O Estado de São Paulo, n. 44701, 07/03/2016. Especial, p. H7

Fim de incentivo ameaça pesquisa

Mariana Lima

Nos últimos anos, o Brasil atraiu vários centros de pesquisas de multinacionais. Foram muitas as razões para isso.

O bom momento econômico vivido pelo País foi uma delas.

Outra, foi o pré-sal,como desafio de se desenvolver tecnologia para apoiar as atividades da Petrobrás. Por fim, havia um pacote de incentivos à inovação,eumdos principais foi a conhecida Lei do Bem.

Mas o panorama mudou radicalmente.

O que era crescimento se transformou em situação econômica difícil. A Petrobrás foi particularmente atingida, por fatores como os problemas descobertos pela Operação Lava Jato e a queda do preço do petróleo no mercado internacional.

Para completar,no pacote de medidas de ajuste fiscal do ano passado, o governo editou uma medida provisória (MP 694) cancelando os benefícios tributários da Lei do Bem. Criada em 2005, ela garantia um bom custo-benefício no investimento em centros de pesquisas no Brasil.

Uma das empresas atraídas pelos benefícios tributários da Lei do Bem foi a americana EMC,especializada em armazenamento de dados. A empresa abriu no Rio de Janeiro seu Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em 2014, depois de ter dedicado três anos a análises e discussões sobre as vantagens de investir num projeto desse porte no Brasil. Na época,as condições eram vantajosas.

Havia excelentes profissionais de tecnologia disponíveis no País e uma lei que garantia benefícios fiscais para empresas dispostas a criar centros para esses pesquisadores.

Por ora, não há registro de centros de pesquisa fechados, mas a demissão de pesquisadores já começou. A Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) acredita que um impacto maior é uma questão de tempo. “Os centros estão se adequando à nova realidade e sabemos que muitos pesquisadores deixaram seus projetos na gaveta e aguardavam a suspensão da MP no Congresso.

Deve haver, em pouco tempo, uma diminuição significativa na quantidade de pesquisas brasileiras”, afirma Naldo Dantas, assessor de relações institucionais da Anpei.

 

Espera. Inovação leva tempo.Por causa disso, segundo Dantas, da Anpei, as empresas relutam em interromper projetos ou, numa situação incerta, começar novos. Para a GE, a decisão, até o momento, é manter inalterados os investimentos em seu centro até 2020,para garantir o término dos trabalhoso em andamento. “Ainda que o momento seja de instabilidade econômica, diversos setores da indústria brasileira precisam de inovação tecnológica para continuar crescendo, como energia, aviação, saúde e petróleo e gás. E apesar do momento exigir cautela, a GE entende que a inovação deveria ser prioridade na agenda nacional”, diz Ken Herd, líder do Centro de Pesquisas da GE no Brasil.

A alternativa para manter abertas as portas desses centros têm sido parcerias com instituições internacionais e outros incentivos públicos, segundo informa a diretora do centro de pesquisa da EMC no Rio de Janeiro, Karin Breitman. “Vamos buscar outras fontes de financiamento para a pesquisa.

Em 2017, por exemplo, contamos com investimento da Comunidade Europeia, mas ainda existem fontes abertas na Finep, CNPq, Capes e Faperj, além de financiamento corporativo”, explica Karin.

“O recado que o governo nos passa é que inovação está nos egundo plano, porque, na hora de cortar, se corta o que é menos prioritário. As empresas de pequeno porte dependem muito desse tipo de benefício para manter o processo de inovação”, desabafa Fred Arruda, diretor de operações de negócios n Aemc Brasil.

 

Karin afirma que o fim dos incentivos causa uma mudança de percepção internacional. “A suspensão indica que a inovação não tem relevância para o País e ninguém quer investir onde não é prioridade.”

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Empresas do Brasil que fazem pesquisa são as que exportam’ José Goldemberg, presidente da Fapesp

 

Luiz Guilherme Gerbelli

O presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), José Goldemberg, acredita que o Brasil perdeu uma janela de oportunidade ao não aproveitar o boom das commodities para investir no pré-sal e melhorar a infraestrutura. Sem incentivo, ele diz que apenas as empresas que exportam atualmente investem em pesquisa. “As empresas do Brasil que efetivamente fazem pesquisa são as que exportam. Se elas querem exportar, precisam produzir um produto competitivo”, afirma Goldemberg. Na avaliação dele, com o real valorizado dos últimos anos, não havia interesse do setor industrial em buscar inovação nas universidades. Agora, com a mudança do patamar do câmbio, é provável que esse quadro mude. “Muitas pessoas diziam que a culpa era da universidade que estava isolada. Mas não é a culpa da universidade que se isola. Por que o industrial vai procurar a universidade se os chineses estão inundando o mercado com produtos baratos?”, questiona. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

 

Como o sr. analisa a questão da inovação na infraestrutura?

Nos últimos 15 anos, quando houve um período relativamente próspero no Brasil por causa dos ciclos das commodities, os recursos foram utilizados muito mais para a atividade de caráter social do que para a infraestrutura. Houve uma decisão consciente de usar o boom de commodities para melhoria de natureza social, aumento de salários acima dos índices de inflação e coisas desse tipo. Foi diferente do que outros países fizeram. Há países que utilizaram o ciclo de commodities para melhorar a infraestrutura.

 

Quais as consequências dessa decisão para o Brasil?

Nós estamos vendo o resultado atualmente. A malha rodoviária do Brasil é importantíssima, porque o País abandonou há meio século a malha ferroviária, mas está extremamente carente. Veja as estradas federais em que estado se encontram. Hoje, as únicas estradas razoáveis são as estaduais. Claramente, o Brasil, nos últimos 15 anos, não deu ênfase para a infraestrutura. A única área diferente é a do pré-sal. Aí, efetivamente, o governo fez um enorme esforço para tornar o Brasil um grande produtor de petróleo e eventualmente exportador

 

Como fica agora com a queda do preço do petróleo?

O que está evidente é que o investimento do pré-sal acabou se revelando uma péssima ideia. Foi perdida uma janela de oportunidade. Com as commodities, existem janelas de oportunidades, mas a maneira pela qual o governo brasileiro resolveu explorar o pré-sal amarrou de tal forma a Petrobrás que ela acabou se revelando incapaz de dar resultados. Colocar a Petrobrás como condutora de todo o projeto levou a empresa a um endividamento brutal. E a cláusula de conteúdo mínimo nacional acabou sendo extremamente controvertida.

 

O que faria mais sentido?

O que faria mais sentido era efetivamente um programa para atrair as empresas estrangeiras com o objetivo de dividir os custos e os riscos. No fim, os custos ficaram todos com o Brasil, e os riscos também. Com o preço do petróleo caindo por razões que estão fora do nosso controle, isso me faz crer que perdemos a janela de oportunidade.

 

E a energia eólica?

A energia eólica pegou porque a Região Norte é muito favorável para a produção de eletricidade com eólica. Então, eu acho bom e está andando. O governo se atrapalhou um pouco nos últimos anos na maneira pela qual eram feitos os leilões, mas agora, mais recentemente, conseguiu liberalizar um pouco as condições dos leilões. A energia eólica está indo bem.

 

Como se corre agora atrás dessa lacuna na infraestrutura?

É difícil generalizar, mas em algumas áreas o governo resolveu isso. Por exemplo, a privatização dos aeroportos começou a funcionar. Por que essas coisas ocorrem? Porque o governo não fica fixando taxa de retorno. Por que as licitações que o governo fez para construção de estradas não dão certo? Porque o governo se coloca na posição de fixar taxa de retorno. Nas poucas atividades que o governo fez na área de infraestrutura, ele adotou medidas tão canhestras que acabou afastando os investidores. De vez em quando ele acerta, e os resultados aparecem.

 

No caso dos aeroportos, por que houve sucesso?

Esses terminais de aeroportos (privatizados) explodiram no bom sentido porque a Infraero deixou de ser responsável por eles. É sempre um consórcio e, inclusive, a Infraero só tem 49%. A iniciativa privada tem condição de tocar isso rapidamente. Isso não significa que devemos privatizar tudo. A Rodovia dos Bandeirantes foi construída pelo governo. Tem áreas que, se o governo não investir, os investidores privados não investem também. Eles realmente investem quando veem uma oportunidade de lucro.

 

Com relação à inovação, falta incentivo para que o País desenvolva pesquisas?

As empresas do Brasil que efetivamente fazem pesquisa são as que exportam. Se elas querem exportar, precisam produzir um produto competitivo. As empresas que exportam têm uma área de pesquisa considerável. Veja o setor de papel e celulose. É uma indústria moderna no Brasil.

 

Por quê?

As condições naturais do Brasil para produzir papel e celulose são muito boas. Tem sol, água e terra. Um eucalipto cresce bem no Brasil em cinco anos. As árvores usadas na Suécia – outro grande produtor – levam 20 a 30 anos para crescer. Então, não há a menor dúvida de que, no caso da indústria, as únicas que se preocupam com pesquisa e inovação são as que exportam e têm de competir. Isso ocorre apesar do enorme esforço que tem sido feito pela Fapesp de apoiar as startups. Nós já apoiamos mais de 1 mil no Brasil.

 

Uma parte delas voltada para a melhoria do processo?

Exatamente. É claro que nem todas dão certo, porque as startups no mundo todo têm um taxa de sucesso variável. E uma boa parte não atinge as áreas tradicionais da indústria e é por isso que o setor industrial está encolhendo.

 

E por que não atinge?

Com o dólar barato que nós tivemos por um longo período, os produtos estrangeiros entravam com baixo custo e era muito difícil para as empresas nacionais competirem. Muitas pessoas diziam que a culpa era da universidade que estava isolada. Mas não é culpa da universidade. Por que o industrial vai procurar a universidade se os chineses estão inundando o mercado com produtos baratos?

 

Com o novo patamar do câmbio, o sr. acredita que isso pode mudar?

 

Eu acho que pode mudar. O fato de o dólar ter atingido um nível mais realista vai ajudar. Agora, a importação começou a ficar mais complicada. As empresas vão ter de produzir aqui, mas não pode ser de baixa qualidade porque senão as companhias continuam comprando de fora. l É possível se espelhar em algum país que conseguiu dar um salto na infraestrutura? Um exemplo óbvio é a China. A Índia está crescendo 7% ao ano, mas esteve parada como o Brasil por duas década, com um crescimento entre 2% e 3% ao ano. Agora, com um governo mais dinâmico, o país está com 7% de crescimento.