País 'envelhece' e ensino básico perde 5,1 milhões de alunos em 14 anos

Ligia Guimarães

24/09/2015

Em 14 anos, o Brasil reduziu em cerca de 7,2 milhões o número de crianças e adolescentes matriculados no ensino fundamental (6 a 15 anos de idade) das escolas da rede pública e privada de ensino. Ganhou, no entanto, 2,5 milhões de novas matrículas na educação infantil (creches e pré-escolas, para crianças de até 5 anos), e perdeu outras 360,9 mil no ensino médio (15 a 18 anos). No saldo líquido, a educação básica perdeu, entre 2000 e 2014, 5,1 milhões de alunos, segundo dados do Censo Escolar do Ministério da Educação.

A mudança no fluxo escolar abre espaço para que a gestão pública repense o modo de investir em educação, realocando recursos com mais foco em qualidade. As prioridades, na visão de economistas e especialistas em educação ouvidos pelo Valor, passam por ampliar a oferta de ensino integral, selecionar melhores professores e recuperar os milhares de alunos que estão fora da escola no país.

A redução no número de alunos foi mais expressiva nos anos iniciais do ensino fundamental, de 1ª à 4ª séries, onde a diminuição foi de 4,5 milhões de alunos no mesmo período. A mudança no fluxo das matrículas reflete a diminuição da população em idade escolar, fenômeno que deve continuar pelos próximos anos.

Diante do novo cenário, uma das possibilidades é ampliar o tempo que o aluno permanece na escola, afirma Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. "Dá para selecionar mais os professores, contratar só os melhores e aumentar o salário deles para eles darem mais aula. O que funciona são aulas de reforço mesmo, em português e matemática, oferecidas à tarde, por exemplo, como acontece nas escolas particulares."

A projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que, até 2030, a parcela da população entre 5 e 19 anos, faixa etária elegível para a educação básica, cairá de 52,9 milhões de pessoas para 41,5 milhões, redução de cerca de 20%. Patricia Mota Guedes, mestre em políticas públicas pela Universidade de Princeton e gerente da Fundação Itaú Social, afirma que esse cenário não abre espaço para fechar escolas ou reduzir os gastos em educação.

"Fechar escolas em um país como um Brasil em que ainda temos crianças expostas a apenas três, quatro horas de aprendizagem não é admissível. O que há de se fazer é repensar o número de horas oferecidas a jovens da rede e pensar também a qualidade", diz.

A prioridade, diz Patricia, deve ser tornar mais atrativo o salário de professores e gestores da educação. "Se você tem um respiro em relação à oferta de matrícula, você pode começar a investir nessas áreas que são estruturantes para a educação em todas as áreas."

Outra "oportunidade" que surge com a transição demográfica é abrir caminho para recuperar os cerca de 2,8 milhões de crianças de 4 a 17 anos que estão fora da escola atualmente no Brasil, segundo dados do ministério.

Só em São Paulo, Estado em que houve redução de 1,8 milhão de alunos matriculados na rede estadual de ensino fundamental e médio, a estimativa é que haja 260 mil jovens de 15 a 17 anos fora da escola, de acordo com Rafael Camelo, assessor técnico da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

Procurado pelo Valor, o MEC respondeu, por e-mail, que está atento a essa questão [demográfica] e às mudanças que ela pode trazer. "A nossa maior preocupação ainda é com a inclusão dos alunos que estão fora das escolas. Os índices apontam um desafio maior no ensino médio e o MEC tem trabalhado muito com esta faixa etária", afirma o texto.

Menezes, do Insper, diz que o efeito demográfico sobre a educação afetará mais os Estados e municípios com baixa proporção de repetentes, como é o caso de São Paulo. "Se tem mais gente atrasada, primeiro você vai ter que ajustar o ciclo para depois ver essa queda mais forte nas matrículas", diz. Thiago Alves, pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que diz que o fenômeno demográfico "ajudará" menos as regiões que recebem fluxo migratório grande, que continuará elevando a demanda por educação.

Para Menezes, a queda no número de alunos merece atenção.

"Acho que as pessoas não têm noção do efeito que é diminuir um milhão de alunos", diz o especialista, que prevê que, com menos demanda, o gasto por aluno subirá muito no Estado. "Uma das únicas coisas que funciona para melhorar o aprendizado e em que você pode gastar o dinheiro é aumentar o número de horas-aula", afirma Menezes. Segundo ele, o ideal seria estender a oferta de ensino integral a todos os alunos. Atualmente, há em todo o Estado de São Paulo cerca de 500 escolas com jornada igual ou superior a 7 horas. O objetivo anunciado pela Secretaria de Educação de São Paulo é chegar a mil unidades até 2018.

Para o coordenador do Insper, o cenário de menos alunos permite selecionar melhor os professores. "Não precisa abrir tanto concurso para professores, principalmente para os anos iniciais", diz Menezes, que sugere até, em um cenário ideal, a adoção de um período probatório antes da contratação definitiva do professor, a exemplo do que acontece no setor privado.

Patricia, da Fundação Itaú Social, diz que é importante melhorar a qualidade da educação infantil, onde o atendimento ainda é deficitário. "O desafio é não só garantir oferta, mas qualidade dos educadores e do ambiente".

Roberto Catelli Jr, especialista em educação da ONG Ação Educativa, diz que o efeito demográfico fará pouca diferença no ensino médio, onde o maior desafio é reduzir os grandes índices de evasão. "Nessa faixa, o número de matrículas não poderia estar caindo, dado que você tem um grande número de não concluintes. No ensino médio, mais forte que a questão populacional é a evasão escolar", diz.

Thiago Alves, da UFPR, destaca que educar as crianças e jovens brasileiros se torna ainda mais urgente. "Teremos muito menos crianças daqui 20 anos. Vamos perder mais uma geração ou fazer isso agora?"

Valor econômico, v. 16 , n. 3848, 24/09/2015. Brasil, p. A4