Título: Anistia de volta ao debate
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2011, Política, p. 10

Às vésperas de votar o projeto de criação do colegiado responsável por apurar abusos aos direitos humanos, Senado é intimado a se posicionar sobre a revisão da lei que isentou de culpa os agentes do Estado que praticaram tortura

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que cobra a revisão da Lei da Anistia, deu prazo até terça-feira para que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), encaminhe a posição do Congresso Nacional sobre o tema. A notificação judicial foi encaminhada na última quinta-feira. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), também foi notificado pelo relator da ação. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da Adin, já tinha pedido ao ministro relator que dispensasse a exigência. Para a ordem, o prazo de cinco dias, fixado pelo Regimento Interno do STF, foi ultrapassado pelo Senado há dois meses.

A revisão da anistia é, para militantes dos direitos humanos e familiares das vítimas do regime militar, uma premissa para o bom funcionamento da Comissão da Verdade. O projeto que cria o grupo de investigação foi aprovado na última quarta-feira pela Câmara e agora será analisado pelo Senado, provavelmente nesta semana. A comissão vai apurar e narrar violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.

O Palácio do Planalto já costura acordo para a aprovação rápida da matéria sem qualquer brecha para a punição aos militares, baseada na legislação vigente. O próprio governo defendeu, no Supremo, que a legislação não deveria sofrer alterações. Em 2010, os ministros do STF decidiram, por sete votos a dois, não revisar a matéria, e sustentaram a validade da Lei da Anistia. Pelo menos três ministros ouvidos pelo Correio afirmaram que, apesar do embargo de declaração impetrado pela OAB no ano passado, as chances de alteração na lei são mínimas.

A oposição, que deu trabalho para o governo na Câmara no processo de votação da Comissão da Verdade, não pretende questionar a validade da lei no Senado. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que se reuniu com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, demonstrou ser favorável ao projeto, mas contrário a qualquer possibilidade de revisão da anistia ¿ segundo ele, trata-se de um caso encerrado. Tucanos e democratas na Câmara também não chegaram a tocar nessa possibilidade, pleiteada pela ala esquerdista, com o argumento de que não era o momento de "abrir feridas ainda não cicatrizadas". A ofensiva governista trabalha para manter o texto votado na Câmara, já que qualquer alteração faria a proposta voltar para análise dos deputados.

Com relação à manifestação no STF, a assessoria de imprensa da Casa informou que "o Senado ainda não recebeu a intimação da decisão liminar. Já havíamos apresentado resposta nesse processo em uma manifestação preliminar. A partir de hoje, passaremos a preparar o recurso contra essa liminar." A resposta foi encaminhada em 31 de agosto. A reportagem solicitou cópia da manifestação preliminar, que não foi enviada e não consta nos autos. O Correio pediu uma nova posição do Senado, que também não foi dada.

Crime comum Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma que a legislação brasileira precisa ser revista e que a tortura não pode ser considerada crime político, mas crime comum, o que poderia levar militares para o banco dos réus. O Ministério Público Federal (MPF) tem adotado a prática de ingressar com ações na esfera cível que não comprometem a Lei da Anistia. Há, em curso, pelo menos seis processos.

Entre essas ações, destaque para a que cita a presidente Dilma Rousseff, referente à Operação Bandeirante (Oban) ¿ centro de informações e investigações do Exército para coordenar o combate às organizações de esquerda durante a ditadura. Atualmente, o processo está em fase de citação e contestação dos réus, após a réplica da Procuradoria da República. O militar reformado Maurício Lopes, suposto torturador da presidente, nega as acusações. Juízes federais, no entanto, têm negado os pedidos do MPF com base na Lei da Anistia.

Testemunha O presidente do Senado, José Sarney, foi arrolado como testemunha de defesa do coronel reformado Carlos Brilhante Ustra na ação de indenização movida por familiares do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, militante do extinto Partido Operário Comunista (POC), torturado e morto em 1971 por agentes da repressão. Sarney deverá ser ouvido por carta precatória. O processo, em tramitação na 20ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, está em fase de distribuição das cartas.