Acusação uruguaia de "compra" de apoio foi "mal-entendido", diz Serra

 

18/08/2016
Andrea Jubé

 

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, minimizou ontem o incidente envolvendo o seu homólogo do Uruguai, que teria acusado o Brasil de tentar "comprar" o apoio do país vizinho para impedir a Venezuela de assumir a presidência do Mercosul.

Serra disse que, em um telefonema, o chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa explicou que houve um "equívoco", um "mal-entendido", e que prevalece a parceria do Brasil com o Uruguai. O ministro brasileiro acrescentou que se encontrará com Novoa no dia 23, durante reunião de coordenadores do bloco sul-americano.

"A questão foi esclarecida, não há mais nenhum problema no nosso trabalho conjunto com o Uruguai", afirmou Serra durante entre coletiva, depois de se reunir com lideranças da oposição venezuelana no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Serra não quis entrar em detalhes sobre a conversa com o ministro uruguaio. "Ele [Novoa] fez o gesto de nos procurar, de reconhecer que foi um mal-entendido gerado a partir da sua presença no Congresso [uruguaio]", disse Serra. Questionado sobre se o uruguaio lhe pediu desculpas, o ministro respondeu que não seria "indiscreto".

De acordo com o jornal "El País", Novoa teria acusado Serra de tentar "comprar" o apoio do país à posição brasileira de impedir que a Venezuela assuma a presidência rotativa do Mercosul. Serra foi a Montevidéu no dia 5 de julho tentar construir uma solução para o impasse em torno da presidência pro-tempore do Mercosul.

O "El País" reproduziu notas taquigráficas de uma fala do chanceler à Comissão de Assuntos Internacionais. Novoa teria afirmado aos deputados que não gostou da proposta de Serra para suspender a transmissão da presidência do bloco para a Venezuela. Acrescentou que, se o Uruguai aderisse à posição brasileira, "nos levariam em suas negociações comerciais com outros países, como querendo comprar o voto do Uruguai".

Em outro trecho, o uruguaio afirma que a Venezuela é legítima ocupante da presidência pro-tempore e, portanto, quando convocar uma reunião, o governo uruguaio comparecerá, o que Brasil e Paraguai já deixaram claro que não farão.

A fala do chanceler Novoa foi reproduzida em sites de toda a América do Sul na terça-feira. Diante do ocorrido, o secretário-geral das Relações Exteriores, Marcos Galvão, convocou, no mesmo dia, o embaixador do Uruguai em Brasília para uma reunião. Nesse encontro, ele expressou "o profundo descontentamento do Brasil com as declarações", segundo uma nota emitida pelo Itamaraty.

Durante a entrevista após uma reunião ontem com os líderes da oposição venezuelana, Serra voltou a afirmar que a Venezuela não cumpriu os requisitos para fazer parte do bloco comercial, e por isso, não pode presidi-lo. "A Venezuela não vai assumir o Mercosul, isso é seguro", afirmou. Serra disse que o Brasil está procurando uma fórmula para que o bloco seja conduzido até janeiro, quando será a vez de a Argentina assumir a presidência rotativa.

Serra voltou a defender a realização do referendo na Venezuela sobre o governo do presidente Nicolás Maduro. "Todos os países democráticos do mundo devem pressionar o governo venezuelano para que realize o mais breve possível esse referendo, que representaria uma consulta à vontade que hoje é majoritária na Venezuela", afirmou o ministro das Relações Exteriores.

Serra reuniu-se em Brasília com o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional da Venezuela, deputado Luís Florido, e com o coordenador político do partido da Voluntad Popular, Carlos Vecchio. Ambos são aliados de Leopoldo López, opositor do presidente Maduro, que está condenado a 14 anos de prisão, segundo Serra, por um "crime de opinião". "Estamos com um governo autoritário, repressivo", disse.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4072, 18/08/2016. Valor, p. A2