O globo, n. 30090, 25/12/2015. Rio, p. 5

Aumenta a pressão

RAFAEL GALDO

LUIZ ERNESTO MAGALHÃES

MP também consegue liminar para que governo pague salários até o fim deste mês.

“(A Justiça) Pode mandar também um carro-forte com o recurso junto. Porque eu não tenho o recurso para pagar”
Luiz Fernando Pezão
Governador

Com insumos recebidos de hospitais federais e o pagamento de funcionários, atendimento a pacientes é retomado gradualmente na rede estadual de saúde

Em plena crise, mais uma decisão judicial obriga o governo do Estado do Rio a liberar recursos. Desta vez, o Ministério Público obteve liminar para receber os salários de dezembro até o dia 30, apesar de o novo calendário prever o pagamento até o sétimo dia útil de janeiro. Também o Tribunal de Justiça já tinha obtido a mesma vitória no STF. O governo sofreu ainda outras duas derrotas: uma que manda o estado investir R$ 635,1 milhões na saúde para cumprir a meta constitucional de 12%, e outra que determina o pagamento dos salários dos funcionários terceirizados de seis unidades de saúde.

Ao garantir que vai recorrer de todas as decisões, o governador Luiz Fernando Pezão foi irônico: “A Justiça pode mandar também um carro-forte com o recurso junto. Porque eu não tenho o recurso para pagar.” Ontem, alguns hospitais estaduais, como o Albert Schweitzer, em Realengo, começaram a ter o atendimento a pacientes normalizado após o estado obter recursos para pagar aos funcionários. O governo recebeu ontem medicamentos e outros insumos doados pela União para hospitais estaduais. Serão 300 mil itens. Enquanto a rede estadual de saúde vive uma situação de emergência, decretada anteontem, mais uma decisão judicial pressiona o governo. Desta vez, o Ministério Público conseguiu uma liminar para receber os salários de dezembro até o dia 30, como antecipou a coluna de Ancelmo Gois no site do GLOBO. Agora, já são quatro determinações da Justiça que mandam o governador Luiz Fernando Pezão fazer gastos neste fim de ano turbulento. Ontem, Pezão disse que recorrerá das liminares e ironizou a situação.

— (A Justiça) Pode mandar também um carro-forte com o recurso junto. Porque eu não tenho o recurso para pagar — disse, ao receber, no Hospital Federal da Lagoa, medicamentos e insumos doados pela União para abastecer a rede estadual.

Na terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha ordenado que o estado pagasse, também até o dia 30, os salários de dezembro do Judiciário (cerca de R$ 250 milhões). Na quarta-feira, uma liminar obrigou o estado a pagar, em 24 horas, todos os recursos destinados por lei à saúde, cumprindo o percentual de 12% da receita fluminense (R$ 635,1 milhões, segundo o Sindicato dos Médicos do Rio). E, no mesmo dia, a Justiça do Trabalho determinou que fossem quitados, em no máximo 48 horas, os salários de contratados pela organização social (OS) que administra o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, e mais cinco unidades.

O MP entrou com a ação no TJ depois de o estado não repassar os recursos de dezembro para a instituição. De acordo com a Constituição Federal, o chamado duodécimo deveria ter sido depositado até o último dia 20. As ações do TJ e do MP foram uma reação a um decreto do governador, alterando o calendário de pagamentos dos servidores: agora, os depósitos podem ser feitos até o sétimo dia útil de cada mês. MP PRECISARIA DE R$ 89,4 MENSAIS A decisão favorável ao MP saiu na quarta-feira, por iniciativa do desembargador Celso Ferreira Filho, terceiro-vice-presidente do TJ. Ele citou o artigo 168 da Constituição Federal, que estabelece o dia 20 como a data para repassar os recursos. O MP não divulgou o total a ser recebido. Em média, no entanto, esse valor é de R$ 89,4 milhões mensais.

O procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, não atendeu aos pedidos de entrevista feitos pelo GLOBO. Sua assessoria informou apenas que a decisão de recorrer à Justiça contra o estado teve o objetivo de assegurar uma garantia constitucional. O presidente do TJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, não comentou as novas críticas do governador.

Na terça-feira, Pezão já havia dito que, ao recorrer ao STF, faltara sensibilidade da Justiça do Rio com a situação da saúde estadual. Em resposta, o TJ manifestou, em nota, “estranheza acerca das declarações” do governador. Disse ainda que seu objetivo foi assegurar o cumprimento da Constituição Federal. “O Poder Judiciário estadual tem colaborado, na medida de suas atribuições constitucionais, com o Poder Executivo e continuará adotando a mesma postura”, afirmou no texto.

Na visita ao Hospital da Lagoa ontem, o governador voltou a se reunir com o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, com o secretário estadual de Saúde, Felipe Peixoto, e com o futuro titular da pasta, Luiz Antônio Teixeira Júnior. Os insumos hospitalares doados foram levados para os hospitais Getúlio Vargas, na Penha, Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, e Alberto Torres, em São Gonçalo.

Segundo explicou Beltrame, nos próximos dias serão entregues cerca de 300 mil itens hospitalares do governo federal às unidades de saúde do estado, incluindo luvas cirúrgicas, próteses ortopédicas e medicamentos — como dipirona e antibióticos —, que somarão R$ 20 milhões. Além disso, 25 pacientes de unidades estaduais já foram transferidos para hospitais federais, como parte do esforço para regularizar o atendimento. BOLETINS DIÁRIOS SOBRE HOSPITAIS Na instauração de um gabinete de crise para tentar resolver a situação, Pezão já tinha anunciado esta semana ter conseguido R$ 297 milhões (incluídos R$ 100 milhões da prefeitura do Rio) para sanar as dívidas na saúde. Segundo ele, o valor é quase o dobro do mínimo necessário para o funcionamento da rede. Com esse dinheiro, Pezão afirmou que, anteontem, começaram a ser enviados repasses às organizações sociais. Ele espera que, a partir de segunda-feira, os pagamentos de médicos e enfermeiros dessas instituições sejam normalizados.

— Tudo que entrar (no caixa do estado) vamos direcionar para a saúde — disse Pezão, prevendo um 2016 também complicado. — Vou cortar mais onde precisar, para nos dedicarmos principalmente às políticas básicas, como saúde, educação, segurança e assistência social. O Estado do Rio vive a maior crise entre os 27 estados da nação. Temos o maior déficit do país.

Pezão também afirmou que, este ano, o estado teve pouco mais de 12% da receita empenhados à saúde. Em 2016, segundo ele, o governo vai priorizar os atendimentos de média e alta complexidade.

O futuro secretário de Saúde, Luiz Antônio Teixeira, acrescentou que, a partir da semana que vem, serão divulgados boletins diários sobre o funcionamento dos hospitais.

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Prefeitura repassa ajuda de R$ 25 milhões

 

A prefeitura do Rio depositou ontem cerca de R$ 25 milhões nas contas de Organizações Sociais (OS) e fornecedores que prestam serviços para os hospitais estaduais Albert Schweitzer, em Realengo, e Rocha Faria, em Campo Grande. O repasse faz parte de um acordo fechado anteontem com o governador Luiz Fernando Pezão, no qual o município se comprometeu a emprestar recursos ao estado para tentar normalizar o atendimento nas duas unidades.

O auxílio poderá chegar a R$ 100 milhões até o fim de fevereiro. O serviço de emergência dos dois hospitais é considerado de referência na Zona Oeste. O município ainda está conversando com o estado para estabelecer como será ressarcido.

— Parte dos recursos que repassamos será destinada ao pagamento da folha salarial de novembro e do 13º dos médicos e outros profissionais de saúde vinculados às Organizações Sociais. A outra parte será para a aquisição de insumos, bem como o pagamentos de fornecedores — explicou o secretário executivo de coordenação de governo municipal, Pedro Paulo Carvalho.

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Hospitais voltam a receber pacientes após pagamento de funcionários

Célia Costa e Rafael Nascimento

No Getúlio Vargas, no entanto, restrição no atendimento continua.

A mobilização das autoridades, anunciada anteontem, começa a amenizar o sofrimento de pacientes que procuram a rede estadual de saúde. Havia pelo menos 11 hospitais e 17 UPAs com problemas até ontem, mas, com o pagamento de médicos e funcionários e a chegada de material, algumas unidades começaram a receber doentes sem restrição.

Os hospitais Albert Schweitzer, em Realengo, e Rocha Faria, em Campo Grande, que receberam recursos da prefeitura, retomaram ontem a rotina de atendimentos. A procura, no entanto, foi baixa. Funcionários informaram que os salários teriam sido normalizados.

A emergência do Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, uma das mais movimentadas da Zona Norte, no entanto, continuava com atendimento restrito ontem. Cartazes informavam que apenas pacientes com risco iminente de morte seriam admitidos. O movimento foi muito menor do que o habitual. Segundo funcionários, diante das informações sobre a crise, as pessoas evitam procurar a unidade. Durante a madrugada, uma mulher com hemorragia externa foi uma das poucas a conseguir atendimento. Por volta das 3h45m, parentes dela aguardavam do lado de fora do hospital.

— A minha tia perdeu muito sangue. Ela veio de ambulância até aqui — contou o sobrinho da paciente, o bombeiro civil Bergson Pereira. — Agora vamos esperar o que acontecerá com ela.

Já na UPA de Realengo, a dona de casa Michelle Carvalho não conseguiu atendimento para a filha Lissandra, de 14 anos, que estava com febre e dores abdominais. A jovem passou pelo setor de triagem e foi orientada a procurar uma Clínica da Família, porque a UPA só está aceitando casos mais graves.

— É um absurdo. Disseram que só poderiam atender se ela estivesse em estado crítico. E se a menina piorar? — perguntou Michelle, revoltada.

Na última segunda-feira, como mostrou ontem o “Bom dia, Rio”, da Rede Globo, uma mulher deu à luz na calçada em frente ao Hospital da Mãe, em Mesquita. Ela contou que foi atendida, mas liberada para voltar no domingo. Logo após sair, ainda com dores, deu à luz uma menina. A médica alegou que tinha deixado a gestante sair apenas para fazer um lanche. O estado informou que a unidade voltou a funcionar sem restrição ontem à tarde.