‘Não vejo apoio no Brasil para uma aventura populista'

 

Cláudia Trevisan

O Estado de São Paulo, n. 44685, 23/10/2015. Economia, p. B6

 

A possibilidade de o Brasil adotar políticas econômicas "populistas" foi objeto da maioria dos questionamentos ouvidos pelo representante do País no Fundo Monetário Internacional (FMI), Otaviano Canuto, durante reunião em Lima no início do mês. "Felizmente, a resposta é 'não'. Há perfeita consciência do governo e da maior parte da oposição de que resvalar para políticas inconsequentes não é bom para ninguém", afirmou.

 

O representante do Brasil e de outros dez países no FMI disse que não foi convidado para assumir o Ministério da Fazenda, negando rumores que circularam no mercado na semana passada. "Joaquim Levy é o cara certo, no lugar certo, na hora certa." A seguir, trechos da entrevista:

 

É possível reduzir juros e aumentar crédito, como o presidente do PT, Rui Falcão, defendeu?

Duvido que recorrer a crédito frouxo dê grande resultado se a política econômica não conseguir convencer empresários e investidores de que o retorno de seus investimentos ajustados aos riscos é favorável. Recorrer a crédito sem alterar a desconfiança dos empresários e investidores em relação ao futuro dá no máximo um impulso à demanda por alguns meses - se conseguir fazer isso - e não revitaliza os empregos e o investimento.

 

Há uma política alternativa à de Levy que seja sustentável?

Não. Pode-se discutir as formas e esse é um debate legítimo. Mas não há como imaginar que a economia voltará a crescer sem equacionar a questão fiscal. No curto prazo, há a necessidade de uma resposta que proteja a economia da possibilidade de um segundo “downgrade” (rebaixamento) pelas agências de rating. O ponto de partida é uma estrutura muito rígida do orçamento público, e a margem de manobra para reverter o fluxo primário negativo é muito limitada. Na medida em que se construa algum tipo de segurança para essa travessia, a discussão passa a se encaminhar às questões mais de fundo, aos ajustes com horizonte mais longo. 

 

O curto prazo é a CPMF e o ajuste proposto pelo governo?

Sim, já que vários dos itens de gastos públicos de 2016 não podem ser revertidos. Um dos problemas básicos das contas públicas é o excesso de vinculações e indexações. Alguns gastos sobem sem que você faça qualquer coisa. Não há como imaginar atravessar o curto prazo sem pelo menos um leve aumento na arrecadação tributária. Esse tributo temporário é para cobrir um buraco, não é aumento da carga. É difícil? É, mas é bem menos ruim do que um terceiro ano com saldo primário negativo em 2016.

 

Por quê?

Essa é a fragilidade principal da economia e é a grande correção que falta ser feita. Houve correção significativa dos preços administrados, que estavam defasados em relação aos preços livres. Outra correção de preços que vem ocorrendo é entre os preços domésticos e os internacionais, por meio da taxa de câmbio. A terceira variável foi evitar que esse choque virasse uma inércia inflacionária. Mesmo com uma mudança brutal de preços, as expectativas para a inflação em 2016 continuam ao redor dos 6%, graças à política monetária. A variável que falta é a fiscal. A meta inicial (de superávit primário) teve de ser reduzida e há possibilidade de que seja revisada para patamares mais baixos. 

 

E passado o curto prazo?

Está mais do que na hora de passar um pente-fino em todos os itens de gastos de governo e ver em que medida eles refletem necessidades das camadas mais pobres da população ou estão associados a necessidades da articulação do setor privado com o setor público para a economia funcionar em termos de investimentos. Em cada uma das caixinhas vamos encontrar níveis de gastos que não são explicados por essas duas. Um caso óbvio: Previdência. É necessário discutir uma idade mínima da Previdência que torne o Brasil mais parecido com o resto do mundo. O Brasil tem um gasto com Previdência próximo ao de países escandinavos ou da Europa continental. Esses países têm uma parcela de população idosa que é o dobro da brasileira.

 

O sr. acabou de participar da reunião do FMI. Quais as perguntas que ouviu com mais frequência em relação ao Brasil?

Na questão macro, é se existe o risco de o Brasil resvalar para políticas populistas por causa da desaceleração. Felizmente, a resposta é ‘não’. Há perfeita consciência do governo e da maior parte da oposição de que resvalar para políticas inconsequentes não é bom para ninguém. Além disso, sempre há perguntas sobre setores específicos, o que mostra que o investidor está tentando acompanhar o que ocorre.

 

Dá para avançar sem resolver o imbróglio político?

O imbróglio político tem de ter um encaminhamento. Não vejo nenhuma disposição na sociedade civil para dar apoio a aventuras populistas. Uma pergunta que me fizeram mais de uma vez nos últimos três meses foi “há risco de reemergência de controles de capitais? O Brasil não vai virar uma Argentina?”. Minha resposta é a que o Brasil está em uma trajetória oposta. A Argentina teve uma profunda crise, derivada do desmonte de um regime extremamente rígido, que foi o currency board (paridade cambial da moeda local, o peso, com o dólar), que desaguou em uma crise política, para a qual a resposta de política econômica foi populista. O Brasil está vivendo um processo em que, depois de um hiperativismo fiscal e intervencionista dos últimos anos, caminha na direção de uma base estável de equilíbrio fiscal e macroeconômico.

 

Qual era o grau de preocupação em relação ao Brasil na reunião do FMI?

Era elevado no sentido de que havia um interesse enorme e porque o Brasil tem um peso sistêmico. Eventos negativos no Brasil tendem a se transmitir por vários dos mecanismos de contágio para outras economias emergentes.

 

O sr. foi convidado para ser ministro da Fazenda?

Não existiu nada disso. Nada passou de especulação completamente infundada. E eu, como brasileiro fiquei muito feliz, porque Joaquim Levy é o cara certo, no lugar certo, na hora certa.