Acordos em ações de improbidade

 

FÁBIO MEDINA OSÓRIO 

O globo, n. 29995, 21//09/2015. Opinião, p. 15

 

ALei 12.846/ 12, a chamada Lei Anticorrupção, responsabiliza diretamente a empresa em cujo nome alguém praticar atos de corrupção. Não é necessário comprovar se houve intenção dos empresários ou se a corrupção apenas beneficiou algum funcionário, que agiu isoladamente. Mesmo assim, a empresa poderá ser condenada.

Antes da Lei Anticorrupção, as empresas já poderiam ser punidas pela chamada Lei da Improbidade Administrativa ( 8.429/ 92), por responsabilidade subjetiva, vale dizer, se houvesse violação a deveres de cuidado. Coexistem, pois, duas leis ( Anticorrupção e Improbidade Administrativa), aplicadas por autoridades distintas, com competências diferenciadas, ações de improbidade administrativa e empresarial.

Uma ação de improbidade administrativa pode ensejar: a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; b) ressarcimento integral do dano moral ou material; c) pagamento de multa; d) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. Já a Lei Anticorrupção prevê aplicação das seguintes penas: a) multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo; b) divulgação obrigatória da condenação; c) perda dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa- fé; d) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; e) dissolução compulsória da pessoa jurídica; e f ) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo máximo de cinco anos.

Vale lembrar que a Lei Anticorrupção admite acordos de leniência apenas na esfera administrativa, enquanto a Lei de Improbidade não admite tais acordos em hipótese alguma. O acordo de leniência isenta a pessoa jurídica das sanções de publicação da decisão condenatória e da proibição de receber valores de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras estatais; reduz o valor da multa em até dois terços; exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado; e o acordo pode ser extensível às pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo econômico.

A celebração de acordo de leniência também é admitida em relação a ilícitos previstos na Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos, com vista à isenção ou à atenuação das sanções. O que se questiona, diante desses benefícios legais, é se o Ministério Público então pode incluir a desistência de uma ação de improbidade como parte de um acordo de leniência, na medida em que a pessoa jurídica estiver interessada em extinguir essa outra ação. Ou, avançando, se um acordo de colaboração premiada, no juízo criminal, poderia contemplar imunidade frente às ações de improbidade administrativa e empresarial. A Lei da Improbidade proíbe transação, acordo ou conciliação no âmbito de seu alcance. Mas na Anticorrupção, não há menção ao conteúdo do acordo ou quanto ao que pode, ou não, ser objeto de negociação entre a autoridade policial, o Ministério Público, o acusado e seu defensor. E a lei penal é silenciosa, presumindo- se que tenha eficácia restrita ao seu raio de incidência.

Este contexto pode resultar num cenário de elevada insegurança jurídica, se não houver espaço à coerência e interpretação razoável do sistema jurídico. Se o mesmo titular da ação penal for o titular da ação de improbidade, e também da ação anticorrupção empresarial, e houver celebrado acordos, deve ser possível construir uma solução consistente do ponto de vista normativo. Teoricamente, o Direito Penal é mais grave do que o Direito Administrativo Sancionador, notadamente nos ilícitos que contemplam penas privativas de liberdade. Nesses casos, não é razoável que um colaborador seja contemplado com perdão judicial nas ações penais e permaneça exposto às de improbidade administrativa e empresarial ( através da pessoa jurídica que representa), se houver consenso entre as partes e a possibilidade do acordo, quando a solução perpassa a via legal ou jurisprudencial.

Todavia, é um tema que depende da observância das regras de competência e atribuição das instituições, transparência dos critérios e isonomia de parâmetros. Acordos mal celebrados colocam em risco as próprias empresas, na medida em que suas imunidades podem ser a posteriori questionadas, independentemente dos valores pagos a título de ressarcimento e composição de danos. E competências dependem de critérios técnicos e de diálogos interinstitucionais. Há diferenças entre pessoas jurídicas e seus representantes legais. As leis anticorrupção e de improbidade não se confundem e coexistem, assim como não são absorvidas por qualquer legislação penal. Para evitar insegurança jurídica, é necessário contar com qualificado apoio técnico e lastro fundamentado nas decisões.