Falta médico para quem precisa

Roberta Pinheiro 

06/12/2015

Muitas são as queixas com relação ao sistema de saúde do DF. Os pacientes já estão preparados para a espera por atendimento e até mesmo para a falta de recursos básicos. A última greve no setor durou cerca de 40 dias. Na tentativa de escapar desses problemas, alguns brasilienses optam pelo serviço particular, seja pagando do próprio bolso, seja por meio de convênio. Mesmo assim, ainda enfrentam dificuldades. O cenário, no entanto, não condiz com os números apresentados pelo estudo Demografia Médica no Brasil 2015. Realizado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), a pesquisa mostra que, entre as unidades da Federação, o DF é a que apresenta o maior número de médicos por habitantes.
 
Isso quer dizer que são 4,28 profissionais para cada mil pessoas. Em seguida, vem o Rio de Janeiro (3,75),  São Paulo (2,7) e o Espírito Santo (2,7). Além disso, é a unidade com a melhor relação entre generalistas e especialistas, ou seja, o DF tem 2,72 médicos com residência em alguma especialidade para cada outro profissional que ainda não tem título. Ao todo, são 7. 438 especialistas contra 2.735 generalistas.
Apesar dos números significativos, ainda prevalece um panorama de desigualdade em todo o Brasil, que também se reflete em Brasília. De acordo com o documento, há disparidades na distribuição, na fixação e no acesso aos profissionais. A maioria dos médicos permanece concentrada nas regiões Sul e Sudeste, nas capitais e nos grandes municípios. Também notaram, desta vez, que os profissionais, sobretudo aqueles com especialização, estão reunidos em estruturas privadas. Estas atendem a menor parte da população.
 
Na prática
Moradora de Padre Bernardo (GO) - a 116 km de Brasília -, Vanilde da Costa Miranda, 46 anos, sempre que precisa de atendimento médico, tem que vir à capital do país. "Na minha cidade tem hospital, mas nunca tem médico, aparelhos, nem nada. Qualquer exame, tenho que vir para cT, conta, na fila de espera do retorno ao ortopedista no Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Mesmo recorrendo ao serviço público, algumas vezes, Vanilde precisa desembolsar do próprio bolso a quantia para arcar com os custos de exames. "Às vezes, precisamos de uma resposta mais rápida. Aí não tem jeito, tem que pagar", justifica.
 
Na avaliação da dona de casa Grazielle da Silva Santos, 28, não deveria haver diferenças entre o sistema público e o privado. "Pelo plano de saúde, eles têm a obrigação de atender e oferecer tudo o que for necessário, porque você está pagando. Mas aqui (público) não é diferente, porque todos os dias pagamos vários impostos", argumenta. Além da demora para conseguir uma consulta com um médico, ela ressalta a falta de insumos básicos. "A primeira vez que busquei um ortopedista não tinha tala, o enfermeiro disse que eu precisava comprar", relembra.
 
Para fugir dos problemas da rede pública, as pessoas acabam sacrificando o orçamento para arcar com um direito básico. Mesmo assim, isso não é garantia de tranquilidade. A revendedora de produtos de beleza Rostanea Gonçalves Vieira, 43, foi procurar um otorrino para a filha, Laís, 7, fazer um exame e ver se a menina tem adenoide, a pedido de uma dentista. "Como é muito difícil conseguir consulta na rede pública, ainda mais com um otorrino, preferi pagar um particular. Mas cheguei na clínica às 8h e só fui atendida depois das 11h", reclama. No público, além da demora, a marcação não é uma certeza. "Pode ser que na véspera da consulta eles liguem remarcando ou cancelando", conta.
 
Há 10 anos, o filho da aposentada Maria Alves Cardoso, 73, colocou a mãe como dependente no convênio da Polícia Militar do DF. Para ela, a mudança foi significativa. "É um tratamento diferenciado", resume. "Consigo marcar as consultas, fazer os exames. Tudo de maneira rápida e prática. Não preciso ir até o hospital, posso ligar e agendar", complementa. Além disso, também encontrou no serviço particular as especialidades de que mais precisa, como endocrinologia, ortopedia e clínica.
 
Análise
De acordo com o presidente do Sindmédicos-DF, Gutemberg Fialho, por mais que haja um deficit de, no mínimo, 3.500 médicos para a estrutura atual da rede pública, o problema de Brasília não é a falta de profissionais. "O Estado não oferece as condições de trabalho, falta segurança. Por outro lado, não há concurso público para que o médico entre na secretaria. Não existem políticas públicas que atraiam e conquistem os profissionais", analisa. Com relação aos convênios, ele avalia que ali há excessos. No entanto, pagam pouco aos especialistas, por isso, os médicos optam pelas consultas particulares. "A alternativa seria recuperar o SUS para torná-lo competitivo ao sistema suplementar", finaliza.
 
Para a diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Maria Fátima de Sousa, uma possível explicação para esse número que parece alto de médico por mil habitantes no DF é o desvio de função. Alguns médicos que passam no concurso da secretaria exercem cargos administrativos e não estão na assistência à população. "Uma estratégia seria ver onde estão esses médicos, quais são suas especialidades e distribuí-los de acordo com as demandas da população", sugere.
 
Com relação à proporção especialista/generalista, a diretora comenta que isso é um resultado do modelo formado para a produção de doenças, em que especialistas e subespecialistas são colocados no mercado de consumo de um complexo médico industrial com cada vez mais exames, mais medicamentos e mais equipamentos. Por fim, a diretora ressalta que 100% da população brasileira é usuária do SUS. Isso porque, desde campanhas de vacinação, até quem tem planos de saúde são subsidiados pelo governo, por repasses ou Imposto de Renda. "Os 75% da população que dependem do SUS são aquelas pessoas que não têm condições nenhuma, a não ser recorrer ao sistema público", comenta.
 
Correio braziliense, n. 19186, 06/12/2015. Cidades, p. 28