O globo, n. 30271, 23/06/2016. País, p. 3

Cunha, duas vezes réu

STF abre processo contra deputado por contas não declaradas na Suíça, e chance de cassação cresce

Por: Carolina Brígido/ André de Souza

 

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu ontem mais uma denúncia do Ministério Público contra o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ). Para os 11 ministros, há elementos suficientes na investigação comprovando que o parlamentar era o verdadeiro dono de contas na Suíça não declaradas. Essas contas teriam escondido R$ 5,28 milhões, recebidos pelo deputado a título de propina entre 2010 e 2011. Cunha agora é réu pela segunda vez na Lava-Jato. Em março, o tribunal abriu ação penal contra ele sobre o recebimento de propina decorrente de um contrato de navios-sonda pela Petrobras.

A abertura do novo processo aumenta as chances de cassação do mandato de Cunha no plenário da Câmara, pois os ministros do STF aceitaram a tese de que o deputado mentiu ao negar ser dono de contas no exterior, justamente o ponto a ser analisado pelos deputados.

Cunha é acusado de quatro crimes: corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e omissão ou declaração falsa em documento eleitoral. Pela apuração, a propina paga a Cunha foi desviada da Petrobras no contrato de aquisição de campo de petróleo em Benin. O dinheiro foi mantido em contas secretas na Suíça e gasto em artigos de luxo para o deputado, a mulher dele, Claudia Cruz, e a filha Danielle.

— No caso das contas utilizadas pelo acusado, os indícios colhidos apontam que elas de fato pertenciam a ele e tinham como razão de existir a real intenção de manter o anonimato com relação à titularidade dos valores — disse o ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava-Jato no STF. — Os documentos comprovam que Cunha possuía a titularidade das contas, ou seja, é o verdadeiro beneficiário das contas.

A defesa alegou que o dinheiro não precisava ter sido declarado às autoridades brasileiras, porque estava em nome de trusts (instrumento jurídico para a gestão de patrimônio). Mas Teori refutou o argumento, alegando que Cunha era o dono dos trusts e, por consequência, do dinheiro. Por isso, tinha a obrigação de declarar os valores ao Banco Central e à Receita. Cunha também omitiu as somas da Justiça Eleitoral, nas declarações apresentadas quando se candidatou.

Segundo a PGR, Cunha recebeu a propina em troca do apoio para a nomeação de Jorge Zelada para a Diretoria Internacional da Petrobras. Teori se convenceu da tese apresentada na denúncia:

— Os elementos colhidos confirmam o possível cometimento do crime de corrupção passiva por parte do acusado, ao se incorporar em engrenagem espúria protagonizada por Jorge Luiz Zelada, fazendo-se dela beneficiado.

O ministro Luís Roberto Barroso demonstrouse indignado com a prática dos partidos de indicar diretores de estatais para, em troca, receber vantagens ilícitas:

— É triste, mas a denúncia demonstra como isso funcionava de maneira muito cabal, penosa e dolorosa. Sem deixar de registrar o sobressalto de que provavelmente não ocorreu só na Petrobras.

Barroso disse que, atualmente, o país passa por uma “mudança de paradigma”, em que não será mais aceitável o desvio de dinheiro público:

— Historicamente, como se tornou inaceitável discriminar negros, bater em mulher, dirigir embriagado, a nomeação de parentes para cargos públicos, acho que está em curso no Brasil hoje nova mudança de paradigma: não é mais aceitável desviar dinheiro público, seja para o financiamento eleitoral, seja para o bolso.

Pelas investigações, Cunha era titular de três contas na Suíça, e a mulher dele, Claudia Cruz, de outra. Duas contas de Cunha foram encerradas antes que as autoridades suíças conseguissem bloquear os depósitos. Uma das contas tinha saldo de 2,39 milhões de francos suíços; a outra, de 176 mil francos suíços.

Procuradores suíços revelaram que as contas de Cunha e Claudia receberam mais de R$ 22 milhões nos últimos anos. Desse total, aproximadava mente R$ 5,28 milhões seriam de propina paga pelo lobista João Augusto Henriques. O dinheiro foi desviado da operação de compra de um campo de petróleo da Compagnie Béninoise des Hydrocarbures Sarl, no Benin, pela Petrobras.

Agora, Cunha responde no STF a duas ações penais e três inquéritos. Há também um pedido de abertura de outro inquérito. Além disso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também pediu a prisão de Cunha. No mês passado, o STF afastou Cunha do mandato e da presidência da Câmara por suspeita de usar sua posição em benefício próprio. Em seguida, Janot pediu a prisão porque, mesmo com a decisão do STF, Cunha continuou usando o mandato para tentar atrapalhar investigações contra ele. Antes de decidir, Teori deu prazo de 5 dias para a defesa se manifestar, que vence hoje.

Antes da votação de ontem, Janot reafirmou que há provas contundentes de que as contas eram de titularidade de Cunha.

— Não há dúvida de que o pagamento de vantagem indevida ao acusado Eduardo Cunha estarelacionado à titularidade do mandato de deputado federal, à influência em razão do mandato e à possibilidade de, caso não fosse pago, exercer pressão no sentido contrário — disse Janot.

Também ontem, por 9 votos a2, o STF negou recurso apresentado por Claudia e Danielle para serem julgadas pelo próprio tribunal, e não pela Justiça Federal do Paraná. O processo ficará com o juiz Sérgio Moro. O caso delas, também relacionado às contas na Suíça, começou a ser investigado no STF, mas foi separado e enviado à primeira instância. Por ser parlamentar, Cunha só pode ser investigado pelo STF.

Em nota, Cunha disse que respeita a decisão do STF, mas espera ser absolvido. “Ressalto o meu inconformismo com a decisão, dando como exemplo que a comprovação feita pela minha defesa de que uma suposta reunião na Petrobras não existiu foi ignorada e usada como parte da fundamentação da aceitação da denúncia. Ao longo da instrução probatória, minha defesa comprovará que o instituto do trust não significa que eu detenha a titularidade de conta”, diz a nota.

 

“Assim como historicamente se tornou inaceitável discriminar negros, bater em mulher, e dirigir embriagado, não é mais aceitável desviar recurso público”

Luís Roberto Barroso

Ministro do Supremo Tribunal Federal

    Órgãos relacionados:

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    ‘Agora não existe mais escapatória’, afirma Araújo

    Presidente do Conselho de Ética vê reflexo direto da decisão do STF sobre processo de cassação na Câmara
     
    Parlamentares a favor e contra Eduardo Cunha concordam que a decisão do Supremo de acolher uma nova denúncia contra ele, reconhecendo que as contas em nome de trust na Suíça eram de fato do deputado, pioram muito a situação do peemedebista na votação do pedido de cassação do mandato. O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), disse que agora os deputados que estão em dúvida sobre a cassação tiveram do STF a comprovação não só de que Cunha mentiu ao negar propriedade de contas no exterior, mas de que essas contas eram ilegais, configurando novo crime.

    — Agora, Eduardo Cunha não tem mais escapatória. Agora os deputados têm certeza não só de que ele mentiu, mas de que tinha uma conta irregular no exterior. Seus aliados tentam minimizar, dizendo ser injusto cassar seu mandato só porque mentiu. Não é só isso. A representação engloba tudo: mentiu, desviou dinheiro para uma conta no exterior, recebeu propina e todo o resto que estamos vendo nas investigações — comemorou José Carlos Araújo.

    Aliado de Cunha, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) também reconheceu que a decisão do STF acabará tendo peso no julgamento do pedido de cassação no plenário. Mas argumentou que, se Cunha está sendo processado pelo Supremo, deve ser julgado no STF, e não na Câmara.

    — Claro que essa decisão do Supremo boa não é. Mas era o esperado. Não tem nada surpreendente — comentou Marun.

    Cunha ainda espera barrar a representação aprovada no Conselho de Ética antes que vá para o plenário, por meio de recurso que apresentou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele levanta dúvidas sobre a legalidade da votação nominal, e não eletrônica; e a manutenção da relatoria com o deputado Marcos Rogério (DEM-RO), que pertence a um partido que integra o bloco com o seu partido, o PMDB.

    Órgãos relacionados: