Correio braziliense, n. 19271, 29/02/2016. Editorial, p. 8

Não ao populismo

VISÃO DO CORREIO

 

O populismo na América do Sul cai como caem as peças do jogo de dominó. Com o esgotamento dos governos bolivarianos, abriram-se caminhos para a salutar alternância no poder. A Argentina saiu na frente. Mauricio Macri interrompeu o ciclo de 12 anos de kirsherismo. A Venezuela veio a seguir. Nas eleições legislativas, a oposição fez maioria na Assembleia Nacional. Pode, com isso, mudar atos do Executivo. Entre eles, anistiar presos políticos. Pode, também, mandar para casa Nicolás Maduro nas eleições de dezembro próximo.

Agora chegou a vez da Bolívia. Evo Morales, a exemplo do venezuelano Hugo Chávez e do equatoriano Rafael Correa, convocou plebiscito para emendar a Constituição e, com isso, eleger-se mais uma vez. Os eleitores disseram não. Com assento no Palácio Quemado desde 2006 e administração aprovada por boa parte da população, Evo viu ruir o projeto de disputar o pleito de 2019 e manter a faixa presidencial até 2025.

Foi derrota apertada, com menos de três pontos percentuais de diferença, mas significativa. O presidente amargou fracasso nas áreas urbanas, com população mais escolarizada, mais conectada e com melhor poder aquisitivo, como La Paz e Santa Cruz. Obteve maioria nas regiões rurais, pobres e atrasadas. Escolhido pelo Financial Times como um dos políticos mais populares do mundo, Evo não resistiu ao sopro de novos ventos.

Não se deve ao acaso o surto populista que vicejou na América do Sul. No início do século, fluxos generosos de recursos chegavam do exterior graças ao preço alcançado pelas matérias-primas que a região exporta. Soja, trigo, petróleo e minérios experimentaram valorização extraordinária no mercado global. A abundância permitiu a promoção e distribuição de benesses irresponsáveis e adubou o terreno para a disseminação de ideias rasas e ultrapassadas.

O tal socialismo do século 21, criado por Hugo Chávez, arrebanhou seguidores com discurso de antagonismo aos ricos, ao capitalismo e aos Estados Unidos. A festa durou enquanto durou a riqueza fácil. Com o freio de arrumação da economia chinesa, o preço das commodities despencou e exibiu a nudez do rei. Sem cautela na gestão financeira, os governos bolivarianos desperdiçaram os tempos de bonança. Não se modernizaram nem investiram em projetos sustentáveis de desenvolvimento.