Título: O disputado mundo das patentes
Autor: Fonseca, Marcelo da
Fonte: Correio Braziliense, 24/10/2011, Ciência, p. 16

A relação entre pesquisa e chegada de novos produtos ao mercado, apesar de apresentar alguns avanços, ainda é tímida no Brasil. Cientistas se queixam do longo e burocrático processo para o reconhecimento das criações

Belo Horizonte — Contratos de inovação assinados com grandes empresas, investimentos e parcerias firmados com apoio do governo federal e a satisfação de descobrir algo que pode mudar a vida de muita gente. São muitos os motivos que levam professores e cientistas a passar várias horas dentro de laboratórios atrás de fórmulas e produtos nunca antes criados ou imaginados. No entanto, para conseguir os resultados e, até mesmo, o apoio que poderá ser fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, é preciso percorrer um longo caminho de estudos e passar por uma das etapas mais difíceis que vai garantir a proteção e os direitos de uso do invento: a concessão da patente. O processo pode durar mais de uma década e, em alguns casos, a cobrança por resultados acadêmicos nos estudos desenvolvidos nas universidades se torna um obstáculo a mais para os cientistas.

O físico Daniel Medeiros integra a equipe do Núcleo de Inovação Tecnológica (Pro-NIT) da Universidade de São Paulo (USP) e conhece bem os desafios que os pesquisadores enfrentam no dia a dia. "A maior dificuldade é que, durante o processo de pedido das patentes, nosso objetivo é proteger o produto; mas a universidade tem a missão de gerar conhecimento, e as pesquisas acadêmicas precisam ser publicadas e divulgadas. Só que, ao publicar um artigo ou uma tese sobre o tema, acabamos perdendo a novidade, um requisito importante na análise do pedido", explica. Medeiros aponta também a grande diferença entre os incentivos para pesquisadores brasileiros e de outros países, onde a relação entre os centros de excelência e as grandes empresas é mais avançada. "Percebo que a preocupação com as inovações recebe muito mais atenção dos grupos privados. Claro, o Brasil está avançando bastante, com cada vez mais apoio para novas tecnologias, mas por aqui o mercado ainda não consegue absorver nossos trabalhos como no exterior", pontua.

Para o professor e pesquisador na área de química orgânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cláudio Luis Donnici, além da demora para receber as definições sobre os pedidos, outro ponto que atrasa os cientistas brasileiros é a falta de conhecimento sobre muitos termos exigidos na parte burocrática do processo. "São termos legais e jurídicos que não temos o costume de usar, por isso é fundamental que as universidades invistam em pró-reitorias e centros de tecnologia com capacidade de auxiliar os professores e os alunos. No nosso caso, essa ajuda permitiu que passássemos pela parte técnica e elaborássemos um relatório que enviamos às esferas nacionais. É preciso que mais centros atuem dessa forma", alerta o pesquisador.

No primeiro semestre deste ano, Donnici participou de um grupo de estudos que descobriu um composto capaz de dissolver praticamente qualquer material orgânico ou inorgânico sem alterar a composição química de uma amostra submetida a análise química. Isso significa que o novo composto poderá, por exemplo, mostrar se um cosmético ou um alimento contém metal pesado ou se a casca de uma árvore a ser usada para produzir medicamentos está contaminada. Os pesquisadores já depositaram o pedido de patente, e a substância, registrada com o nome de Universol, está pronta para ser aplicada e ter sua tecnologia transferida a empresas que poderão produzir e comercializar o produto em larga escala. Quadro atual

No Brasil, o movimento mais intenso, segundo dados do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi), está ligado às pesquisas de indústria farmacêutica, mas as grandes empresas de outros setores têm aumentado significativamente a participação nos registros de patentes. Hoje, a Petrobras tem 1.253 pedidos de patentes no Brasil e 2.530 no exterior. A Vale, por sua vez, tem cerca de 2,4 mil pedidos, entre contratos de inovação e direitos de preferência para o uso de tecnologias.

O Inpi é o responsável pelo gerenciamento dos inventos licenciados no país. A legislação brasileira determina que a titularidade de todas as tecnologias desenvolvidas por professores, alunos e servidores pertence às instituições e, quando negociados os direitos de cada invenção, os recursos são divididos entre as partes envolvidas.

Em Minas Gerais, a Coordenadoria de Transferência de Inovação Tecnológica (CTIT), centro ligado à UFMG, conduziu, desde 2003, 82 licenciamentos que incluem não apenas patentes, mas outras formas de propriedade intelectual, como know-how, software e desenho industrial. "Além das propriedades já garantidas, temos outras 15 em fase de negociação, com grande interesse de países como França, Japão e Estados Unidos nas áreas de biotecnologia, fármacos e saúde animal. Estamos conseguindo facilitar ao máximo o processo de registro dos pesquisadores e fazemos a mediação com o setor industrial para buscar interesse e apoio, por meio de convênios de parceria ou contratos de transferência tecnológica", explica o diretor do CTIT, o físico Ado Jorio de Vasconcelos.

Etapas

1 - Pesquisadores que criam alguma tecnologia ou projeto levam suas propostas até os institutos e as coordenadorias das instituições onde trabalham e cadastram a ideia apresentada.

2 - Uma equipe técnica dos centros de pesquisa fica responsável pela análise da proposta — viabilidade, interesse de mercado e pesquisas relacionadas na área — e oferece apoio na parte burocrática para oficializar o pedido de registro.

3 - A invenção ou pesquisa é inscrita pelas instituições regionais no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

4 - A autarquia federal vinculada ao Ministério de Indústria e Comércio Exterior fica responsável por registrar o pedido e conceder autorização para a patente. Em média, essa etapa dura entre oito e 10 anos, mas a autorização para que os pesquisadores possam negociar a invenção pode sair até um ano e meio depois do pedido.

5 - A negociação com empresas é feita com apoio dos centros de pesquisas das empresas ou das universidades. Podem ser firmados convênios de pesquisa (quando a empresa patrocina a pesquisa antes do resultado), convênios de transferência (a tecnologia é repassada para a empresa, com exclusividade ou não) ou sobre condições de royalties (caso em que os inventores recebem recursos pelo uso, por parte das empresas, de suas invenções).