Correio braziliense, n. 19360, 28/05/2016. Cidades, p. 17

Falta estrutura para tratamento mental

Dificuldade de acesso, desinformação e poucas opções aparecem como os principais problemas para quem precisa de assistência para distúrbios psiquiátricos no DF. Recentemente, no entanto, esses pacientes conseguem atendimentos humanizados

Por: Otávio Augusto

 

Carlos Vieira/CB/D.A Press

"Lidar com a doença é difícil, mas as dificuldades do acesso ao tratamento são muito maiores. Os médicos, os enfermeiros e as unidades de tratamento são maravilhosos, mas não alcançam todos os que precisam. Hoje, por exemplo, temos dificuldades para a retirada do medicamento, e essa interrupção traz retrocessos e danos" Marta Maria Pereira, 52 anos, mãe de jovem com esquizofrenia e autismo



Cabeças raspadas, pés descalços, maltrapilhos ou nus. Essas pessoas ficavam amarradas em seus leitos ou deitadas em colchonetes velhos ou no chão. Cercado por muros e vigias, o lugar parecia uma prisão, por dentro e por fora. Muitos espaços não tinham janelas e ficavam fechados com grades de ferro. Esse era o tratamento oferecido nos manicômios da capital federal, que chegaram a oito na década de 1980. O Hospital São Vicente de Paulo, em Taguatinga, era o principal deles e existe até hoje. Mas as políticas de assistência mudaram com o avanço da Luta Antimanicomial, a partir de 1987 (leia Para saber mais).
 

Atualmente, o tratamento é baseado em atividades terapêuticas diversas, medicamentos e acompanhamento médico. A regra é oferecer mais liberdade, em vez de privação. Ainda assim, as internações em hospital psiquiátrico continuam uma alternativa no Distrito Federal, situação que só poderá ser contornada com a ampliação da rede de serviços substitutivos, como a construção de centros de atenção psicossocial (CAPs).

Das 46 unidades previstas no Plano Diretor de Saúde Mental (PDSM/2010), apenas 17 deixaram a teoria — 63% das residências terapêuticas, responsáveis pela reintegração de dependentes químicos, não foram construídas. Em setembro de 2009, o Tribunal de Justiça (TJDFT) havia determinado a implantação de 25 desses locais e 19 CAPs no prazo de um ano.

Fardo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 20% da população mundial precisará de acompanhamento em saúde mental alguma vez na vida. Na capital federal, os transtornos mais comuns são: depressão, ansiedade e esquizofrenia — somam mais de 25% dos 50 mil atendimentos na rede pública. O vício em álcool e drogas também tem grande expressividade. Em 2015, a Secretaria de Saúde gastou R$ 5,5 milhões com a Atenção Psicossocial. Neste ano, o valor investido, até o momento, é de R$ 1,5 milhão. Em torno de 700 profissionais, entre médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, entre outros, trabalham na saúde mental da cidade.

Na antiguidade, os distúrbios da mente eram atribuídos a eventos sobrenaturais, como possessões demoníacas. Por mais que hoje a ciência compreenda os males, o preconceito ainda é forte. “Ainda há quem defenda o isolamento desses pacientes. A internação, para algumas pessoas, é tida como a libertação de um fardo. Na verdade, a convivência social monitorada por médicos e remédios faz parte do processo terapêutico”, explica Ricardo Lins, diretor de Saúde Mental (Disam) da Secretaria de Saúde.

"Carinho e atenção"
 
Os primeiros surtos psicóticos surgiram na adolescência. Logo depois, Filipe Alexander de Souza, 27 anos, recebeu o diagnóstico de esquizofrenia e autismo. Desde então, a mãe dele, a servidora pública Marta Maria Pereira, 52, conheceu a realidade de um paciente com transtorno mental. "Lidar com a doença é difícil, mas as dificuldades do acesso ao tratamento são muito maiores. Os médicos, os enfermeiros e as unidades de tratamento são maravilhosos, mas não alcançam todos os que precisam. Hoje, por exemplo, temos dificuldades para a retirada do medicamento, e essa interrupção traz retrocessos e danos", conta a moradora de Ceilândia.
Marta é comunicativa e tem habilidade com as palavras. O riso é fácil, diferentemente do comportamento de Felipe. Com o passar do tempo, a sensibilidade preencheu a lacuna na discrepância. "O paciente psiquiátrico não é incluído na sociedade. O primeiro embate social é o familiar. Carinho e atenção são essenciais", afirma.
O psiquiatra Fernando Potela Câmara, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), acredita que as doenças mentais são fatores de exclusão social. "A bareira começa na sociedade, que não valoriza a integração, trata o paciente como subumano einibe o tratamento. A recuperação dessas pessoas depende da reintegração social e fazer com que elas se sintam úteis e participativas", explica o especialista.