Ao tentar manobra para beneficiar PL, Kassab irrita base do governo

 

JÚNIA GAMA, WASHINGTON LUIZ E CAROLINA BRÍGIDO

O globo, n. 30003, 29//09/2015. País, p. 4

 

Um pedido do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, ao governo pelo veto a um item da reforma política sobre fidelidade partidária levou parlamentares de partidos aliados a pressionar o Palácio do Planalto contra o que consideraram uma manobra para beneficiar a criação do Partido Liberal ( PL), articulado por Kassab. A solicitação do ministro, presidente licenciado do PSD, foi confirmada em nota pela Casa Civil. Líderes de outros partidos da base disseram que, caso a manobra se concretizasse, o governo poderia sofrer uma derrota na votação dos vetos presidenciais marcada para amanhã. O movimento, que causou ruído político durante o dia, acabou enfraquecido por parecer encaminhado ontem pelo Ministério Público Eleitoral ao Tribunal Superior Eleitoral ( TSE), contrário à criação do PL por não ter conseguido reunir o número mínimo de assinaturas de apoio exigido por lei ( meio por cento dos votos dados na última eleição para a Câmara dos Deputados, não computados os brancos e nulos, o que corresponde a 484.169 assinaturas, que deverão estar distribuídas em pelo menos nove estados).

HANS VON MANTEUFFEL/ 26- 6- 2015Fidelidade partidária. Kassab pediu ao governo veto a item da reforma

Na pauta do Congresso esta semana estão o aumento salarial dos servidores do Judiciário e a correção das aposentadorias pelas regras do salário- mínimo, dois itens vetados pela presidente Dilma Rousseff, que, derrubados, podem gerar um prejuízo de R$ 36,2 bilhões e R$ 11 bilhões, respectivamente, nos próximos quatro anos.

Pela legislação ainda em vigor, o parlamentar pode deixar seu partido para se filiar a uma nova legenda sem risco de perder o mandato. A lei que Dilma deverá sancionar acaba com essa possibilidade. Para garantir a criação do PL e a migração de parlamentares de outros partidos, Kassab pediu ao governo que vetasse a mudança na regra.

RAUPP: “É UM ESCÂNDALO”

Para aliados do governo, a recriação do PL é uma forma de esvaziar as principais legendas da base, em especial o PMDB. Lideranças aliadas procuraram ministros do governo ontem para pedir que a sanção da presidente ao projeto de minirreforma eleitoral aprovado pelo Congresso seja publicada até hoje, antes de o TSE decidir sobre a criação do PL, o que também pode acontecer hoje.

O governo afirmou que a sanção será feita dentro do prazo legal, que termina amanhã. Ainda de acordo com a Casa Civil, o TSE pediu que houvesse veto com relação ao voto impresso por gerar despesas de R$ 1,8 bilhão aos cofres públicos. Na semana passada, os líderes aliados foram comunicados por auxiliares palacianos de que a presidente vetaria o financiamento empresarial de campanhas, mas sancionaria o resto.

Os parlamentares se surpreenderam com a não publicação ontem da sanção parcial da reforma e acionaram o Planalto para garantir que ela saia até hoje. Segundo esses deputados, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, garantiu que a publicação ocorrerá. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), criticou:

— É mais um capítulo da crise política de forma desnecessária.

Já o vice- presidente do PMDB, senador Valdir Raupp ( RO), foi mais contundente.

— A presidente Dilma segurar essa sanção para dar tempo ao Kassab é um escândalo. Toda ação provoca uma reação — alertou, completando: — Nossa democracia não vai resistir a essa escalada de criação de partidos. Como uma pessoa só pode ter dois partidos? Já entramos com uma ação no TSE contra essa manobra para criação do PL lá atrás. O alvo não é só o PMDB, são todos os partidos.

O líder do PR, Maurício Quintella ( AL), telefonou para Ricardo Berzoini para dizer que o governo não poderia atrasar a sanção do projeto para garantir ao PL o benefício de manter a janela para atrair parlamentares de outros partidos.

— O governo não pode, por meio de uma manobra, garantir ao PL que possa tirar um monte de parlamentares de outros partidos da base. Atrasar o processo de sanção para desidratar os outros partidos da base é algo que não vamos aceitar. Se o governo não publicar até amanhã ( hoje) esse veto, corre o risco de ter problemas graves na votação dos vetos — afirmou Quintella.

INSATISFAÇÃO GERAL

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira ( PI), também conversou com Berzoini para dar o mesmo recado. Segundo o líder do partido na Câmara, Eduardo da Fonte ( PE), o PP deixou claro que o atraso pode prejudicar a votação dos vetos.

— Não dá para arrumar briga com todos os partidos por causa do PL — afirmou.

O líder do PTB, deputado Jovair Arantes ( GO), foi mais um a se queixar com Berzoini:

—É o Kassab contra os outros partidos todos. A presidente tem que botar na balança a quem ela vai atender. Esta semana tem votação dos vetos e isso pode ficar ameaçado.

 

Marina começa a apresentar ‘colheita’

 

FERNANDA KRAKOVICS

 

Ao assinar a ficha de filiação do senador Randolfe Rodrigues ( AP), que trocou o PSOL pela Rede Sustentabilidade, a ex- senadora Marina Silva afirmou que PT e PSDB estão estagnados, e que seu partido quer contribuir para melhorar a qualidade da política brasileira. Apesar de atacar o governo Dilma Rousseff, principalmente pela crise econômica, ela classificou como “oportunismo político” defender impeachment neste momento.

JORGE WILLIAMBenção. Randolfe beija a mão de Marina Silva: primeiro senador da Rede

— Na década de 80, final de 70, o PT deu sua contribuição. Hoje é um partido que está estagnado. O PSDB fez a mesma coisa quando saiu do PMDB, mas hoje também vive os dilemas do crescimento deles próprios e de suas estagnações — disse Marina.

Até então único representante do PSOL no Senado, Randolfe disse que se distanciou do partido durante a campanha presidencial do ano passado. Ele queria ter disputado o Palácio do Planalto, mas o PSOL lançou a ex- deputada Luciana Genro.

— Desde o ano passado, durante a campanha eleitoral, a relação com o partido se deteriorou — disse ele que, mesmo assim, fez elogios ao PSOL.

Além de Randolfe, já migraram para a Rede os deputados federais Alessandro Molon ( exPT- RJ), Miro Teixeira ( exPROS- RJ) e Aliel Machado ( ex-PCdoB- PR). Segundo integrantes do partido, ao menos outros dois outros deputados federais podem se filiar ainda esta semana. Fundadora do PSOL, a vereadora por Maceió Heloísa Helena também se filiou à Rede, assim como os deputados distritais — o equivalente a deputado estadual pelo Distrito Federal — Cláudio Abrantes ( ex- PT), Chico Leite ( ex- PT) e Luzia de Paula ( ex- PEN). No Rio, a Rede recebeu o vereador Jefferson Moura ( ex- PSOL).

— Nós não temos feito abordagem pensando em quantidade, estamos buscando compatibilizar a quantidade e a qualidade. O importante é que esse é um momento de reafirmarmos nosso objetivo de dar contribuição para melhorar a qualidade da politica — disse Marina, que disputou a Presidência ano passado, pelo PSB.