políticos e seus parentes aderirem ao programa, o deputado Paulinho da Força, aliado do ex-deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), avisou que vai tentar colocar de volta no texto. Uma alternativa levantada nos bastidores seria retirar apenas a vedação aos parentes e determinados tipos de servidores públicos, mantendo apenas para políticos.

Para Guilherme Domingues de Oliveira, sócio da Schreiber, Domingues, Cintra, Lins e Silva Advogados, a revogação do artigo seria correta, porque o artigo 11 é, na visão dele, inconstitucional. "Ele gera uma presunção de que o recurso dessas pessoas é de origem ilícita", disse. Para ele, a redação da lei atual impede até que primos e sogras possam se beneficiar da anistia.

O sócio da Vinhas e Redenschi e ex-secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Fabrício Dantas, tem avaliação semelhante. Para ele, a vedação, do jeito que está construída no artigo 11 da lei atual, impede até um empresário que tenha um irmão professor de universidade pública de aderir ao programa.

Outra discussão ainda não resolvida, embora com pouca chance de prosperar, é sobre a extensão do prazo atual de 31 de outubro. Esta é a maior preocupação do governo. Para Domingues, com as mudanças que estão sendo discutidas, o ideal era que se estendesse pelo menos até o início de dezembro. Uma das versões iniciais que circulou previa adiar até 31 de dezembro deste ano.

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Anbima defende flexibilização

Por: Alessandra Bellotto
 

A Lei de Repatriação deveria ser flexibilizada de modo a permitir que detentores de cargos públicos possam aderir ao programa de regularização de recursos no exterior, defende João Albino Winkelmann, diretor do comitê de private banking da Anbima, entidade que representa os bancos. "Ninguém deveria ser impedido de aderir, isso é discriminatório", afirma o executivo, que também é diretor do Bradesco Private Bank.

Albino destaca que não há por que deixar de fora, por exemplo, parentes de detentores de cargos públicos com dinheiro no exterior de origem lícita. "A preocupação é pertinente, mas cada um que preste contas da origem do dinheiro. Quem não tem como provar a licitude não vai aderir", ressalta o executivo.

Ele lembra que os bancos já são bastante cautelosos ao lidar com clientes considerados "Pessoas Politicamente Expostas (PPE)", fazendo um verdadeiro escrutínio para a abertura de contas, por exemplo, como parte das normas de combate à lavagem de dinheiro. "Olhamos com lupa para esse cliente, mas não o excluímos", completa Albino.

Na visão do advogado Hamilton Dias de Souza, especialista em direito tributário e conselheiro jurídico da Fiesp, impedir alguém de regularizar recursos no exterior de origem lícita só porque tem parentesco com políticos ou detentores de cargos públicos não faz sentido e é inconstitucional. Sua expectativa é de que isso possa voltar à pauta por meio de emendas, já que o assunto é complexo e o governo não quer uma dilatação do prazo.

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Artigo de anteprojeto pode liberar lavagem e sonegação

Por: Maíra Magro e Marta Watanabe

 

Um artigo do anteprojeto que altera a Lei de Repatriação traz, na prática, uma anistia ampla para os crimes de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, sonegação e falsidade ideológica mesmo para dinheiro que não for declarado pelos que aderirem ao programa.

Isso porque a lei exige apenas a declaração do saldo de 31 de dezembro de 2014, mas anistia todo o passado. Se o saldo nesse dia for inexistente, será preciso declarar o maior entre os saldos identificados nas datas de 31 de dezembro de 2011, 2012 e 2013. Se o dinheiro foi movimentado antes de 2011 ou gasto antes de 31 de dezembro de cada exercício, o valor não precisará ser declarado, mas se beneficiará da anistia.

Valor teve acesso ao texto, segundo o qual a adesão ao programa, "antes de decisão criminal condenatória, extinguirá, em relação ao ano da adesão e aos anos anteriores, a punibilidade do declarante em relação aos crimes previstos" na lei - que incluem lavagem de dinheiro, evasão fiscal, sonegação e falsidade ideológica. O projeto adiciona ainda um inciso dizendo que a anistia "se estenderá a todas as condutas praticadas pelo declarante em anos pretéritos, inclusive anteriormente ao ano de 2011, até a data de adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct), que tenham relação com os bens declarados." Criminalistas apontam que, para se beneficiar da anistia, o dinheiro não pode ter origem ilícita, como ser fruto de desvio de recursos públicos, por exemplo. O texto que altera a Lei de Repatriação circulava ontem entre as lideranças do Congresso e ainda pode ser alterado.

A alteração proposta, dizem tributaristas, estabelece o saldo de 31 de dezembro de 2014 como base de cálculo para o Imposto de Renda (IR) e a multa devidos na adesão ao programa. Isso estabelece o critério "foto" ao determinar que o IR seja calculado sobre o saldo de uma determinada data, em vez do critério "filme" que demandava o pagamento do imposto também sobre o fluxo financeiro.

Para Alessandro Fonseca, do escritório de advocacia Mattos Filho, a escolha do critério "foto" é o mais acertado e dá mais segurança jurídica aos contribuintes. A preocupação, diz ele, fica por conta da clareza do texto, para que não sejam levantadas dúvidas pela fiscalização no futuro. "Seja foto ou seja filme, o importante é que haja uma definição para eliminar a inquietação resultante das várias interpretações existentes hoje", diz Pierpaolo Bottini, professor de direito da USP.

A interpretação, porém, não é unânime. Advogados que preferiram não ser identificados dizem que essa definição não deve contribuir para elevar o número de contribuintes que irão aderir à repatriação. "Todo mundo já ia aderir mesmo por conta da extinção de punibilidade ou pela troca de informações que a Receita Federal deve começar a fazer após o programa", diz um tributarista. Outro advogado aponta que o critério de saldo em 31 de dezembro de 2014 pode ser injusto ao beneficiar quem cometeu crime de evasão de divisas em 2011, por exemplo, mas gastou boa parte dos recursos ao longo dos anos seguintes. Nesse caso, o contribuinte ficou com saldo menor em 2014 e deverá conseguir a anistia com um recolhimento menor de tributos.