O globo, n. 30095, 30/12/2015. Economia, p. 22

Ajuste externo

MÍRIAM LEITÃO COM ALVARO GRIBEL

Há pelo menos duas boas notícias na economia. A balança comercial voltou para o azul e acumula superávit de US$ 18 bilhões, enquanto o déficit em conta-corrente caiu quase à metade, diminuindo a necessidade de financiamento externo. A origem da boa notícia são a alta do dólar e o esfriamento da economia. O superávit ocorre, apesar da queda de 14% nas exportações, porque as importações estão despencando 24%.

Abalança comercial tem números positivos e negativos. Pelo lado bom, o principal deles é mesmo o saldo, que saiu de um déficit de US$ 4,4 bilhões, de janeiro a dezembro do ano passado, para um superávit de US$ 18,6 bilhões este ano. Também houve uma forte redução do déficit da conta petróleo, de US$ 17,3 bilhões, de janeiro a novembro, para US$ 7,9 bilhões. Somente com importação de combustíveis e derivados houve uma economia de quase US$ 10 bilhões este ano.

A alta do dólar teve o efeito nocivo de pressionar a inflação e aumentar a dívida de muitas empresas que fizeram financiamentos em moeda estrangeira, entre elas a Petrobras e a Vale. Mas também contribuiu para um forte ajuste nas nossas transações correntes, que estavam com um déficit muito alto e insustentável.

O rombo na conta-corrente caiu quase à metade nos 11 primeiros meses deste ano, de US$ 92 bilhões para US$ 56 bilhões. É verdade que o Investimento Direto Estrangeiro também caiu, de US$ 86 bilhões para US$ 59 bi, mas ele agora financia todo o déficit, o que diminui muito a nossa dependência do país de capital especulativo.

O gasto de turistas brasileiros no exterior também caiu, como consequência da alta do dólar. Saiu de US$ 23 bilhões de janeiro a novembro do ano passado para US$ 16,1 bilhões este ano. Com isso, o déficit da conta turismo foi reduzido de US$ 17 bilhões para US$ 10 bi.

A projeção do mercado, segundo a Pesquisa Focus, é de que o saldo da balança comercial salte para US$ 33 bilhões no ano que vem, puxado por uma recuperação das exportações e pela melhora das economias americana e europeia. O real mais desvalorizado por um longo período também vai permitir que as empresas brasileiras consigam firmar contratos em novos mercados. Há ainda a expectativa de alguma recuperação dos preços das commodities, embora ninguém acredite em aumentos muito fortes.

Pelo lado ruim desses números externos, há a forte redução das importações de bens de capital, que recuaram 20% de janeiro a novembro. Isso é reflexo da recessão e da falta de confiança dos empresários, que levou ao corte de investimentos.

As exportações também despencaram em praticamente todos os segmentos e categorias. No acumulado até novembro, a queda das vendas externas chega a 16%. A venda de bens de capital caiu 12%, a de bens de consumo caiu 10%, e a de matéria-primas, 14%.

Nos últimos 10 anos, a economia brasileira cresceu puxada pelo consumo interno e pelas exportações de matéria-prima. O desafio para o país é conseguir mudar esse modelo de crescimento. O foco tem que ser nos investimentos, em vez de apenas no consumo. E deve-se buscar uma pauta de exportação mais diversificada e não tão dependente das commodities. Essas mudanças não são triviais e exigirão do governo e do Congresso apetite para reformas que aumentem a nossa competitividade.

O país precisa também se integrar às cadeias globais de suprimento, o que mudaria a natureza e a escala do nosso comércio exterior. O país importaria mais e exportaria mais. Para conseguir isso, além do aumento da competitividade, é necessário abrir mais a economia e fazer novos acordos de comércio, movimento contrário ao que foi seguido pela economia nos últimos anos. O governo e lideranças empresariais preferiram apostar nas barreiras ao comércio, em incentivos localizados, e na esperança de um acordo multilateral. A Rodada Doha fracassou, as barreiras ao comércio foram condenadas pela Organização Mundial do Comércio e o superciclo das commodities acabou. Perdemos tempo na necessária atualização do comércio exterior.

O ano de 2015 termina com mais este item na lista das tarefas necessárias. Mas é um pequeno alívio saber que, pelo menos no setor externo, já houve esse forte ajuste, como consequência da alta do dólar. Pode ser o caminho da recuperação.