Alimentos têm a maior alta desde o Plano Real

RODOLFO COSTA

06/02/2016

A inflação não dá trégua aos brasileiros. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,27% em janeiro, a maior alta para o mês desde 2003, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado não só manteve o custo de vida em dois dígitos, como levou a carestia a um patamar acima do observado em 2015, de 10,67%. No fim do mês passado, o indicador avançou para 10,71% no acumulado de 12 meses, o maior nível desde novembro de 2003.

O resultado de janeiro foi tão expressivo que, para alguns analistas, é cada vez mais provável que o custo de vida permaneça em patamar acima dos 10% pelo menos ao longo do primeiro trimestre. Apesar de prever para as próximas leituras alguma desaceleração, o economista Octavio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, admite que o IPCA veio acima do que esperava e da mediana das expectativas do mercado, de 1,10%.

O IPCA ficou bem acima das previsões sobretudo por causa da disparada dos preços do grupo de alimentação e bebidas, que subiram 2,28% em janeiro, o maior aumento para o mês desde a implementação do Plano Real. Considerando todos os meses, o item teve o avanço mais alto desde novembro de 2002, quando chegou a 3,91%. Sozinhos, os gatos com comida tiveram um impacto de 0,57 ponto percentual no IPCA, respondendo por quase metade da variação do índice.

A inflação é ruim para todos, mas especialmente cruel com os mais pobres. Sobretudo quando a alta de preços é mais pesada nos alimentos, que consomem a maior parte do orçamento da população de baixa renda. Também divulgado pelo IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) reflete mais de perto o custo de vida das famílias com renda de até cinco salários mínimos e é a principal referência nas negociações de reajustes salariais. Em janeiro, o INPC subiu 1,51% na média nacional, mas foi especialmente alto em algumas capitais, como Curitiba (2,07%) e Rio de Janeiro (2,37%).

Clima

São vários os motivos que explicam a alta dos alimentos, mas, para a gerente de Pesquisa do IPCA, Irene Machado, fatores climáticos foram os mais importantes. “Itens como cebola e feijão são muito sensíveis ao clima”, afirmou. As duas culturas têm grande parte da produção em estados do Sul do país, que sofreu, no último trimestre de 2015, com o excesso de chuvas, que provocou perdas e atraso no plantio. Além disso, produtos como a batata-inglesa foram castigados pela seca intensa em outra regiões.

Os custos de produção também subiram em decorrência da alta da energia elétrica e da desvalorização do real em relação ao dólar, que aumentou os gastos com fertilizantes e defensivos agrícolas. Com tantos fatores adversos, os subgrupo de tubérculos, raízes e legumes registrou crescimento de 21,1% em janeiro, puxado, principalmente, pelas altas de 32,6% da cenoura, de 27,3% do tomate, e de 22% da cebola.

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, reconheceu que o clima adverso favoreceu perdas em várias culturas. No entanto, avaliou alia que a intensidade da aceleração dos preços está muito mais atrelada a equívocos cometidos pelo Banco Central no controle da inflação.

“É normal uma aceleração do IPCA em todo começo de ano. Mas não adianta procurar culpados. Em um mês, os vilões podem ser os serviços. Em outro, os alimentos. Mas a raiz da carestia vem do conjunto da economia e dos erros da política monetária”, analisou o economista. Para Antônio da Luz, em vez de combater a inflação e procurar levá-la ao centro da meta, o BC está mais preocupado em preservar o crescimento, e não tem a ajuda do Ministério da Fazenda na política fiscal. “Assim, não teremos tão cedo uma inflação de país de primeiro mundo”, criticou.

Tarifaço

Tal como no início de 2015, os preços administrados também pressionaram a inflação. Em janeiro, metade das 10 maiores contribuições ao IPCA vieram de itens controlados pelo governo, com destaque para as passagens de ônibus urbanos, que avançaram 3,84%, em média, em seis das 13 capitais pesquisadas. Os combustíveis, com alta de 2,11%, também puxaram para cima a variação do grupo de transportes.

Analistas destacaram ainda o aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de receita das administrações estaduais, no encarecimento das tarifas públicas. O tributo foi o principal fator a elevar, em alguns estados, o preço da gasolina. Além disso, aumentou o preço da energia elétrica, que subiu 1,61%.

Pressão continua

Para o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Flávio Mendes, o grupo de transportes  deve continuar pressionando a inflação em fevereiro, contaminando as cadeias produtivas. “Isso tudo será repassado para preços dos serviços ou do varejo”, avaliou. Com a expectativa de uma inflação crescente, ele acredita que dificilmente o Banco Central deixará de elevar a taxa básica de juros (Selic), o que aumenta as chances de a queda do Produto Interno Bruto (PIB) ser ainda maior. “A autoridade monetária não vai reduzir os juros com uma inflação dessas”, previu.

 

Correio braziliense, n. 19248, 06/02/2016. Economia, p. 7