Previdência rural terá contribuição mínima individual

Fabio Graner e Edna Simão

12/09/2016

 

 

O governo já decidiu rever a sistemática de contribuição previdenciária do setor rural e deve propor uma nova regra na Constituição prevendo uma cobrança mínima individual que tenha alguma frequência. O Valor apurou que um dos modelos possíveis estudados no âmbito da reforma da Previdência seria uma taxa semelhante à do MEI (Microempreendedor Individual), que é de 5% do salário mínimo, mas cobrado não em bases mensais e sim com uma periodicidade ainda a ser definida, como trimestral ou semestral, de forma a não sobrecarregar o trabalhador. Esse formato, contudo, ainda não está fechado e dependerá de decisões da área política. A proposta final da reforma deverá ser encaminhada até o fim do mês ao Congresso Nacional.

Atualmente, o trabalhador rural contribui sobre o valor que declara ter comercializado no ano e tem que comprovar a atividade por pelo menos 15 anos.

A reforma da Previdência Social vai prever ainda uma mudança na fórmula de cálculo das aposentadorias para priorizar o tempo de contribuição no valor do benefício a ser pago, criando uma espécie de bônus para quem entra muito cedo no mercado de trabalho, conforme antecipado pelo Valor. A medida, porém, também visa a reduzir a chamada "taxa de reposição do benefício" - que corresponde à diferença entre o que o trabalhador recebia na ativa e o valor da aposentadoria. Assim, na prática a iniciativa vai reduzir o benefício pago para a maior parte dos trabalhadores. Para técnicos, a taxa de reposição no Brasil é elevada, algo em torno de 80%, e em países da OCDE, a média é de 60%.

Tanto a mudança na fórmula de cálculo dos benefícios previdenciários quanto a nos critérios relativos ao sistema na área rural têm como objetivo ajustar as contas da Previdência e conter a trajetória explosiva do rombo, que deve saltar de R$ 149 bilhões neste ano para R$ 181,25 bilhões no fim do próximo ano. Essa é a maior despesa primária do setor público e conter sua expansão ficou ainda mais urgente depois da proposta que limita o crescimento dos gastos pela inflação do ano anterior.

Na avaliação do governo, a cobrança de uma contribuição previdenciária mínima do produtor rural não deve ter um impacto arrecadatório tão grande, mas será fundamental para o aumento da segurança jurídica. A expectativa é que a nova sistemática torne mais claro se o trabalhador é mesmo rural ou não para ter direito à aposentadoria pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Atualmente um terço dos benefícios rurais são concedidos judicialmente.

Para garantir a aposentadoria sem fazer contribuições, os trabalhadores alegam que produziram para subsistência e não para venda. Ou fazem contribuições sobre valores comercializados muito baixos (subfaturados).

A tendência esperada é que a nova sistemática acabe gerando menor pressão no lado da despesa, pois deve reduzir a base de beneficiários ao longo do tempo. O tamanho desse impacto, contudo, ainda é desconhecido.

Mesmo com uma regra menos generosa, o trabalhador rural que efetuar os pagamentos terá um benefício bem maior do que a contribuição indicaria. Mas, se não contribuir, não deverá mais ser enquadrado como trabalhador rural e não receberá aposentadoria nesse sistema. Nesse caso, se a família tiver baixa renda, o cidadão deve ser direcionado para o sistema de assistência social, recebendo Benefício de Prestação Continuada (BPC). O governo acredita que a mudança nas regras rurais, seja qual for, será um dos pontos mais polêmicos da reforma.

Outra possibilidade em discussão para melhorar as receitas no setor rural é a instituição de cobrança de contribuição dos exportadores, proposta também polêmica e rejeitada por grandes ruralistas.

No ano passado, o déficit do regime geral de Previdência para trabalhadores rurais foi de R$ 90,9 bilhões. No primeiro semestre deste ano, ficou em R$ 46,9 bilhões, com alta de 13% sobre os seis primeiros meses de 2015.

O déficit do sistema de aposentadoria rural é bem superior ao verificado no urbano, que em 2015 teve superávit de R$ 5,1 bilhões. Neste ano, o saldo nesse setor também já entrou no terreno negativo, em R$ 13,5 bilhões no primeiro semestre, devido à elevação da taxa de desemprego, o que impactou diretamente em uma queda das receitas previdenciárias.

A diferença entre os dois grupos basicamente está na arrecadação, já que a contribuição na área rural é muito baixa. No primeiro semestre, por exemplo, a receita previdenciária rural foi de R$ 3,8 bilhões, enquanto o pagamento de benefícios chegou a R$ 50,8 bilhões.

No caso da nova regra de cálculo geral dos benefícios previdenciários, se for aprovada, o contribuinte que chegar aos 65 anos de idade com 25 anos de contribuição receberá o equivalente a 75% de seu salário. Já uma pessoa que tenha entrado no mercado formal aos 16 anos e contribuiu até 65 anos, receberia 99% do seu salário. Isso acontece porque o cálculo do governo pretende considerar o piso mínimo de aposentadoria de 50% do salário de contribuição e, para cada ano de contribuição, será acrescido 1% ao valor da aposentadoria.

Segundo o ex-secretário de Previdência Social, atualmente consultor da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, a nova proposta de cálculo do governo é "interessante", mas deverá ser calibrada no Congresso Nacional para melhorar a situação dos trabalhadores que entraram mais cedo no mercado de trabalho. "É uma proposta interessante para que as pessoas continuem contribuindo para a Previdência Social", contou. "É um conceito que de certa forma vai substituir o fator previdenciário. Quanto mais tempo a pessoa contribuir maior o percentual do valor do benefício", complementou.

Rolim acredita que o bônus a ser pago por ano adicional de trabalho e contribuição deveria subir para algo em torno de 1,5%, valor que, na avaliação do consultor, seria mais adequado atuarialmente. Atualmente, o tempo exigido para aposentadoria por tempo de contribuição é de 35 anos para homem e 30 para mulher. O governo pensa em unificar e reduzir esse tempo mínimo para 25 anos, considerando que o requisito mais importante será a idade de aposentadoria, prevista para ser estabelecida em 65 anos para homens e mulheres. Na avaliação de Rolim, esse é outro tema que poderá ser alterado no Congresso.

Na reforma da Previdência em discussão, o governo também deve atacar outro grande foco de déficit: a aposentadoria dos servidores públicos. A ideia é fazer com que eles sejam submetidos às mesmas regras que serão definidas para o setor privado em termos de idade e contribuição para ter direito à aposentadoria. Os dados do déficit da Previdência do setor público não são divulgados com a mesma transparência e detalhamento do regime geral, mas o rombo já supera a marca dos R$ 70 bilhões anuais.