O globo, n. 30.178, 22/03/2016. País, p. 6

Fachin nega habeas corpus a favor de Lula; Rosa Weber decidirá outro

Advogado- geral da União entra com outras ações em defesa do ex- presidente

Por: CAROLINA BRÍGIDO

 

- BRASÍLIA- O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal ( STF), negou ontem um dos habeas corpus que pedem para derrubar a decisão do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a posse do ex- presidente Lula para a Casa Civil e enviou as investigações contra Lula para o juiz Sérgio Moro. De acordo com Fachin, a regra do STF não permite que um ministro derrube a decisão de outro por meio de habeas corpus. A ação tinha sido apresentada pelo advogado Samuel da Silva, que não representa Lula. Silva queria ainda que fosse expedido alvará de soltura em favor do petista, caso ele fosse preso.

Fachin também se declarou suspeito para julgar outro habeas corpus, esse de autoria de advogados de Lula. O ministro citou trecho do Código de Processo Civil segundo o qual o juiz é suspeito para julgar se for “amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados”. E disse ter relação com “um dos ilustres patronos subscritores da medida”, sem citar nomes.

Por sorteio, a relatoria coube à ministra Rosa Weber, citada por Lula num dos grampos divulgados semana passada. Ao ministro Jaques Wagner, Lula diz: “Eu queria que você visse agora, falar com ela ( Dilma) já que ela está aí, falar com ela o negócio da Rosa Weber. Está na mão dela para decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram”. Lula se referia à ação pedindo suspensão da investigação da Lava- Jato contra ele. No início do mês, Rosa negou a liminar.

 

“RISCO À SOBERANIA NACIONAL”

Ontem à noite, o advogado- geral da União ( AGU), José Eduardo Cardozo, entrou com duas novas ações no STF em defesa de Lula. Em um mandado de segurança, ele também pede para anular a decisão de Gilmar Mendes. Para Cardozo, Gilmar deve ser declarado suspeito para ser relator do caso, pois teria se declarado publicamente contrário à posse de Lula antes mesmo de ela ocorrer. E porque a advogada do PPS, que assina o pedido julgado por Gilmar, é professora do Instituto de Direito Público ( IDP), do qual o ministro é sócio. Luiz Fux julgará esse pedido.

Em outra ação, a AGU pede ao STF para que seja anulada a decisão do juiz Sérgio Moro de divulgar os áudios de conversas de Lula com várias pessoas, inclusive Dilma Rousseff. Segundo Cardozo, Moro pôs em risco a soberania nacional ao divulgar diálogos que não teriam relação direta com a investigação: “Tomar a decisão de divulgar o conteúdo de conversas envolvendo a presidenta da República coloca em risco a soberania nacional, em ofensa ao Estado democrático republicano. A interceptação é medida extrema que ofende direitos e garantias constitucionais, como a privacidade”.

Para a AGU, ao encontrar pessoas com foro especial nos áudios, Moro deveria ter encaminhado o material para o STF. Caberá ao ministro Teori Zavascki julgar esse pedido.

A decisão definitiva sobre a validade da nomeação de Lula para a Casa Civil deve ficar para abril. Durante essa semana, o STF está em recesso — portanto, não haverá sessões plenárias. Além disso, Gilmar Mendes viaja para o exterior e só volta no dia 2. O ministro precisará ser ouvido antes de qualquer decisão dos demais ministros em ações que o consideram suspeito.

Hoje, são 21 ações no Supremo tratando do destino de Lula. Em uma delas, Teori poderá decidir se o foro para investigar Lula é o STF ou a primeira instância. Essa é a maior preocupação da defesa do ex- presidente. O pedido da defesa de Lula não questiona a suspensão da posse na Casa Civil. Os advogados querem que o STF impeça Moro de investigar Lula e de divulgar novas gravações.

Gilmar suspendeu a validade da posse de Lula com o argumento de que Dilma só o nomeou para garantir o foro privilegiado e assim tirar as investigações das mãos de Moro. Ocupando o cargo de ministro, Lula só poderia ser investigado pelo STF. No pedido de habeas corpus, a defesa de Lula afirma que o ministro extrapolou, pois decidiu também transferir as investigações para Moro.

Para Cardozo, a decisão é “flagrantemente ilegal” e está gerando “dano irreparável à União e à República Federativa do Brasil”. Segundo o advogadogeral, a nomeação de ministro de Estado é atribuição exclusiva do presidente. E a falta de um ministro em cargo estratégico estaria impedindo Dilma de “exercer, com o auxílio dos ministros de Estado, a direção superior da administração federal”.

Para alegar a suspeição, Cardozo citou que, no último dia 16, no plenário do STF, Gilmar teria antecipado seu juízo de valor sobre a escolha de Lula ao cargo: “Estamos diante de um dos quadros mais caricatos que a nacionalidade já tenha enfrentado. Como o último lance, busca- se o ex- presidente em sua casa em São Bernardo do Campo. É quase com uma acusação que essa casa será complacente com os contrafeitos”, declarou Gilmar na ocasião.

 

SAIBA MAIS

 

As ações sobre Lula no Supremo

 

AS AÇÕES: Existem hoje, no STF, 21 ações sobre o caso Lula. Algumas questionam a nomeação do ex- presidente para a Casa Civil, outras contestam a decisão de Gilmar Mendes que suspendeu a nomeação e determinou que as investigações fossem encaminhadas ao juiz Sérgio Moro

 

MANDADO DE SEGURANÇA: A decisão de Gilmar Mendes foi tomada em um mandado de segurança. Por lei, esse tipo de processo serve para “proteger direito líquido e certo sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê- la por parte de autoridade”

 

REVISÃO: Após conceder a liminar, Gilmar precisa instruir o processo, o que significa ouvir todas as partes envolvidas ( Lula, a Presidência e o juiz Sérgio Moro). Depois, ele levará o mandado de segurança para ser julgado em plenário. Não há previsão de quando ocorrerá esse julgamento — certamente depois de 2 de abril; até lá, Gilmar estará em viagem ao exterior

 

ADPF: O ministro Teori Zavascki é relator de duas ações chamadas de arguição de descumprimento de preceito fundamental ( ADPF) questionando a nomeação de Lula. Esse tipo de processo serve para evitar ou reparar ofensa a preceito fundamental da Constituição que tenha resultado de ato do poder público. Nessa ação, a liminar não pode ser decidida por um ministro sozinho — deve ser julgada em plenário

 

RECURSOS: Depois da decisão de Gilmar, a Advocacia- Geral da União entrou com dois recursos pedindo que todas as ações e decisões já tomadas sobre o caso Lula sejam suspensas — inclusive a liminar de Gilmar. Zavascki vai julgar esses recursos

 

PETIÇÃO: Também depois da decisão de Gilmar, a defesa de Lula pediu ao STF que o relator da Lava- Jato, Teori Zavascki, decida se cabe ao tribunal ou a Sérgio Moro conduzir as investigações contra o petista. Os advogados também querem impedir que Moro divulgue outros grampos com o ex- presidente, e que seja apurado se houve crime na divulgação da semana passada

 

HABEAS CORPUS: A defesa de Lula entrou com um pedido de habeas corpus no STF. Esse tipo de ação é usado para garantir o direito de ir e vir, previsto na Constituição. É concedido sempre que alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. A defesa pede que seja suspenso o trecho da decisão de Gilmar que mandou as investigações contra Lula de volta ao juiz Moro. Não há pedido para suspender a decisão que impediu a posse de Lula. Esse HC agora está nas mãos da ministra Rosa Weber

 

HABEAS CORPUS 2: Um advogado entrou com habeas corpus pedindo que o STF anule a decisão de Gilmar e solte Lula, caso ele seja preso. O ministro Edson Fachin, relator, negou o pedido. Lembrou que, pelas regras do STF, um ministro não pode anular decisão de outro por meio de habeas corpus

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Moro: não há privilégios no resguardo de comunicações

 

Para justificar a divulgação da conversa entre o ex- presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff, o juiz Sérgio Moro escreveu em seu despacho que “nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações”. Ainda segundo Moro, ao se referir à quebra de sigilo dos grampos de Lula, “a democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes — mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

De acordo com o despacho, a comunicação com Dilma foi interceptada “fortuitamente”, já que o investigado pela Polícia Federal era Lula. Moro, em seu despacho, se apoiou num precedente da Suprema Corte americana: o caso Watergate, que terminou com o afastamento de Richard Nixon da Presidência dos Estados Unidos em 1974, após a comprovação de um esquema de espionagem política.

Moro diz que o diálogo entre Lula e Dilma ocorreu mais de duas horas depois de ele ter determinado a interrupção do grampo, mas que não reparou nesse fato. Afirma que, como havia justa causa e autorização legal para a interceptação, não vislumbra maiores problemas. Para Moro, não é o caso de exclusão da conversa, já que seu conteúdo é relevante no contexto das investigações. O juiz ainda justifica que a circunstância do diálogo ter por interlocutor uma autoridade com foro privilegiado não altera o quadro, em função do investigado ser o interceptado.