Correio braziliense, n. 19229, 18/01/2016. Economia, p. 6

 Idade mínima só vale para os de baixa renda
 
Apesar de representarem 53% das aposentadorias pagas no país, o valor anual gasto pelo governo com o benefício equivale a apenas 22,6% do total de R$ 491 bilhões pagos pelo INSS. Para ter direito a um salário mínimo é preciso ter 15 anos de contribuição

» CELIA PERRONE

José de Araújo usa o dinheiro para ajudar a sustentar a nora e os netos e faz bicos para completar a renda (Breno Fortes/CB/D.A Press)

José de Araújo usa o dinheiro para ajudar a sustentar a nora e os netos e faz bicos para completar a renda




A necessidade de estipular uma idade mínima para dar sustentabilidade à Previdência Social, tão discutida nestes tempos de ajuste das contas públicas, atualmente só vale para os brasileiros de baixa renda que, apesar de representarem a maioria dos aposentados — 53% dos 18,3 milhões de benefícios pagos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) —, o gasto anual do governo com eles será de R$ 111 bilhões, ou 22,6% do total, em 2016.

Sem condições de comprovar o tempo real de trabalho, muitas vezes informal, só resta a essas pessoas a aposentadoria de um salário mínimo quando atingem os 65 anos, para homens, e 60, mulheres, depois de 15 anos de contribuição. São 9,7 milhões de brasileiros nessa situação no país. E o pior é que, mesmo com a renda limitada, acentuam uma distorção. São esses idosos os arrimos da família.


"Quando estou sem fazer nenhum bico, vou lá e planto. 
O que estiver ao meu alcance para ajudar a minha família, eu farei”
José  Gonçalves de Araújo, pedreiro


É o caso do pedreiro aposentado José Gonçalves de Araújo, 80 anos. Desde que, há 15 anos, quando conseguiu comprovar o tempo de serviço e se aposentou, ajuda a sustentar, com o benefício e bicos, que até hoje faz, a nora e quatro netos. Ele conta que foi difícil provar o vínculo empregatício, pois sempre trabalhou em obras, mas eram poucos os serviços que registravam em carteira.

Com a morte do filho, segurança, em um assalto, em 2008, coube a ele ajudar a família. Os netos tinham 3,6, 8 e 10 anos, à época, e a nora fazia faxina para sustentar a casa. Mas, com o dinheiro curto, até hoje não conseguiu desfrutar do merecido descanso. No tempo livre, planta milho e feijão no canteiro em frente à casa onde mora na Estrutural. “Quando estou sem fazer nenhum bico, vou lá e planto. O que estiver ao meu alcance para ajudar a minha família, eu farei”, afirma José, que tem mais cinco netos de outros dois filhos.

 

Francisca Rodrigues de Oliveira trabalha com reciclagem e recebe LOAS. Cria netos e bisnetos na Estrutural  (Breno Fortes/CB/D.A Press)

Francisca Rodrigues de Oliveira trabalha com reciclagem e recebe LOAS. Cria netos e bisnetos na Estrutural



Para o economista do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipea) Marcelo Caetano a realidade vivida pelo pedreiro mostra a fragilidade econômica e social do país. “É um quadro muito ruim. Na idade dele, deveria ser o contrário, os filhos e netos cuidando desse senhor”, lamenta. Caetano ressalta que é melhor ter o benefício do que não, mas alerta que “essa situação indica uma distorção, que mais tarde, talvez, possa até resultar numa convulsão social”.

Diferenças

O consultor de Orçamento da Câmara Legislativa e ex-secretário de Política de Previdência Social Leonardo Rolim afirma que a enorme diferença entre os valores das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade agravam o problema da desigualdade no país. Ele revela que, considerando todas as aposentadorias, as por tempo de contribuição são 105% maiores que as por idade, ou seja, são mais do que o dobro.

Considerando só as urbanas, a diferença ainda é gigantesca: 75,5%. Isso, apesar da enorme redução que as aposentadorias por tempo de contribuição têm em função do fator previdenciário, que vigorou até o ano passado. Agora, com a regra 85/95, a diferença do valor médio de benefícios vai aumentar ainda mais, e a idade média de aposentadoria vai crescer pouco, afirma.  Rolim estima que a média passará de 54 anos para 56, lembrando que, por idade, é de 60 anos para a mulheres, e de 65, para o homem. “Portanto, hoje, os trabalhadores urbanos mais ricos se aposentam, em média, 9 anos mais jovens e recebem um benefício 75,5% maior. Com o 85/95, vão se aposentar 7 anos mais jovens, com um benefício 120% maior. Avalio que o valor médio dos benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição cresça 25% em função do 85/95”, revela.

O economista britânico Brian Nicholson, autor de A Previdência Injusta: Como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil, questiona o que considera mais uma deturpação do sistema: “susbsídios que garantem mais de 40 salários mínimos por mês para uma classe privilegiada de funcionários públicos, militares e governantes”. Ele considera corretíssimo subsidiar benefícios para os mais pobres e diz que a vinculação do mínimo para reajustar a aposentadoria não é o problema, mas, sim, o valor final com que a pessoa se aposenta.



Privilegiados

A cláusula petrea da Constituição brasileira, a do direito adquirido, deveria mudar, segundo o economista britânico Brian Necholson. Só assim, defende, haveria uma reversão no cenário previdenciário brasileiro. “ O que foi criado originariamente era para proteger os pobres e humildes contra atitudes arbitrárias do governo, na prática, protege direitos adquiridos dos privilegiados”, critica.