O globo, n. 30243, 26/05/2016. Economia, p. 17

AINDA NO VERMELHO

Mesmo que pacote seja aprovado, governo prevê déficit de R$ 66 bi no ano que vem
Por: GABRIELA VALENTE, GERALDA DOCA, BÁRBARA NASCIMENTO E RENNAN SETTI

 

GABRIELA VALENTE, GERALDA DOCA,

BÁRBARA NASCIMENTO E RENNAN SETTI

economia@oglobo.com.br

 

-BRASÍLIA E RIO- O pacote de controle de despesas, anunciado anteontem pelo governo, não evitará um novo rombo das contas públicas no ano que vem. O governo trabalha com um déficit superior a R$ 100 bilhões (1,5% do Produto Interno Bruto) se as medidas não forem aprovadas no Congresso, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO. Com isso, seria o quarto ano consecutivo de rombo. O momento político, porém, dificulta o processo. Por causa da interinidade do presidente Michel Temer, nenhum projeto polêmico será colocado em votação pelo governo antes da apreciação final do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Se o pacote tiver aval do Legislativo, o déficit cairia para R$ 66 bilhões no ano que vem, pelo cálculo de especialistas.

— Sobre a meta de 2017, ainda estamos começando a revisão dos números, mas, se não houver aprovação de nenhuma medida, pode ser isso mesmo. Um déficit em torno de 100 bilhões — confidenciou um ministro de Estado.

O próximo passo é ajustar a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano que vem, em tramitação no Congresso. No projeto, o Executivo se compromete a cumprir uma meta de superávit primário (receitas menos despesas) de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 — com base no crescimento da economia de 1%— o que, ao que tudo indica, não será concretizado.

— Vamos ajustar a LDO de 2017, porque estamos trabalhando com números realistas. Não vamos apresentar um resultado milagroso no ano que vem — disse ao GLOBO o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB-RR), que retornou ao Congresso, mas continua trabalhando nos bastidores com a equipe econômica.

 

SUBSÍDIOS, UMA ‘FRUTA AO ALCANCE DA MÃO’

Se as medidas forem aprovadas, o déficit poderia cair para 1% do PIB, nas contas do diretor de Pesquisas do Bradesco, Octavio de Barros. Isso representaria algo perto de R$ 67 bilhões pelos cálculos atuais. Para ele, a aprovação das medidas traz uma melhora marginal das contas públicas no primeiro ano, mas, ao longo dos próximos anos, a economia seria muito importante. Barros calcula que o governo poderia fazer superávits relevantes a partir de 2020, de mais de 1,5% do PIB.

— Acredito que boa parte dos agentes já se deu conta de que o custo de ajuste fiscal é elevado, e que superávits não serão registrados a curto prazo — resumiu o analista.

Perguntado sobre o tamanho do ajuste necessário para estabilizar a dívida pública, ele calcula algo próximo a uma economia de 5% do PIB.

Rafael Bistafa, economista da consultoria Rosenberg, também afirma que as medidas não reevitar duzem o buraco fiscal a curto prazo, além de faltarem detalhes importantes para serem consideradas uma solução de longo prazo. A consultoria previa que, na melhor das hipóteses, o governo conseguiria um déficit primário equivalente a 1% do PIB em 2017, ou rombo de R$ 65 bilhões, considerando o setor público consolidado. Como medidas relevantes de impacto fiscal imediato ainda não foram anunciadas, a Rosenberg está revisando o número para um rombo pior.

— Essa projeção de déficit de 1% embutia uma expectativa nossa de que algumas medidas de impacto no curto prazo fossem tomadas. Mas elas não vieram. Na nossa avaliação, esse governo está muito mais lento do que se previa na proposição de cortes de gastos. Entregamos o benefício da dúvida para esse governo, mas ele tem que entregar resultados — afirmou Bistafa.

Ele citou como “uma das frutas mais ao alcance da mão” da equipe econômica a reversão das desonerações, cujos “custos são gigantes, e os benefícios, duvidosos”. Considerando-se apenas a desoneração da folha de pagamento, o custo fiscal foi de R$ 25,5 bilhões em 2015, segundo o economista. Mesmo com mudanças promovidas pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, esse benefício tributário já custou R$ 5,7 bilhões aos cofres públicos entre janeiro e março deste ano.

O governo deve esperar até o último momento para enviar ao Congresso a meta fiscal de 2017. A decisão de mandar o projeto perto do fim de agosto foi tomada para fazer uma leitura melhor do cenário e do impacto político que terá um novo déficit.

— Sobre a questão de ter quatro anos de déficit, o que importa é termos uma gestão que demonstre que a dívida se estabilizará em um prazo razoável. Temos que ter consciência de que não é possível fazer um ajuste de 2,7% do PIB em meio à recessão — justificou um técnico.

Em relação aos subsídios do crédito para empresários, o governo está comprometido em não criar ou aumentar subvenções. Essa fonte disse que boa parte dos subsídios foi revista.

A proposta da LDO de 2017 foi enviada ao Congresso pela equipe de Dilma Rousseff em abril. Servirá como base para a elaboração do Orçamento do próximo ano, que precisa ser encaminhado ao Legislativo em agosto. A LDO de 2016 também precisou ser alterada para acomodar o déficit de R$ 170,5 bilhões.

Além do pacote fiscal, Jucá disse que o governo trabalha em medidas de estímulo à economia, que deverão incluir concessões e abertura de capital de estatais. A orientação de Temer é aumento de impostos e focar em ações para estimular a retomada dos investimentos privados, diante do engessamento do Orçamento da União.

Bistafa, da Rosenberg, acredita que, em algum momento, o governo terá de colocar na mesa um aumento de impostos ou uma reforma tributária.

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional, disse que, para que o país ficasse no azul em 2017, seria necessário um forte aumento nos impostos: algo como 1 ponto percentual a mais na carga tributária. Para ele, essa não é a opção do governo, que quer uma recuperação gradual das contas públicas para não sacrificar a economia. Como opções para melhorar o cenário fiscal, Kawall cita o pagamento das dívidas do BNDES com o Tesouro, concessões e privatizações.

— Não dá para fazer análise só pensando em superávit ou déficit primário. O que importa é a trajetória da dívida pública — ressaltou Kawall.

Mas Bistafa afirma que, mesmo que o ajuste fiscal seja ampliado para 5% do PIB, ele não será capaz de reduzir o nível de endividamento do governo. A Rosenberg prevê que, mesmo que o governo consiga atingir um superávit de 2,5% do PIB daqui a cinco anos, a dívida bruta será equivalente a algo entre 85% e 90% do PIB, nível considerado perigoso para países com mesmo perfil do Brasil. Em 2015, ela foi de 66,5%, e, para este ano, a expectativa é atingir 74,5% do PIB.

— Para chegarmos, de fato, a reduzir a relação entre a dívida e o PIB, seria necessário fazer um superávit muito grande. Para os próximos anos, mesmo que toda a lição de casa seja feita, a ideia é estabilizá-la para que ela pare de crescer — disse Bistafa.

A curto prazo, um ponto da proposta que também preocupa diz respeito ao limite para o crescimento das despesas. Bistafa argumentou que, se a regra começar a valer em 2017, o governo não conseguirá cumprir a promessa de aumento real zero.

“Supondo que a inflação termine este ano em 7%, as despesas de 2017 crescerão 7% em termos nominais. Entretanto, caso nossa projeção de inflação de 2017 (5,5%) se concretize, ao fim de 2017 não teremos um crescimento real zero da despesa como tem se falado, mas sim um crescimento real ao redor de quase 1,5%”, escreveu ele e outros economistas da Rosenberg em relatório.

— Isso é insuficiente. O crescimento real zero das despesas só se daria em cenário de inflação estável. O problema é que existem despesas obrigatórias que crescem de maneira inercial.

 

Economistas não consideram as medidas suficientes para estabilizar a dívida pública a curto prazo