Correio braziliense, n. 19405, 12/07/2016. Economia, p. 8

23% ganham menos que o mínimo

Crise econômica aumenta a informalidade no mercado de trabalho, reduz a renda de trabalhadores e joga famílias na pobreza

Por: Simone Kafruni

 

A recessão está empurrando cada vez mais brasileiros para a pobreza. No primeiro trimestre deste ano, o número de trabalhadores que ganham menos de um salário mínimo (R$ 880), chegou a 23,4% da população economicamente ativa (PEA). Em 2012, eram 19,4%. Mas não é só isso: todas as faixas de pobreza inflaram desde então. Isso significa que a crise econômica e o desemprego jogaram na informalidade um em cada quatro trabalhadores brasileiros.

O professor da Universidade de São Paulo Rodolfo Hoffmann, autor do estudo, explicou que, como no emprego formal não é permitido pagar menos do que o mínimo, a não ser para estagiários ou em jornada de meio turno, os dados apurados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) mostram que mais brasileiros estão vivendo de bicos.

É o caso de André Santos, 32 anos, que sustenta a esposa e quatro filhos pequenos com apenas R$ 700 mensais, de bicos que faz como auxiliar de pedreiro. “Todo tipo de conta eu já deixei de pagar para dar comida para as crianças — água, luz, gás, tudo. Não dá mais. Não estamos conseguindo sobreviver assim. A gente não tem ideia do que vai fazer”, desesperou-se.

André trabalhou no campo durante dois anos para uma empresa na plantação de eucaliptos. Na época, ganhava mais que o mínimo. Dispensado há dois anos, não encontrou outro emprego até hoje. “Tem dias que eu me desespero ao pensar nas coisas que tenho que pagar. É difícil”, disse.

No levantamento, Hoffmann identificou que os 11,1% da PEA que ganhavam até R$ 200 no início de 2012 já eram 14,7% no primeiro trimestre deste ano; os que ganhavam até R$ 400 passaram de 15,7% para R$ 19,7% no mesmo período. Se a linha da pobreza for de renda até R$ 600 mensais, são 24,3% agora, ante 21,4% há quatro anos. “Chamou a atenção o aumento da informalidade de empregadas domésticas”, disse o professor. O dado mostra que a lei das domésticas acabou por precarizar o trabalho da categoria, que migrou para o serviço de diarista, sem carteira e declarando menos renda.

 

Recuo no tempo

Jandson Ferreira, 26, trabalhava para uma cooperativa de reciclagem e recebia R$ 600 por mês. Parou de prestar serviços à cooperativa para ser ambulante. “Estou trabalhando há duas semanas e consigo em média R$ 70 por dia. Acho que vou ganhar mais”, disse. Rosmar Sousa, 56, também recebe menos que um salário mínimo e tenta se virar como pode para levar dinheiro para casa desde que perdeu o emprego de auxiliar de pedreiro. Faz bicos e, para ajudar na renda, junta latinhas para vender.

Para Rafael Bacciotti, da consultoria Tendências, os dados são reflexo do desemprego, que atingiu todos os setores. “Recuamos alguns anos no tempo e os informais voltaram a ser maioria no país”, analisou.

 

Mais pobres (em %)

Evolução da proporção de pessoas que recebem menos do que um salário mínimo no país

 

Período    Até R$ 200*    Até R$ 400*    Até R$ 600*

1º tri/12      11,1                15,7                  21,4

2º tri/12      11,5                17,1                  21,3

3º tri/12      10,7                16,3                  20,5

4º tri/12      10,4                16,1                  20,0

1º tri/13      11,4                16,4                  20,3

2º tri/13      10,8                15,7                  19,6

3º tri/13      10,0                14,8                  18,7

4º tri/13      9,2                  14,0                  17,9

1º tri/14      9,9                  14,2                  19,8

2º tri/14      10,9                15,2                  20,7

3º tri/14      11,5                15,7                  21,1

4º tri/14      9,8                  14,0                  19,5

1° tri/15      10,6                15,1                  20,0

2º tri/15      11,0                15,5                  20,5

3º tri/15      11,5                16,1                  21,2

4° tri/15      11,6                16,4                  21,2

1° tri/16      14,7                19,7                  24,3

 

(*) Considerando valores do 1º trimestre de 2016

 

Fonte: Estudo sobre distribuição de renda entre pessoas economicamente ativas no Brasil feito pelo professor da USP Rodolfo Hoffmann

 

Bola de neve

Todas as pesquisas de emprego apontam perda de renda na comparação em 12 meses, destacou o consultor do site Trabalho Hoje Rodolfo Peres Torelly, ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho. “Quando o rendimento individual cai, a renda familiar também recua e mais pessoas procuram trabalho, pressionando a taxa de desemprego”, explicou. A maior parte acaba na informalidade, recebendo menos do que um salário mínimo. “É uma tendência que se acelera na recessão”, disse.