O Estado de São Paulo, n. 44765, 10/05/2016. Política, p. A7

Anulação é 'ato circense', reage Gilmar Mendes

Isadora Peron

Gustavo Aguiar

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deram ontem novos indícios de que não querem interferir na reta final do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Por isso, a decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de ignorar a medida tomada pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), foi vista com alívio na Corte. Para integrantes e pessoas com trânsito no STF, seria difícil para os ministros chancelarem a anulação da votação dos deputados em plenário, em 17 de abril, por meio de um ato monocrático de Maranhão.

A decisão de Maranhão pegou de surpresa os ministros do Supremo. Parte deles criticou a medida nos bastidores e até em declarações públicas. Para o ministro Gilmar Mendes, “não faz nenhum sentido” um presidente da Câmara revogar a decisão tomada pelo colegiado da Casa.

“É mais uma ‘Operação Tabajara’. Se não fosse um ato circense, seria realmente um ato criminoso, de tentativa de fraude”, afirmou o ministro.

O ministro também criticou a ação do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, que atuou para convencer Maranhão a aceitar o pedido de anulação do processo de afastamento de Dilma na Câmara. “A gente fica com vergonha do nível jurídico, inclusive do advogado-geral da União”, disse.

O ministro Luiz Fux já havia negado na sexta-feira um mandado de segurança apresentado pelo governo que pedia a anulação do processo de impeachment com base em um dos argumentos apontados pelo presidente interino da Câmara. Embora o despacho do ministro tivesse saído antes da decisão de Maranhão, o documento só entrou no andamento do sistema interno do Supremo ontem.

 

Argumento. Na ação, apresentada na semana passada, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) questionava o fato de líderes partidários terem orientado os votos das bancadas na votação na Câmara. Segundo ele, esta conduta é proibida pela Lei do Impeachment, de 1950, e teria “violentado o direito dos parlamentares à liberdade do juízo subjetivo de apreciação”.

Em seu despacho, Fux destacou que não cabia ao Supremo decidir sobre uma questão interna da Câmara. “Resta claro que o ato praticado pelo impetrado, diante da situação fática descrita pelo impetrante, envolveu a interpretação de dispositivos regimental e legal, restringindo-se a matéria ao âmbito de discussão da Câmara dos Deputados”, escreveu o ministro.

Assim que a decisão de Maranhão veio a público, parlamentares da oposição anunciaram que apresentariam mandados de segurança ao STF para anular o ato. Diante da sinalização de Renan de que daria seguimento ao rito de impeachment, eles acabaram avaliando que não seria necessário entrar com ações no STF.

Após participar de um evento em Porto Alegre (RS), Fux criticou o fato de o Judiciário ter de tomar decisões que, na sua avaliação, cabem ao Legislativo. “Eu tenho uma crítica severa à judicialização da política. Entendo que o Parlamento tem que resolver os seus próprios problemas. E ele não o faz, evidentemente, para não assumir nenhuma postura social que desagrade ao eleitorado. Ele então ‘empurra’ esta solução para o Judiciário, que é uma delegação espúria na medida em que nós, juízes, não fomos eleitos.”

A ministra Rosa Weber, por seu lado, decidiu que nem sequer analisaria dois mandados de segurança impetrado por populares que questionavam a decisão de Maranhão. Para ela, os autores dos pedidos não tinham competência para questionar a decisão. “Nós termos a jurisprudência desta Suprema Corte, o mandado de segurança não é via processual adequada para que particulares questionem decisões tomadas no âmbito do processo legislativo.” A ministra afirmou ainda que “a legitimidade ativa para impugnação de atos de natureza puramente legislativa é, nessa medida, concedida apenas aos próprios parlamentares.”

 

Futuro. O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou nesta segunda-feira que, após o julgamento do impeachment da presidente Dilma pelo Senado, o STF deverá decidir se pode ou não reanalisar o caso e entrar juridicamente no debate, que tem natureza política. O ministro se reuniu com os presidentes da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almargo Lemes, e da Corte Interamericana de Direitos, Roberto Caldas, que estiveram no STF para manifestar preocupação da comunidade internacional com o trâmite do processo contra Dilma

Ambos indicaram dúvidas de que a denúncia contra a petista poderá de fato ensejar condenação por crime de responsabilidade e questionaram a imparcialidade dos julgadores. “Ainda não há uma decisão política sobre o mérito do impeachment”, disse Lewandowski. /COLABOROU GABRIELA LARA

 

Delegação

“Entendo que o Parlamento tem que resolver os seus próprios problemas. E ele não o faz para não assumir nenhuma postura social que desagrade ao eleitorado. Ele então ‘empurra’ esta solução para o Judiciário, que é uma delegação espúria na medida em que nós, juízes, não fomos eleitos.”

Luiz Fux

 

MINISTRO DO STF