Alta de juros pelo Fed pode ter danos colaterais em mercados emergentes

Ian Talley 

17/12/2015

O primeiro aumento de juros anunciado pelo Federal Reserve, o banco central americano, em quase dez anos está alimentando temores de uma nova onda de turbulência em mercados emergentes já abalados por crises financeiras, altos níveis de endividamento e uma demanda anêmica.

Os investidores já sacaram um total líquido de US$ 500 bilhões dos mercados emergentes em 2015, o que marca a primeira saída anual de capital desse bloco de países em décadas. A questão agora é se a decisão do Fed provocará uma debandada de capital estrangeiro.

O fortalecimento do dólar induzido pelas políticas do Fed poderia agravar os problemas de países como Brasil, Turquia e Rússia, onde empresas acumulam um enorme nível de dívidas na moeda americana. Com as moedas locais enfraquecidas, fica muito mais difícil pagar as dívidas em dólar.

"A maior preocupação para os mercados emergentes está relacionada com o câmbio", diz Megan Greene, economista-chefe da gestora de recursos John Hancock Asset Management. "Como praticamente todos os outros bancos centrais continuam afrouxando [a política monetária] e o Fed está apertando gradualmente, o dólar vai continuar se fortalecendo."

Um ponto crucial são os sinais dados pelo Fed de como pretende definir a trajetória de aumentos dos juros. Uma trajetória mais agressiva poderia enervar os mercados.

Muitas moedas de mercados emergentes já estão sob pressão em meio à preocupação dos investidores com a saúde dessas economias. O Banco Mundial alertou, na semana passada, sobre "o início de uma era de fraco crescimento para os mercados emergentes", deflagrada pela valorização do dólar, as minguadas perspectivas de crescimento, a queda dos preços das commodities e um declínio da produtividade.

O Fundo Monetário Internacional tem emitido sinais de alerta há vários meses. Segundo as estimativas do FMI, os mercados emergentes tomaram emprestado trilhões de dólares além do que os preços das commodities e a demanda global poderiam sustentar. Embora grande parte dessa dívida tenha sido acumulada por empresas, problemas no setor corporativo poderiam facilmente se espalhar pelos mercados financeiros e pesar sobre as finanças públicas. Essa é uma das razões pelas quais o FMI exortou repetidamente o Fed a esperar até 2016 para elevar os juros.

Os efeitos colaterais da decisão do Fed ao redor do mundo podem ser consideráveis: os países em desenvolvimento agora respondem por quase 40% da produção econômica global.

Para encontrar provas disso, basta olhar para a China, a segunda maior economia do mundo. A desaceleração econômica do país é citada como um das causas principais do declínio dos preços das commodities. Essa queda dos preços e o encolhimento da demanda da China estão forçando governos e economistas a reduzir suas previsões de crescimento para uma série de países em todo o mundo. A China também tem acumulado dívida.

"Meu cenário de pesadelo é que eles tenham uma avalanche de inadimplência e o governo intervenha para resgatar todo mundo", diz Greene.

Mesmo em países onde os empréstimos não parecem ser um problema, as dívidas dos mercados emergentes ainda poderiam aumentar velozmente. Os custos dos empréstimos poderiam disparar se os investidores se assustarem e provocarem uma fuga de capitais.

Carmen Reinhart, economista da Universidade Harvard, diz que também há o risco de que a carga de dívida esteja sendo subestimada por uma ampla margem. "Nesse caso, a magnitude da reversão no fluxo de capital estrangeiro que as economias emergentes estão experimentando pode ser maior do que tem sido previsto - potencialmente grande o suficiente para desencadear uma crise", diz ela.

É verdade que os mercados emergentes têm melhores defesas hoje do que tinham durante as crises latino-americana e asiática de décadas anteriores. Muitos países reforçaram suas reservas desde então e adotaram taxas de câmbio flexíveis, medidas que podem ajudar a absorver os choques causados por uma fuga de capitais.

Mas, no geral, os governos têm um espaço de manobra muito menor em seus orçamentos para impulsionar o crescimento. E os bancos centrais não têm o poder de fogo que tinham em anos recentes, quando os mercados emergentes registravam taxas de crescimento muito mais elevadas.

"O espaço para políticas [monetárias] é bastante limitado", diz Ayhan Kose, chefe da unidade de previsão econômica do Banco Mundial.

Antes da recessão global de 2009, os governos de mercados emergentes, na média, registravam superávits no orçamento. Agora, esses governos se afundaram em um déficit orçamentário correspondente a uma média de 4% do produto interno bruto.

As moedas desvalorizadas desses mercados têm gerado problemas de inflação para muitos bancos centrais, especialmente nos países exportadores de commodities, forçando as autoridades monetárias a elevar os custos dos empréstimos para conter a alta dos preços. E, embora a queda dos preços do petróleo tenham dado aos bancos centrais de países que importam a commodity um certo respiro para cortar as taxas de juros, as pressões inflacionárias poderiam voltar quando os efeitos do petróleo barato se atenuarem.

Os economistas alertam que os problemas de dívida de mercados emergentes ainda não foram totalmente absorvidos por muitas economias. Esses problemas poderiam se acelerar ainda mais à medida que o Fed comece a elevar os juros mais agressivamente, empurrando para cima tanto o valor do dólar quanto os custos dos empréstimos.

Ao mesmo tempo, a incerteza política tem piorado a situação e azedado o ambiente para novos investimentos.

O escândalo de corrupção no Brasil ameaça paralisar o governo. A Rússia tem sido o alvo de sanções internacionais já há dois anos. Os investidores estão céticos sobre o compromisso de Pequim de reformar a economia da China. E os governos da Índia e da África do Sul estão penando para superar as dificuldades que assolam suas economias.

David Folkerts-Landau, economista-chefe do Deutsche Bank, diz que o crescimento nos mercados emergentes poderia ter uma recuperação, embora fraca, se as contrações na Rússia e no Brasil se atenuarem. "Mesmo assim, 2016 será um ano desafiador para os mercados emergentes, à medida que a queda dos preços das commodities e o fraco crescimento do comércio global prolonguem a experiência recente de pressões orçamentárias e na balança de pagamentos", diz ele.

Valor econômico, v. 16 , n. 3906, 17/12/2015. Empresas, p. B9