Valor econômico, v. 17, n. 3999, 06/05/2016. Política, p. A5

Cunha É Afastado Da Câmara Pelo STF

Decisão foi unânime e não implica a anulação dos atos do pemedebista à frente da casa legislativa

Por: Carolina Oms, Letícia Casado e Maíra Magro

 

Carolina Oms, Letícia Casado e Maíra Magro

 

Em uma decisão inédita e unânime, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) suspenderam Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de suas funções como deputado e presidente da Câmara dos Deputados. Os ministros seguiram o voto do relator, Teori Zavascki, responsável pela Operação Lava-Jato no STF, que havia concedido na manhã de ontem liminar afastando o pemedebista do Legislativo.

A decisão do STF não anula as decisões que o pemedebista tomou no comando da Câmara, entre elas as relacionadas ao processo de impeachment de Dilma. Ao referendar a decisão de Teori Zavascki, os ministros já julgaram o mérito da ação. Mas, ainda assim, a defesa de Cunha deve recorrer.

A suspensão será válida enquanto o Supremo entender que existem os “riscos” apontados pelo ProcuradorGeral da República, Rodrigo Janot, em seu pedido de afastamento, feito em dezembro. Na ocasião, Janot argumentou que Cunha usava o cargo para obstruir investigações contra si por corrupção na Operação Lava-Jato e no Conselho de Ética. Cunha mantém o foro privilegiado, que só deixa de existir caso os parlamentares cassem seu mandato.

Em sua decisão, o ministro Teori concordou com os argumentos de Janot e acrescentou que “a tentativa de ocultar possíveis crimes e a interferência nas investigações são, obviamente, potencialmente elevados” se Cunha assumir a Presidência da República — o presidente da Câmara será o primeiro na linha sucessória da presidência, caso Dilma seja afastada no processo de impeachment no Senado na próxima semana, como tudo indica.

Teori, no entanto, destacou a ex- cepcionalidade da medida: “Decidese aqui uma situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual e individualizada”. Para o ministro, embora o afastamento de Presidente da Câmara não esteja previsto na Constituição, diante dos fatos apresentados pela PGR, a decisão é legitimada pelos “avanços civilizatórios endossados pelas mãos da Justiça”.

Os ministros não debateram a ação da Rede Sustentabilidade, que também pedia o afastamento de Cunha e avançava a discussão para toda a linha sucessória da presidente, o que inclui o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O relator da ação, Marco Aurélio, havia pautado o pedido na quarta-feira.

Mas a liminar concedida por Teori na madrugada de ontem acabou centralizando as discussões e Marco Aurélio desistiu de pautar a ação da Rede. Ele considerou que o julgamento desta ação não seria tão urgente porque Renan Calheiros, o se- guinte na linha sucessória, ainda não é réu, embora tenha dez inquéritos no Supremo.

Ao acompanhar o relator, o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, reafirmou a legalidade da medida e afirmou que esta foi "extremamente comedida” porque o ministro poderia ter decidido pela “prisão preventiva ou de outras alternativas que tinha à disposição".

Lewandowski também afirmou que o Supremo está atuando dentro de sua competência jurisdicional e já atuou de maneira semelhante em assembleias legislativas ou municípios.

Ao votar, a maioria dos ministros destacou a excepcionalidade da medida e garantiu que esta não significa uma interferência indevida do Poder Judiciário no Legislativo. “Não há aqui nenhuma abordagem que se possa aludir a uma invasão de um Poder sobre o outro”, disse Fux ao proferir seu voto.

Para Marco Aurélio, a necessidade de debater sobre o afastamento de umpresidente da Câmara é “extraordinária”, “excepcionada” e “pontual”.

Cármen Lúcia classificou a situação como "excepcionalíssima". “O Supremo Tribunal Federal nesta decisão não apenas defende e guarda a Constituição, como é da sua obrigação, como defende e guarda a própria Câmara dos Deputados para resguardar todos os princípios e regras que têm de ser aplicadas. Uma vez que a imunidade do cargo não pode ser confundida com impunidade”, disse a ministra.

Já Celso de Mello disse que a Lava-Jato revelou a “aliança espúria” existente entre o público e o privado: “Os fatos emergentes da determinada ação Lava-Jato, que alegadamente envolvem participação do presidente da Câmara dos Deputados, sugerem que existem no âmago do aparelho de Estado uma aliança espúria de agentes públicos de um lado e de agentes privados de outro”.

Cunha foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República em agosto de 2015 e a ação foi recebida em março pelo Supremo — ele então virou réu. A PGR acusa Cunha de ter recebido entre 2006 e 2010 US$ 5 milhões em propina desviada de contratos para a aquisição dois navios-sonda pela Petrobras para operar no Golfo do México e na África. Ele também teria orquestrado esquema para pressionar empresários a pagar propina via requerimentos para prestar esclarecimentos em audiências na Câmara dos Deputados.

Principal fiador do pedido de impeachment da presidente Dilma, Cunha sai do comando da Câmara às vésperas da votação do Senado que vai decidir sobre o afastamento da petista.

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

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Deputado Nega Renúncia E Se Diz Vítima De Retaliação

Por: Rafael Bitencourt e Murillo Camarotto

(Colaboraram Thiago Resende e Raphael Di Cunto)

 

O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastá-lo da presidência da Câmara e suspender seu mandato parlamentar é fruto de retaliação. Cunha disse respeitar a decisão da Justiça, mas afirmou que recorrerá dela e rechaçou a possibilidade de renunciar ao mandato e ao cargo.

Cunha criticou o fato de a Corte ter demorado seis meses para julgar a medida cautelar que demandava essas decisões. Disse que causa “estranhamento” o fato de o STF ter recebido o pedido da Procuradoria-Geral da República em dezembro e decidir somente na noite que antecedeu o julgamento de uma ação que questiona o fato de ele ser réu e estar na linha sucessória da Presidência da República.

“É claro que estou sofrendo retaliações”, declarou, em entrevista após a conclusão do julgamento. “Não há nenhuma possibilidade de eu renunciar nem ao mandato nem à presidência. Vou recorrer e espero ter sucesso no recurso.”

Alvo da Operação Lava-Jato, Cunha negou que tenha interferido no processo de cassação de mandato que enfrenta no Conselho de Ética da Câmara. Argumentou que a troca de relator foi inclusive amparada por decisão do próprio STF.

Ele também afirmou que o STF não deu amplo direito ao contraditório, e disse duvidar que os ministros tenham lido cada item do relatório de Teori Zavascki e analisado o mérito da questão. “Cabe a pergunta de por que não julgou a cautelar antes. Uma liminar seis meses depois não é urgente.”

Cunha negou que tenha liderado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Não diria que liderei o impeachment, mas cumpri minha função com correção”, disse ele, que à época estava em pleno exercício da presidência da Câmara. “Esse argumento é de quem queria que eu colocasse o processo na gaveta.”

Perguntado se estaria constrangido com seu afastamento, o deputado afirmou que quem deve estar constrangida é Dilma, que na quarta-feira pode ser afastada do cargo por decisão do Senado em meio ao processo de impeachment. “Teremos em breve o julgamento do afastamento da presidente para que possamos nos livrar do governo do PT”, disse. “Quarta-feira vamos dizer ‘antes tarde do que nunca’ porque vamos nos livrar do PT”, acrescentou, referindo-se à declaração da própria Dilma sobre a decisão do STF.

Cunha ainda tem aliados, mas está visivelmente mais fraco. Recebeu deputados ontem na residência oficial da presidência da Câmara, mas em peso menor do que em dezembro, quando foi alvo de uma operação da Polícia Federal, com mandados de busca e apreensão.

Sem citar apoio a Cunha, líderes e presidentes de partidos — PR, PSC, PTB, PMDB, PSD, SD e PTN — expressaram preocupação, em uma nota conjunta, com a possibilidade de uma decisão liminar do STF poder afastar um deputado federal. Segundo um aliado, a preocupação é maior com a intervenção na Câmara que com a situação de Cunha. Há dezenas de deputados com processo na Cor- te. “Recebemos com elevada preocupação a notícia [...] independentemente de quem seja o destinatário de tal decisão”, afirmam as lideranças, na nota.

Ao longo do dia, se dizendo chocado com a liminar de Teori Zavascki, Cunha falava muito pouco e ouvia mais os advogados sobre suas possibilidades. Já informava, a quem o visitava, que recorreria. Mas os aliados procuraram não fazer muitas perguntas sobre o futuro do pemedebista.

Nos bastidores, comentava-se que Cunha se mostrava abatido desde a noite de quarta, quando o STF marcou o julgamento extraordinariamente.

Órgãos relacionados:

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Golpe E Contra Golpe Na Decisão De Teori

(MM e RC)

 

O surgimento de novos fatos em inquéritos contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é um dos motivos que levaram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no STF, decidir tirar o deputado carioca do mandato parlamentar e da presidência da Câmara dos Deputados.

Na Câmara, a explicação era outra: Zavascki comandara um contra-golpe a um golpe armado por ministros do Supremo para anular a votação que autorizou a abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Na véspera, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, decidiu colocar em pauta uma ação do Rede Sustentabilidade, partido da ex-senadora Marina Silva, questionando a possibilidade de Eduardo Cunha assumir a Presidência da República, sendo réu em processos.

Apesar de o Rede afirmar em nota que essa não era sua intenção, o julgamento poderia levar à anulação dos atos praticados por Cunha na presidência da Câmara desde que foi denunciado pelo Ministério Público Federal, segundo os deputados. Entre eles, o acatamento do pedido de impeachment. “Era um golpe”, diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).

O pedido do Rede acabou prejudicado pelo afastamento de Cunha, no julgamento em que Zavascki era o relator. Causou estranheza, porém, o fato de o ministro Luiz Roberto Barroso, mesmo com tudo decidido, ter pedi- do para os advogados do Rede falarem no tribunal. Um deles sócio do antigo escritório de advocacia do hoje ministro.

A decisão de conceder a liminar do afastamento duplo de Cunha foi tomada depois que o ministro conversou longamente com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski. O ministro também conversou informalmente com vários ministros e avaliou que contava com cenário favorável para o julgamento.

No dia 3 de março, quando o STF aceitou uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e transformou Cunha na condição de réu, o deputado era alvo de duas frentes de investigação na Lava-Jato: uma pela acusação de receber propina na contratação de navios-sonda da Petrobras, que gerou a denúncia, e outra relacionada às contas na Suíça. Na ocasião, Teori preferiu não pautar o pedido da PGR para afastar Cunha do cargo, com a opinião de que o pedido ainda não estava “maduro para julgamento”.

Desde então, Cunha foi mais uma vez denunciado formalmente pela PGR no inquérito das contas da Suíça. Com a mudança, passou da condição de investigado para acusado. Além disso, a PGR pediu a abertura ou sua inclusão em mais seis inquéritos, três dos quais já foram autorizados pelo STF.

Teori disse a interlocutores que essas frentes de investigação trouxeram novas provas que o levaram a concluir pelo afastamento.

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados