Valor econômico, v. 3956, n. 16, 04/03/2016. Brasil, p. A3

PIB per capita encolhe quase 5,5% em dois anos

Por: Flavia Lima

Por Flavia Lima | De São Paulo

 

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita, uma medida do padrão de vida do brasileiro, vai registrar quatro anos consecutivos de queda entre 2014 e 2017, com uma contração perto de dois dígitos no período. Após cair 0,8% em 2014 e apresentar outra contração de 4,6% no ano passado, o per capita acumula recuo de quase 5,5% e deve registrar pelo menos mais duas quedas: em 2016 e, com menos intensidade, em 2017, voltando a crescer de modo tímido apenas em 2018. No fim do ano passado, economistas falavam em queda menor para o per capita de 2015, de cerca de 3,5%.

Mário Mesquita, sócio do Brasil Plural, diz que a retração do per capita é um dado relevante, pois mostra um empobrecimento médio da população. Em anos passados, diz ele, a trajetória do per capita teria sido ainda maisdramática porque o país contava com um crescimento populacional maior. "Uma contração do PIB de 4% teria um efeito mais pronunciado no PIB per capita, mas não deixa de ser um número ruim", diz o ex-diretor de PolíticaEconômica do Banco Central. "Quando a economia piora desse jeito, tem todos aspectos que começam a se manifestar. E o da renda per capita é um deles".

Estrategista da Azimut Brasil Wealth Management, Paulo Gomes parte de uma queda do PIB de 3,5% neste ano que, em meio a um crescimento populacional de 0,8%, levará o per capita a cair 4,2% em 2016 (renda per capita de R$ 27.662). Em 2017, mesmo em meio a uma alta de 0,5% para o PIB, o avanço de 0,77% dapopulação deve fazer com que o per capita encerre mais um período em queda, dessa vez menor, de 0,26%, para uma renda de R$ 27.589.

Para Gomes, é possível que o movimento mude de direção em 2018, ainda que a retomada econômica esperada seja tímida. Segundo ele, um crescimento de 1% do PIB em 2018, resultaria em uma alta per capita de0,24%, porém insuficiente para compensar a queda de 2017. "Isso quer dizer que ainda que o PIB de 2018 dobre em relação ao ano anterior, ainda assim não vai ser suficiente para apagar a memória de 2017", diz Gomes. "O PIB teria que crescer mais de 1% em 2018 para compensar a perda per capita esperada só para 2017".

Alberto Ramos, diretor de pesquisas para América Latina do Goldman Sachs, estima que apenas entre 2014 e 2016, a queda real do per capita deve ficar entre 9,5% and 10%, superando facilmente o declínio real de 7,6% acumulado durante a chamada década perdida, período que inclui os 12 anos entre 1981 e 1992, diz ele. "Não tenho ideia quando o per capita vai subir de novo. Pode ser em 2017, mas há muita incerteza", diz Ramos, para quem a queda do PIB per capita é uma métrica razoável da deterioração do nível de bem-estar.

Thiago Curado, sócio da 4E Consultoria, afirma que a queda do per capita é relevante porque mostra também que o país está perdendo o seu bônus populacional. "Estamos tendo uma contração forte da atividade, tendo muito mais mão de obra disponível. Isso mostra como não estamos conseguindo aproveitar a janela demográfica. A queda do PIB per capita mostra como o 1,1% [que a 4E espera de crescimento do PIB para 2017] é medíocre, e virá basicamente pelo aumento do estoque de trabalhadores", diz Curado.

O PIB per capita é uma medida mais próxima dos ganhos de bem-estar da sociedade, já que é usado no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), junto com a escolaridade e a expectativa de vida. Como o per capita considera a demografia, se o PIB sobe 4% e a população cresce mais do que isso, na verdade os habitantes ficaram mais pobres em relação à situação anterior, independentemente de o país ter crescido. A situação é ainda pior agora, com o PIB em terreno negativo e a população que deve continuar crescendo em média 0,8% ano. Segundo especialistas, até 2012, a aceleração do per capita ocorria também em dólares, o que deixou uma sensação de riqueza que trouxe consigo um estímulo ao consumo. Diante da fortedesvalorização do real, o brasileiro está ainda mais pobre em dólares. (Colaboraram Estevão Taiar e Tainara Machado)