Na avaliação da dona de casa Grazielle da Silva Santos, 28, não deveria haver diferenças entre o sistema público e o privado. "Pelo plano de saúde, eles têm a obrigação de atender e oferecer tudo o que for necessário, porque você está pagando. Mas aqui (público) não é diferente, porque todos os dias pagamos vários impostos", argumenta. Além da demora para conseguir uma consulta com um médico, ela ressalta a falta de insumos básicos. "A primeira vez que busquei um ortopedista não tinha tala, o enfermeiro disse que eu precisava comprar", relembra.
Para fugir dos problemas da rede pública, as pessoas acabam sacrificando o orçamento para arcar com um direito básico. Mesmo assim, isso não é garantia de tranquilidade. A revendedora de produtos de beleza Rostanea Gonçalves Vieira, 43, foi procurar um otorrino para a filha, Laís, 7, fazer um exame e ver se a menina tem adenoide, a pedido de uma dentista. "Como é muito difícil conseguir consulta na rede pública, ainda mais com um otorrino, preferi pagar um particular. Mas cheguei na clínica às 8h e só fui atendida depois das 11h", reclama. No público, além da demora, a marcação não é uma certeza. "Pode ser que na véspera da consulta eles liguem remarcando ou cancelando", conta.
Há 10 anos, o filho da aposentada Maria Alves Cardoso, 73, colocou a mãe como dependente no convênio da Polícia Militar do DF. Para ela, a mudança foi significativa. "É um tratamento diferenciado", resume. "Consigo marcar as consultas, fazer os exames. Tudo de maneira rápida e prática. Não preciso ir até o hospital, posso ligar e agendar", complementa. Além disso, também encontrou no serviço particular as especialidades de que mais precisa, como endocrinologia, ortopedia e clínica.
Análise
De acordo com o presidente do Sindmédicos-DF, Gutemberg Fialho, por mais que haja um deficit de, no mínimo, 3.500 médicos para a estrutura atual da rede pública, o problema de Brasília não é a falta de profissionais. "O Estado não oferece as condições de trabalho, falta segurança. Por outro lado, não há concurso público para que o médico entre na secretaria. Não existem políticas públicas que atraiam e conquistem os profissionais", analisa. Com relação aos convênios, ele avalia que ali há excessos. No entanto, pagam pouco aos especialistas, por isso, os médicos optam pelas consultas particulares. "A alternativa seria recuperar o SUS para torná-lo competitivo ao sistema suplementar", finaliza.
Para a diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Maria Fátima de Sousa, uma possível explicação para esse número que parece alto de médico por mil habitantes no DF é o desvio de função. Alguns médicos que passam no concurso da secretaria exercem cargos administrativos e não estão na assistência à população. "Uma estratégia seria ver onde estão esses médicos, quais são suas especialidades e distribuí-los de acordo com as demandas da população", sugere.
Com relação à proporção especialista/generalista, a diretora comenta que isso é um resultado do modelo formado para a produção de doenças, em que especialistas e subespecialistas são colocados no mercado de consumo de um complexo médico industrial com cada vez mais exames, mais medicamentos e mais equipamentos. Por fim, a diretora ressalta que 100% da população brasileira é usuária do SUS. Isso porque, desde campanhas de vacinação, até quem tem planos de saúde são subsidiados pelo governo, por repasses ou Imposto de Renda. "Os 75% da população que dependem do SUS são aquelas pessoas que não têm condições nenhuma, a não ser recorrer ao sistema público", comenta.
Correio braziliense, n. 19186, 06/12/2015. Cidades, p. 28