Temer nomeia nova presidente do Iphan em meio a polêmica

09/06/2016

O governo oficializou ontem a troca no comando do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão que está no centro da principal polêmica em torno da extinção e recriação do Ministério da Cultura pelo presidente da República interino, MichelTemer.

Ministro da Cultura, Marcelo Calero: atribuições da secretaria de patrimônio ainda serão discutidas com a Casa Civil

A Medida Provisória 728, que refundou a pasta dez dias após ela ter sido anexada ao Ministério da Educação, criou também a Secretaria Especial do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cuja finalidade ninguém no governo sabe explicar.

Em seu último dia à frente do Iphan, a urbanista Jurema Machado disse temer que a nova secretaria tenha sido criada para abrigar velhos interesses da indústria da construção em áreas tombadas. Ligada ao PT, ela foi substituída por Kátia Bogéa, que foi superintendente do Iphan no Maranhão até outubro do ano passado, quando o cargo foi entregue pelo governo petista ao atual presidente da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA). Ela saiu dizendo que a autarquia tinha se tornado "moeda de troca" política. Procurada, a nova comandante do Iphan não foi localizada.

Após recriação do MinC, o atual titular da pasta, Marcelo Calero, assumiu a cadeira na tarde de 24 de maio, em uma cerimônia realizada no Salão Leste do Palácio do Planalto. No momento da solenidade, servidores do ministério e artistas contrários ao impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff participavam de um ato na Câmara. Entre as principais queixas contra ogoverno interino estava justamente a criação da secretaria para tratar de assuntos relacionados ao patrimônio.

Ao final da solenidade de posse, enquanto ainda recebia os cumprimentos de familiares, políticos e artistas, o novo ministro foi questionado pelo Valor sobre a finalidade da secretaria. Apressado, Calero disse apenas que o assunto ainda seria discutido em detalhes com o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Mais de duas semanas depois, a pergunta continua sem resposta. A assessoria do MinC garante que as atribuições do Iphan serão"absolutamente preservadas" e que a regulamentação da nova secretaria só acontecerá após "amplo debate com a sociedade". A equipe de Marcelo Calero lembrou ainda que uma estrutura semelhante funcionou durante o segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 e 2002.

Na época, a polêmica também foi grande e as acusações, parecidas. Escolhido por Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Cultura, Francisco Weffort anunciou uma reestruturação da pasta e a criação da Secretaria de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas. Poucos dias depois, os membros do conselho consultivo do Iphan divulgaram uma carta aberta criticando as mudanças, que na visão deles "fragilizavam gravemente" o exercício das funções do órgão.

Então membro do conselho, o advogado Modesto Carvalhosa - grande entusiasta do impeachment de Dilma - disse que à época que a reestruturação visava o atendimento de interesses da indústria da

construção. "É claro que o Iphan sempre incomodou e continua incomodando a especulação imobiliária", afirmou Carvalhosa à "Folha de S. Paulo".

Agora ex-presidente do Iphan, Jurema Machado acredita que a secretaria criada por Temer concentrará ainda mais poderes do que a do governo tucano. "Aquela secretaria não tinha o peso que está sendo dado agora - na proposta atual trata-se de uma Secretaria Especial, do nível da Secretaria Executiva", disse.

O arquiteto Luiz Fernando de Almeida, também ex-presidente do Iphan, afirma que a falta de transparência é o que alimenta as suspeitas de esvaziamento do órgão. "Considero antirrepublicano não dizer por que se criou essa estrutura, ainda mais em um contexto de desmonte do Ministério da Cultura sob o argumento da uma necessidade de otimização da máquina pública", disse ele. "É contraditório o MinC ser recriado com uma estrutura maior do que a anterior. Se não há sobreposição, então não há porque existir a secretaria".

 

Valor econômico, v. 16, n. 4022, 09/06/2016. Brasil, p. A4