Correio Braziliense, n. 19.118, 29/09/2015. Opinião, p.11

O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária

Tramita atualmente no Senado Federal o Projeto de Lei nº 186/2015, originado do Projeto de Lei da Câmara n.º 2.960/2015, que objetiva incentivar e criar mecanismos para a regularização do patrimônio mantido por brasileiros no exterior e não declarado às autoridades cambiais e fiscais nacionais.

A interessante iniciativa parlamentar não está desacompanhada de importante motivação econômica e tampouco se encontra à margem da atual realidade do cenário jurídico-tributário internacional. Muito pelo contrário.

Os efeitos que decorrem dos esforços implementados, ao longo dos últimos anos, por diversas nações, em especial os países europeus (capitaneados pela Alemanha) e os Estados Unidos, para o aumento progressivo nos mecanismos de troca, gestão e controle das informações fiscais já são, hoje, claramente perceptíveis.

O cerco imposto pelas autoridades fiscais internacionais, que cada vez mais atuam em cooperação, à prática de evasão de divisas se fecha em ritmo acelerado e o reflexo disso já foi notado pelos brasileiros, que aumentaram significativamente os pedidos de consultoria e assessoria para organizarem e, principalmente, entenderem as alternativas que estão a seu alcance.

Por outro lado, o atual cenário econômico, associado à escassez de recursos no caixa governamental, representam mais uma importante razão para que o projeto de lei caminhe em passos largos no Poder Legislativo, com apoio, inclusive, das lideranças do governo.

Não bastasse a receita que será gerada com o pagamento do imposto de renda (à alíquota de 15% conforme prevê o projeto atualmente) e a multa de regularização (100% do imposto pago), a União Federal enxerga com bons olhos a possibilidade de o projeto de lei assegurar a repatriação de parte dos recursos mantidos no exterior e não declarados por brasileiros, estimados em aproximadamente US$400 bilhões.

Ademais, ainda que o RERCT não possa assegurar a reintegração dos valores ao mercado nacional, ele certamente possibilitará a ampliação das bases tributáveis, com o acréscimo do patrimônio que vier a ser regularizado, ainda que permaneça no exterior.

O tema do projeto, portanto, vem em ótima hora e, se for conduzido com a devida atenção pelas casas legislativas, pode se consagrar como a oportunidade tão aguardada de afastar a obscuridade jurídica que pairou por décadas sobre parte do patrimônio brasileiro mantido no exterior e que interessa tanto ao governo quanto aos cidadãos.

Para que alcance tal patamar e atinja o importante objetivo almejado, contudo, o projeto deve ser amplamente debatido e avaliado, com a imprescindível participação da sociedade, antes de sua aprovação final.

Basicamente, de acordo com a redação atual, o projeto prevê a criação de uma declaração específica, pela qual, dentro do prazo de 210 dias a contar do ato da Receita Federal que vier a regulamentar a respectiva lei, os interessados em aderir ao RERCT deverão prestar informações acerca da integralidade de seu patrimônio no exterior (ou aquele já repatriado irregularmente), tendo por base o cenário patrimonial na data de 31 de dezembro de 2014.

A redação do projeto em 12.11.2015, momento em que o texto deixou a Câmara dos Deputados com destino ao Senado Federal, continha regra pela qual aquele que pretendesse regularizar seu patrimônio deveria recolher o Imposto de Renda, à alíquota de 15% (equiparada ao ganho de capital) sobre o valor de tal patrimônio na data de 31 de dezembro de 2014, convertido para Reais com o câmbio vigente na aludida data.

Ao valor do imposto acima descrito seria acrescida a denominada multa de regularização correspondente a 100% do valor do imposto pago. Em suma, 30% do valor do patrimônio seria o “custo” de regularização, de acordo com o texto aprovado pela Câmara.

Obviamente, estão excluídos do projeto os valores, recursos ou bens mantidos no exterior que se originem de práticas criminosas.

Como contrapartida à regularização do patrimônio e ao pagamento do imposto e da multa, seria assegurada aos participantes do RERCT a extinção de quaisquer outras obrigações cambiais e tributárias, principais ou acessórias, bem com a extinção da punibilidade e da culpabilidade em relação a eventuais crimes decorrentes da manutenção de tais valores sem a correspondente declaração durante o período anterior ao processo de regularização.

Estão previstos, ainda, no projeto determinados mecanismos que visam assegurar aos interessados em aderir ao regime o direito ao sigilo quanto às informações que vierem a ser prestadas quando da declaração de regularização, o que se coaduna com a intenção de estimular o fornecimento de dados que foram mantidos por tanto tempo em segredo.

 

O texto em tramitação já sofreu melhorias desde as primeiras versões apresentadas, tal como a supressão de omissão relevante, presente no texto original, quanto à forma de demonstração da origem dos recursos mantidos no exterior.

Contudo, a nosso ver, o projeto segue apresentando alguns pontos sujeitos a críticas, tanto em relação a dispositivos cujo conteúdo é pouco claro, quanto no que diz respeito à ausência de estímulos maiores para efetividade da medida pretendida.

Sendo assim, embora elogiável a iniciativa contida no projeto de criação do RERCT, que, além de refletir antigo anseio de parte dos cidadãos brasileiros, pode representar, finalmente, a oportunidade para inclusão de importantes fontes que estavam injustamente excluídas da tributação, é vital que o Congresso trate com a máxima atenção a tramitação do referido projeto, dando a este a celeridade necessária sem, contudo, excluir a participação da sociedade neste debate.

O sucesso do aludido projeto está intrinsecamente vinculado à capacidade do mesmo em assegurar confiança legítima àqueles que pretendem, finalmente, abrir as trancas de acesso a um patrimônio que, por décadas, esteve escondido a sete chaves.