Valor econômico, v. 17, n. 4071, 17/08/2016. Brasil, p. A5

Carta de Dilma formaliza apoio ao plebiscito e à reforma política

Por: Andrea Jubé / Bruno Peres

 

Após semanas de muita expectativa, a presidente afastada Dilma Rousseff finalmente divulgou ontem sua "mensagem" aos senadores e ao povo brasileiro. Dilma reafirma o discurso de que seria vítima de um "golpe", mas pela primeira vez, formaliza o compromisso com a realização de um plebiscito sobre novas eleições e reforma política. Afirma que o combate à corrupção é "inegociável", diz que não fará "pacto com a impunidade" e defende sua biografia.

O horário escolhido para a divulgação do documento nas redes sociais não ajudou, porque coincidiu com o jogo da seleção brasileira de futebol feminino na Olimpíada, que perdeu para a equipe da Suécia e vai disputar a medalha de bronze. A repercussão da carta nas redes sociais acabou comprometida, porque as atenções voltaram-se para a disputa de pênaltis. Até Dilma atrasou, porque acompanhava a partida em outra sala. Ao se dirigir aos jornalistas, Dilma lamentou: "Perdemos". E logo começou a ler a mensagem pela qual busca a vitória no Senado.

A mensagem aos senadores e aos brasileiros foi gestada durante mais de um mês, cercada de polêmicas. O compromisso com o plebiscito dividiu aliados e os movimentos sociais. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o presidente do PT, Rui Falcão, foram contrários à proposta. Houve também críticas de que a petista "perdeu o timing" para divulgar o documento. Mesmo assim, Dilma decidiu, nos últimos dias, que defender o plebiscito era o melhor caminho para conquistar os seis votos que lhe faltam para evitar o impeachment.

Cinco ex-ministros acompanharam a leitura da carta: Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), Aloizio Mercadante (Educação), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e Eleonora Menicucci (Secretaria das Mulheres), todos do PT.

Nenhum senador aliado compareceu. Outras ausências sentidas foram as do presidente do PT, Rui Falcão, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Darei meu apoio irrestrito à convocação de um plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral", escreveu Dilma.

"Devemos concentrar esforços para que seja realizada uma ampla e profunda reforma política, estabelecendo um novo quadro institucional que supere a fragmentação dos partidos, moralize o financiamento das campanhas eleitorais, fortaleça a fidelidade partidária e dê mais poder aos eleitores", completou.

Criticada pelos parlamentares pela postura avessa ao diálogo, Dilma fez um breve "mea culpa", prometeu mudanças e falou em "humildade". "Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho".

Ela voltou a afirmar que não cometeu crime de responsabilidade, e na falta deste ato ilícito, o impeachment não teria base legal. "Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo "conjunto da obra". Quem afasta o presidente pelo "conjunto da obra" é o povo e, só o povo, nas eleições. Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de estado", ressaltou.

Ainda na carta, Dilma afirma que a continuidade da luta contra a corrupção é um "compromisso inegociável". Sem citar os aliados implicados na Operação Lava-Jato, Dilma diz que não aceitará nenhum "pacto em favor da impunidade daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade".

Ao final, ela faz uma defesa da própria biografia, e retoma o confronto com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição. Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém".

Enquanto a base aliada do presidente interino Michel Temer diz que a carta "veio tarde", senadores alinhados à petista acreditam que a manifestação ainda pode ter efeito na votação, pois a proposta de plebiscito sobre antecipar eleições seria a melhor solução. "Esse governo Temer não se sustenta. Tem delação e mais delação. A crise tende a se agravar. Dilma não vai fazer pacto para acabar com as investigações [da Lava-Jato]", defendeu Lindbergh Farias (PT-RJ).

Líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO) avalia que Dilma quer criar um "factoide" com o plebiscito. "Ela se calou e jamais admitiu essa tese quando milhões de pessoas foram às ruas protestar". Líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB) avaliou que a carta foi apresentada "fora do prazo". "Ela já teve a chance de dialogar com a sociedade e com o Congresso. Não o fez. O Senado caminha para o afastamento definitivo. O processo prova que crime foram praticados", concluiu. (Colaboraram Thiago Resende e Vandson Lima)