Correio braziliense, n. 19295, 24/03/2016. Brasil, p. 8

A polêmica aprovação da pílula do câncer

SAÚDE - Entidades médicas brasileiras criticam o projeto aprovado no Senado que libera a fabricação e o uso do produto. Segurança e eficácia da substância são questionadas
Por: INGRID BORGES

INGRID BORGES

ESPECIAL PARA O CORREIO

 

A aprovação no Senado do Projeto de Lei 4.639, que permite a distribuição, fabricação e uso da fosfoetanolamina sintética, mais conhecida como pílula do câncer, causou polêmica. Apontado como a cura para diferentes tumores malignos, o produto promete levar esperança para pacientes diagnosticados com a doença. No entanto, em razão dos efeitos desconhecidos e da eficácia não comprovada da substância, entidades médicas brasileiras classificaram a medida dos parlamentares, aprovada na terça-feira, como precoce e irresponsável. Agora o projeto seguirá para a sanção presidencial.

Segundo o diretor da Associação Médica Brasileira, José Luiz Bonamigo Filho, a medida do Congresso Nacional é “uma aberração” do ponto de vista científico. “A aprovação é uma temeridade, é quase novelesco. Não tenho conhecimento de nenhuma publicação que respalde o uso da substância”, afirmou. Para o doutor Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, não se pode levar em consideração o que é dito por pacientes. “As pessoas dizem que melhoraram com várias coisas, inclusive eventos religiosos. Isso não é ciência”.

Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) declarou ser “claramente desfavorável” à sanção do projeto. “A Anvisa vê com preocupação a aprovação, na Câmara Federal, do PL 4.639, que também foi aprovado pelo Senado”. De acordo com o órgão, não existe solicitação de registro da cápsula. “O que há, de fato, é que uma substância que é utilizada há tantos anos nunca foi testada de acordo com as metodologias científicas internacionalmente utilizadas para comprovar sua segurança e eficácia”.

Na semana passada, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) divulgou os primeiros resultados de pesquisas independentes realizadas com a fosfoetanolamina.  Os experimentos revelaram que a substância não apresenta nenhuma atividade citotóxica nem antiproliferativa, ou seja, é incapaz de destruir células infectadas por vírus, bactérias ou outros parasitas. O laudo técnico detectou que ela não tem baixo grau de pureza ou nenhum efeito sobre células tumorais. Segundo o Ministério da Saúde, a previsão é que, até o segundo semestre deste ano, já se tenha os primeiros resultados dos estudos pré-clínicos. O porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS, Gregory Hartl, indicou que, diante da falta de informações, “não existe qualquer tipo de recomendação por parte da OMS para que o remédio seja utilizado”.