Acordo histórico pelo clima global 

Humberto Rezende 

13/12/2015

O que durante anos pareceu impossível aconteceu ontem: o mundo chegou a um acordo para, em conjunto, combater o aquecimento global. A conferência climática de Paris chegou ao fim com um documento que surpreendeu positivamente ambientalistas e cientistas e conseguiu fazer o planeta respirar aliviado, pelo menos por um tempo. “Histórico” foi o termo mais usado para descrever o texto aprovado pelas 195 nações participantes da COP21 e que aponta o caminho a ser seguido para conter as mudanças climáticas, a maior ameaça à existência humana. Pela primeira vez, todas as nações concordam para qual direção se deve caminhar.

Os principais pontos do Acordo de Paris, que substituirá, em 2020, o Protocolo de Kyoto, são o compromisso em controlar o aumento da temperatura global, o suporte financeiro das nações ricas para os países em desenvolvimento se adaptarem à nova realidade e a previsão de diferentes responsabilidades para cada uma das partes, cabendo aos Estados industrializados a principal tarefa.

No primeiro item, acabou prevalecendo a redação que prevê um controle do aquecimento global “bem abaixo dos 2ºC”, com esforços para que ele seja limitado a 1,5ºC. Isso significa que a temperatura média do planeta não deve ficar muito acima de 1,5ºC em relação à registrada entre 1880 e 1889, quando o mundo entrou na era industrial.

Esse foi um dos pontos de maior debate durante a conferência, que começou com a meta de limitar o aumento a 2ºC. No entanto, os países ilhas — que já veem seus territórios invadidos pela elevação dos oceanos — e os africanos — para os quais o objetivo inicial representaria um aumento de 4ºC a 6ºC na média local — insistiram em um acordo mais ambicioso. A saída foi achar um meio termo que agradou todas as partes, incluindo emergentes, como China e Índia. “Estamos satisfeitos”, afirmou Gurdial Singh Nijar, porta-voz do grupo de países em desenvolvimento.

Os outros dois pontos que consumiram horas de debate também foram resolvidos. Na questão do financiamento, ficou acertado que os países ricos vão, voluntariamente, garantir um mínimo de US$ 100 bilhões anuais para ações de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. E a diferenciação ficou estabelecida. Todos terão de contribuir, reduzindo suas emissões de carbono, mas cabe aos países industrializados, por serem os que mais lançaram gases de efeito estufa na atmosfera ao longo da história, a maior parte do esforço. Parte do acordo também é legalmente vinculante, ou seja, de execução obrigatória (veja quadro).

Emoção

Quando apresentou a versão final do documento no começo da tarde, o presidente da COP21, o chanceler francês, Laurent Fabius, dava sinais de que as negociações de última hora haviam sido bem-sucedidas e que ele tinha em mãos um texto que seria aprovado, o que se confirmou por volta das 19h30 (16h30 em Brasília).

“O texto que nós construímos apresenta o melhor equilíbrio possível e permitirá a cada delegação retornar para casa de cabeça erguida”, ressaltou, visivelmente emocionado. Ao pedir que as delegações se retirassem para analisar o texto, o francês citou o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela: “Ele disse: ‘Sempre parece impossível, até que seja feito.’ Eu quero adicionar algumas palavras a essas. Palavras ditas pelo mesmo herói: ‘Nenhum de nós, agindo sozinho, consegue ser bem-sucedido’. Vocês vão agora decidir sobre um acordo histórico, o mundo inteiro nos assiste”, concluiu.

O apelo foi reforçado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. “Vamos terminar o trabalho agora. O mundo está assistindo. Milhões de pessoas dependem de sua sabedoria”, declarou Ban. E, por fim, o presidente francês, François Hollande, falou em “grande passo para a humanidade”. “Façamos de 12 de dezembro um dia não só histórico, mas uma data importante para a humanidade. ”

Os apelos das autoridades buscavam evitar o que seria uma tragédia: um novo fracasso, como o que aconteceu em Copenhague em 2009. Na ocasião, o mundo inteiro parou para assistir à COP15 na esperança de que um acordo climático global saísse do evento, mas não houve consenso, gerando muitas críticas e desesperanças. A partir de então, as delegações passaram os anos seguintes amadurecendo as propostas até que se criou ambiente favorável à aprovação de um documento em Paris.

Momento decisivo

Depois de os participantes da COP21 lerem o acordo, reuniram-se pela última vez, quando já era noite em Paris. “Eu chamo à ordem a 11ª sessão da 21ª COP”, anunciou Fabius às 19h25. “Eu agora convido a COP a adotar o documento do Acordo de Paris. Não vejo objeções, o Acordo de Paris está adotado. Nós temos um acordo!”, vibrou com o auditório. Ao seu lado, a secretária executiva da Convenção das Nações Unidas sobre o Clima, Christiana Figueres, sugeriu: “Você tem que bater o martelo”. O chanceler pegou, então, uma ferramenta de madeira, cuja cabeça imita o formato de uma folha. “É um martelo pequeno, mas acho que pode fazer um ótimo trabalho”, brincou, enquanto o usava para golpear a mesa.

O acordo não é perfeito, mencionaram alguns especialistas. Pontos como a retirada de metas claras de redução das emissões e a falta de detalhamento de como ocorrerá o aporte de US$ 100 bilhões preocupam. “Não esperávamos um acordo muito ambicioso, principalmente por conta de limitações de China e Estados Unidos, mas o texto cumpriu as expectativas”, analisou, de forma comedida, Maureen Santos, coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

De maneira geral, contudo, cientistas e ambientalistas se mostraram satisfeitos. “Vejo esse acordo como muito positivo. Ele tem todos os elementos necessários: metas de longo prazo, diferenciação entre países e financiamento por parte das nações desenvolvidas, ainda que voluntário”, analisou Suzana Kahn, coordenadora executiva do Fundo Verde e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Alcançar um acordo com todos os países é algo inédito. É histórico ver partes tão heterogêneas indo numa mesma direção”, acrescentou.

David Reay, professor de gerenciamento de carbono na Universidade de Edimburgo também manifestou alegria: “É um enorme avanço. Legalmente vinculante, um robusto mecanismo de direcionamento e fortes exigências de prestação de contas — impressionante. O Acordo de Paris se tornará o primeiro passo concreto para evitar uma perigosa mudança climática”. ONGs igualmente celebraram. “A roda da ação gira lentamente, mas em Paris ela se transformou”,disse o diretor do Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo.

Brasil teve papel de destaque

Pouco antes da aprovação do Acordo de Paris, a ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, comemorava os termos do documento, afirmando que todas as propostas defendidas pelo país estavam contempladas. Ao falar com jornalistas, ela voltou a usar uma expressão que havia dito quando o governo federal anunciou as metas voluntárias que levaria a Paris: “Roubamos a cena”.

Único país emergente a apresentar uma proposta de redução de gases do efeito estufa tanto para 2025 (37%, em comparação com o emitido em 1990), quanto para 2030 (43%), o Brasil chegou à conferência respeitado. Desde o início do encontro, assumiu um importante papel de mediador, graças ao trabalho da ministra; do embaixador do Brasil em Washington, Luiz Antonio Figueiredo, que acompanhou o debate desde o fracasso em Copenhague; e do embaixador Antonio Marcondes, negociador-chefe da delegação brasileira.

Coube à delegação do país amarrar a proposta de diferenciação de responsabilidades para países ricos e em desenvolvimento, sempre defendida pelos brasileiros, e costurar a meta de manter o aquecimento abaixo dos 2ºC. Nesse último ponto, o Brasil conversou com Índia e China, seus parceiros do bloco Basic, contrários à meta de 1,5ºC e com os representantes dos países ilhas, liderados pelo ministro do Meio Ambiente das Ilhas Marshall, Tony de Brum. “Mostrei a ele (De Brum) a linguagem que vinha do Basic, propondo um avanço ‘abaixo de 2°C’ e ‘na direção de 1,5°C, e ele disse que essa linguagem o satisfazia”, contou Teixeira ontem a jornalistas presentes na COP21.

Para Maureen Santos, da Fundação Heinrich Böll Brasil, o país teve de fato uma participação importante. “Assumiu realmente um papel de liderança. O deslocamento do embaixador Figueiredo mostrou que o Brasil se preparou para a conferência, e acabamos sendo protagonistas”, analisou. (HR)

Correio braziliense, n. 19193 , 13/12/2015. Ciência, p. 17