O globo, n. 30.187, 31/ 03/2016. Economia, p. 17

Estados impedem rombo maior

Mesmo com resultado positivo dos governos regionais, déficit público chegou a R$ 23 bi

Por: GERALDA DOCA

 

BRASÍLIA- Depois de começar o ano no azul, as contas do setor público consolidado — que reúne União, estados, municípios e estatais — voltaram a ficar no vermelho em fevereiro e registraram o maior déficit para o mês dos últimos 15 anos, R$ 23,040 bilhões, segundo relatório divulgado ontem pelo Banco Central ( BC). O resultado primário ( diferença entre receitas e despesas, exceto gastos com juros) só não foi pior porque estados e municípios ajudaram com um superávit de R$ 2,731 bilhões e as estatais, com mais R$ 662 milhões. Nos próximos meses, porém, a contribuição desses dois grupos para o esforço fiscal tende a minguar, diante dos impactos negativos da crise da economia em suas contas, segundo avaliação do próprio BC.

— Dado o quadro da atividade econômica, será um ano mais difícil para eles [ estados e municípios] também — destacou o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel.

 

ESTADO DO RIO TEM O MAIOR DÉFICIT: R$ 4 BILHÕES

Em janeiro, com o pagamento de alguns impostos, como IPVA e IPTU, estados e municípios registraram superávit de R$ 7,976 bilhões. No entanto, esse montante caiu 65,7% em fevereiro. O Estado do Rio apresentou o maior déficit entre os entes da federação no mês passado, com rombo de R$ 4,082 bilhões.

“Os governos regionais também registraram superávit pior que o do ano passado ( R$ 2,7 bilhões ante R$ 5,7 bilhões de superávit em 2015), tendência que deve piorar ainda mais ao longo do ano, uma vez que a situação fiscal dos estados e municípios também é bastante delicada e Barbosa [ Nelson Barbosa, ministro da Fazenda] abriu espaço para um aumento de gasto dos Governos Regionais ao alongar a dívida dos Estados, com algumas condicionantes”, destacou a Rosenberg Associados, em nota divulgada ontem.

Pesou no resultado do setor público consolidado o rombo do governo central ( Tesouro Nacional, Previdência Social e BC) de R$ 26,433 bilhões em fevereiro. Pela primeira vez na História, segundo o BC, o governo central gerou déficit no primeiro bimestre do ano, que foi de R$ 5,534 bilhões — reflexo do crescimento contínuo dos gastos públicos e da queda nas receitas com a recessão da economia.

— Fica evidente o descompasso entre a evolução de receitas e despesas nesse período. As receitas recuaram algo entre 12 % e 13%, refletindo em grande parte o ciclo de atividade econômica. Apesar do esforço de contenção, as despesas obrigatórias seguem crescendo e isso repercutiu nos resultados apresentados — disse Maciel.

O professor da FGV/ Ebape Fernando Rezende, especialista em contas públicas, disse que o resultado já era esperado, diante da queda “vertiginosa” das receitas, enquanto o padrão dos gastos públicos se mantém. Segundo ele, o dado mostra uma deterioração nas contas públicas, visão compartilhada por outros economistas.

Para a professora Margarida Gutierrez da Coppead/ UFRJ, a questão fiscal é hoje o maior problema do país e aponta para a insustentabilidade dos gastos. A maior consequência, destacou, é o impacto na dívida pública, que já encosta em 70% do Produto Interno Bruto ( PIB) , o que aumenta a aversão dos investidores ao riscopaís, com sérias consequências para o Brasil.

— Essa questão fiscal, nessa trajetória que a gente está vendo, sem qualquer perspectiva de melhora, acaba afetando os indicadores de confiança. O risco- país cresce, a taxa de câmbio cresce, a inflação cresce, os juros nos mercados futuros sobem e, com isso, você trava a economia — disse a professora. — Tudo fica mais caro. Aumenta o medo de o governo não conseguir rolar sua divida pública e coloca- se o risco de o governo não conseguir honrar sua dívida com os credores. Funciona como um orçamento doméstico. Se você gasta mais do que ganha, chega uma hora em que o banco não dá mais crédito e você entra em moratória.

 

DÍVIDA BRUTA CHEGA A 67,6% DO PIB

De acordo com o relatório do BC, a dívida líquida do setor público alcançou R$ 36,8% do PIB em fevereiro, alta de 1 ponto percentual em relação ao mês anterior, puxada pela alta do dólar. A dívida bruta ( governo federal, Previdência, estados, municípios) chegou a 67,6% do PIB. A proporção entre a dívida e o PIB é um indicador importante de solvência do país.

Para março, a previsão do BC é que a dívida líquida atinja 38,6% do PIB, devido principalmente à valorização cambial, que impacta os ativos do setor público em moeda estrangeira ( reservas internacionais) que passam a valer menos. E a dívida bruta foi recalculada para 67,9% do PIB.

Em 12 meses, as contas do setor público consolidado acumulam déficit de R$ 125,139 bilhões — 2,11% do PIB. O valor economizado no primeiro bimestre de 2016 corresponde a 0,5% do PIB. A meta oficial é obter superávit de R$ 30,5 bilhões ou 0,5% do PIB, neste ano. O governo, não entanto, quer autorização do Congresso para abater do resultado a frustração de receitas. Com isso, só as contas do governo central poderão fechar 2016 com déficit de R$ 96,6 bilhões.

Mas, diante da piora nas contas públicas, os economistas já arriscam que o setor público consolidado fechará o ano com rombo acima de R$ 110 bilhões. Em 2015, o déficit foi de R$ 111,2 bilhões, mas o resultado foi influenciado pelo pagamento das chamadas pedaladas fiscais de R$ 55,8 bilhões.

Em relatório, a consultoria Tendências destacou que o descompasso entre o resultado primário e as despesas com juros da dívida tem impacto direto no resultado nominal e, consequentemente, no nível de endividamento. O resultado nominal atingiu R$ 52,8 bilhões em fevereiro, R$ 81,1 bilhões no ano e R$ 638,6 bilhões em 12 meses( 10,75% do PIB).

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