O Estado de São Paulo, n. 44.690, 25/02/2016. Economia, p. B4

Brasil perde seu último grau de investimento

Agência Moody’s cortou a nota do País em dois níveis e manteve a perspectiva negativa
 
Por: Mário Braga / Altamiro Silva Júnior / Maria Regina Silva / Francisco Carlos de Assis
 
O Brasil perdeu ontem seu último selo de bom pagador. A agência de classificação de risco Moody’s seguiu os passos já dados pela Standard & Poor’s e pela Fitch e tirou do País a classificação de grau de investimento. Para analistas, o movimento era amplamente esperado, mas surpreendeu pela “agressividade”: de uma só vez, a nota brasileira caiu dois degraus, e a agência ainda manteve a perspectiva negativa, indicando a possibilidade de novo rebaixamento.

Segundo a agência, a mudança na nota, de Baa3 para Ba2, foi motivada pela perspectiva de mais deterioração no cenário econômico do País, em um ambiente de baixo crescimento, com a dívida do governo podendo superar 80% do PIB dentro de três anos.

A Moody’s citou também, em seu comunicado, a “dinâmica política desafiadora”,que continua a complicar os esforços de consolidação fiscal e a atrasar as reformas estruturais. Além disso,a perspectiva negativa reflete a visão de riscos de que ocorra uma desaceleração ainda maior na consolidação e na recuperação, ou ainda de mais choques surgirem, o que cria incerteza sobre a magnitude da deterioração do perfil da dívida.

Para Silvio Campos Neto,economista da Tendências Consultoria, o corte na nota de crédito do País em dois níveis,com perspectiva negativa, é um sinal de que a Moody’s “optou não ficar atrasada novamente” em relação à S&P, que já rebaixou a nota duas vezes desde o final do ano passado, e à Fitch, que retirou o grau de investimento brasileiro em dezembro. Para Bernard Gonin, da Rio Gestão, o downgrade já estava incorporado nas avaliações do mercado financeiro, mas a redução em dois níveis foi uma surpresa.

Economistas apontam ainda a relação direta entre as decisões das agências de classificação de risco a anúncios da política econômica. Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, destacou que os últimos rebaixamentos da nota do Brasil ocorreram após medidas “pouco ortodoxas”adotadas pelo Ministério da Fazenda. O downgrade pela S&P veio depois de o governo enviar ao Congresso peça orçamentária deficitária.

O segundo, pela Fitch, foi após a Fazenda sugerir redução da meta de superávit primário. Agora,a Moody’s corta a nota do País dias após o anúncio de uma banda fiscal.

Para Alberto Ramos, economista para a América Latina do Goldman Sachs, sem uma melhora do ambiente econômico e político que leve a um ajuste fiscal convincente, novos rebaixamentos do rating soberano brasileiro devem ocorrer nos próximos meses. Uma estabilização das notas e, eventualmente, a volta para o grau de investimento demandarão do governo uma combinação de um ajuste fiscal convincente e reformas estruturais, disse. “Infelizmente, o cenário de curto prazo não é muito promissor.” O lado menos ruim do fato é que o corte da nota pode funcionar como um catalisador para a classe política brasileira fazer andar a agenda econômica. Na avaliação do diretor de pesquisa econômica da GO Associados, Fabio Silveira, este seria o estímulo que faltava ao Congresso Nacional e ao governo para um pacto político em torno do reequilíbrio fiscal do País. Campos Neto concorda que enquanto o impasse político não for resolvido, as questões econômicas e fiscais também não avançarão. “Como o cenário político está muito indefinido e pode se arrastar até 2018, não dá pra enxergar uma luz no fim do túnel”, afirmou.

Para Silveira, um reflexo importante do rebaixamento é a saída do País de investidores não institucionais, aqueles que não condicionam os aportes no País ao grau de investimento de ao menos duas agências. “Há ainda atração de capital muito grande, mas isso tem um limite dado pela leitura cada vez pior”, afirmou. / MÁRIO BRAGA, ALTAMIRO SILVA JÚNIOR, MARIA REGINA SILVA, FRANCISCO CARLOS DE ASSIS

 

Sem saída

“Como o cenário político está muito indefinido e pode se arrastar até 2018, não dá pra enxergar uma luz no fim do túnel.”

Silvio Campos Neto

ECONOMISTA DA TENDÊNCIAS

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