O globo, n. 30124, 28/01/2016. Opinião, p. 19

Os advogados e a Lava-Jato

Fábio Medina Osório

Persiste em pauta o manifesto de advogados contra o juiz Sérgio Moro, agora porque se atribui essa iniciativa a uma possível estratégia de defesa de uma das empresas investigadas na Operação Lava-Jato, o que há de ser apurado para aprofundar a transparência deste debate. É certo, de qualquer forma, que a livre expressão permite a divergência de ideias e a exteriorização de pontos de vista, seja por empresas, advogados, membros do Ministério Público ou da magistratura.

No entanto, se uma empresa investigada está por trás desse manifesto, deve assumir a responsabilidade e mudar radicalmente de postura, para se ajustar à nova Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), que não permite dissimulações empresariais em desafio à Justiça ou obstrução às instituições fiscalizadoras.

O manifesto sustenta que é inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação. Lançou-se contra Moro esta grave denúncia, divulgando-a na grande mídia, sem esclarecer, todavia, se a possível suspeição do juiz fora julgada procedente ou não, e em que medida os tribunais que a julgaram se comportaram adequadamente ou não.

A suspeição não foi acolhida, tanto que o magistrado segue na condução dos processos, e a imensa maioria das decisões de Moro obtém confirmação nas instâncias superiores, circunstância que não se pode debitar a qualquer receio dos tribunais em face da opinião pública, diante das garantias constitucionais de independência e autonomia dos magistrados.

O ataque a Moro revelou-se seletivo, na medida em que foram poupados outros magistrados. Por que apenas esse juiz foi alvo das acusações? Para afastá-lo do processo? Respeita-se a convicção intelectual e acadêmica dos subscritores da carta, mas é evidente que o debate processual sobre suspeição exige exame de elementos concretos que escapam aos limites estreitos de um manifesto acadêmico.

A novidade reside na especulação sobre quem teria financiado e articulado essa iniciativa de ataque a Sérgio Moro. Há substancial diferença entre um manifesto intelectual de profissionais do Direito e um manifesto “a pedido” de uma empresa investigada. Os advogados que firmaram a carta têm sólidas convicções acadêmicas, é indiscutível. Porém, é um ataque que, por sua concretude, foge do campo acadêmico e adentra o terreno do processo específico da Lava-Jato, pois remete à análise de provas e informações que exigem o exame dos autos.

Só quem atua nessa causa poderia afirmar que teriam sido desrespeitadas garantias individuais, com uma suposta quebra de imparcialidade do magistrado. Quando isso ocorre, deve-se manejar o instrumento que se denomina “exceção de suspeição”, o que foi feito infrutiferamente pelos advogados da Lava-Jato, até o momento, antes do manifesto.

Não se trata de questão acadêmica, portanto, mas processual. Como as tentativas judiciais de afastar Moro foram inúteis, houve tentativa de ataque na mídia, para retirá-lo do processo.

A se confirmar a publicação do manifesto por empresa envolvida na Lava-Jato, poderá se cogitar a ausência de compromisso dela com um efetivo compliance (controle interno de probidade empresarial), tal como previsto na Lei Anticorrupção, porque toda empresa investigada deve cooperar com as autoridades, sem atacar as apurações e os processos judiciais.