Correio braziliense, n. 19.231, 20/01/2016. Brasil, p. 5

3 milhões sem escola

Estudo mostra que acesso ao ensino aumentou nos últimos dez anos, principalmente na pré-escola. Mas qualidade ainda é desafio

Por: MARIANA NIEDERAUER

 

Em 10 anos, o Brasil avançou significativamente no objetivo de universalizar o acesso de crianças e jovens de 4 a 17 anos às escolas. De 2005 a 2014, o atendimento a essa população subiu de 89,5% para 93,6%, segundo dados divulgados ontem pelo movimento Todos Pela Educação. O prazo para cumprimento desse objetivo, que está expresso no Plano Nacional de Educação (PNE) e na Emenda nº 59 da Constituição Federal, termina este ano, mas ainda faltam colocar na escola 2.777.527 crianças e jovens.

“Cada vez menos esse se coloca como um desafio de ampliação das redes de educação e passa a ser um desafio maior, que precisa da articulação de todas as pastas da área social”, destaca Alejandra Meraz Velasco, superintendente do Todos pela Educação. Segundo a pesquisa, o maior avanço ocorreu na faixa etária de 4 a 5 anos, que passou de 72,5% em 2005 para 89,1% em 2014.

Na avaliação do professor Cleyton Gontijo, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, é preciso aguardar os resultados de 2016 para ter mais clareza sobre o tamanho real do desafio de universalizar o acesso à educação dos 4 aos 17 anos e será preciso ainda garantir que esse acesso seja de qualidade. “Ainda que pudéssemos estar mais avançados, acho que é um motivo para se comemorar. Mas lembrando que devemos centrar o olhar para universalizar com qualidade.”

“No caso do ensino fundamental, onde observamos a quase universalização, o desafio se torna a questão da qualidade e articulação de políticas públicas. São crianças em situação de vulnerabilidade tal que o estado precisa ir atrás delas”, afirma Alejandra. Ela elenca o enfrentamento da discriminação, o acesso às minorias étnico-raciais e a crianças com deficiência como alguns dos focos das políticas públicas nos próximos anos para que os índices continuem a aumentar. O levantamento mostra que a diferença de acesso entre os 25% mais ricos e os 25% mais pobres da população brasileira, que era de 10,2 pontos percentuais em 2005, caiu para 5,2 em 2014. Também houve crescimento no número de crianças e de jovens matriculados em escolas na zona rural. Em 10 anos, a taxa de atendimento no campo subiu de 83,8% para 92,5%.

 

Abandono

“O problema grave, que já se pronuncia há algum tempo no ensino médio, é que, por não haver uma escola atraente, o jovem abandona essa etapa do ensino. Ele não vê sentido na escola”, avalia Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2014, a taxa de abandono escolar no país é de 7,6% no ensino médio e, apesar de o atendimento a essa faixa etária ter chegado a 82,6% em 2014, apenas 61,1% deles estão no ensino médio.

Outra razão comum para o abandono e a defasagem idade-série é a necessidade de conciliar estudos e trabalho. Karolina Valeska da Silva, 17,enfrenta esse desafio todos os dias e ainda é mãe. Durante a trajetória escolar, a jovem já foi reprovada duas vezes e engravidou quando estava no 8º ano do ensino fundamental. “Eu levava meu filho para a escola, para não abandonar os estudos”, relata. Hoje, o menino tem 1 ano e 10 meses e fica com a avó enquanto a mãe trabalha como secretária, durante meio período, e estuda. “Quando era época de prova e eu não tinha tempo, estudava dentro do ônibus a caminho do trabalho”, conta. Agora, ela está no 2º ano do ensino médio e tem como foco cursar o ensino superior no futuro. “Nunca passou pela minha cabeça desistir.”

 

Distrito Federal

O Distrito Federal apresentou uma situação mais confortável nos anos que a pesquisa abrange. No entanto, os dados relacionados à educação infantil deixam a desejar. O DF é a sétima unidade da Federação com menor atendimento a essa população e foi o segundo que menos avançou em relação a 2005 (6,5 pontos percentuais), atrás apenas do Rio Grande do Norte (6,2 pontos percentuais).

Segundo Raphaella Cantarino, diretora de Acompanhamento da Oferta Educacional da Secretaria de Educação do DF, dos 22,5 mil pedidos de matrícula para essa faixa etária recebidos pelo Telematrícula, 2,7 mil não foram atendidos. São crianças que moram no Paranoá, São Sebastião, Recanto das Emas, Planaltina e Estrutural. O governo trabalha para resolver a situação até o início das aulas na rede pública, em 29 de fevereiro, e dessa forma, cumprir a meta constitucional. Até o momento, o GDF atendeu a 97% da demanda do Telematrícula.

Os maiores crescimentos em pontos nessa faixa etária foram em Rondônia (36,6%), Rio Grande do Sul (33,4%) e Mato Grosso (25,1%).

 

Frase

“Ainda que pudéssemos estar mais avançados, acho que é um motivo para  comemorar. Mas lembrando que devemos centrar o olhar para universalizar com qualidade.”

Cleyton Gontijo, profesor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

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Menos bolsas no Prouni

O Programa Universidade Para Todos (Prouni) oferece, neste ano, 9.511 bolsas de estudos a menos em relação a 2015. O motivo fundamental é que 97 instituições de ensino perderam o direito de aderir ao programa em função de nota insatisfatória no Índice Geral de Cursos (IGC).

Os dados foram divulgados ontem pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Neste ano, 1.069 instituições disponibilizam 203.602 bolsas. No ano passado foram 213.113 bolsas ofertadas por 1.164 universidades e faculdades privadas. “Houve instituições excluídas do programa, pois estão sob suspensão no MEC, já que obtiveram avaliação inferior a 3. Onde não há qualidade no ensino, não há oferta de bolsas”, afirmou o ministro. Engenharias, Administração e Pedagogia são os cursos em que há mais bolsas disponíveis. O Estado com mais oferta é São Paulo, com 62,6 mil bolsas.

Até as 17h de ontem, 559.327 pessoas já haviam se inscrito no sistema, ultrapassando 1 milhão de inscrições (cada candidato pode indicar até duas opções de cursos). O prazo vai até sexta-feira, e o resultado da primeira chamada será divulgado na segunda-feira.

Houve uma sutil queda no número de inscrições registradas no Sisu neste ano, em relação a 2015 — de 5,4 milhões para 5,2 milhões —, um possível efeito do fato de os chamados “treineiros” (estudantes que ainda não concluíram o Ensino Médio) não poderem se inscrever para vagas de ensino superior — uma medida inédita desde a implementação do sistema.