Aceno à pacificação

 

BÁRBARA NASCIMENTO E CATARINA ALENCASTRO 

Dilma afirma que Brasil deve estar acima de projetos

AILTON DE FREITASBoa vontade. Levy na residência oficial da presidência do Senado, onde Renan lhe apresentou 28 propostas

partidários ou pessoais e pede a todos que repudiem o vale-tudo na política

Em sinal de trégua, diante do clima bélico para o governo na Câmara, o presidente do Senado, Renan Calheiros, disse ontem que não considera prioridade a análise pelo Congresso das contas da presidente Dilma Rousseff, que pode levar a um pedido de impeachment. Para o senador — investigado pela Lava-Jato —, isso seria colocar “fogo no país”. Em reunião com os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, Renan apresentou um conjunto de 28 medidas para a retomada do crescimento, após o ajuste fiscal. Há propostas como a adoção da idade mínima para a aposentadoria ou a cobrança do SUS por faixa de renda. O documento, chamado de Agenda Brasil, sugere reformas em impostos e a criação de mecanismos rápidos para licenciamento ambiental. Dilma pediu aos brasileiros que repudiem o vale-tudo na política e que coloquem o país à frente de projetos partidários e pessoais. -BRASÍLIA E SÃO LUÍS- Em seu primeiro aceno explícito a uma possível pacificação com o governo, o presidente do Senado, Renan Calheiros, recebeu ontem os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, apresentou uma proposta de medidas para a retomada do crescimento econômico e afirmou que não tratará como prioridade a análise das contas da presidente Dilma Rousseff, que estão prestes a ser julgadas pelo Tribunal de Contas da União. Essas contas são vistas pelos adversários do Planalto como o principal argumento para a eventual abertura de um processo de impeachment por violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas Renan, que é investigado na Operação Lava-Jato, deixou claro que cumprirá o papel de bombeiro a favor do Planalto:

— As pessoas perguntam sobre impedimento, sobre apreciação de contas dos governos anteriores. Isso não é prioridade. À medida que o Congresso tornar isso prioritário, nós estaremos tocando fogo no Brasil. Não é isso que a sociedade quer de nós.

Diante do comportamento beligerante do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em relação ao governo, a presidente Dilma passou a apostar suas fichas no Senado, onde acredita que haverá mais ponderação, especialmente em relação às matérias que afetam a economia. Ainda na semana passada, a presidente convidou Renan para uma conversa no Planalto.

Ontem, Dilma recebeu no Alvorada 43 senadores e 21 ministros para uma reunião seguida de jantar. Ressaltando não se tratar de “confrontação com a Câmara”, ela fez um apelo para que os senadores da base aliada barrem as pautas-bomba aprovadas pelos deputados. Afirmou que não se pode minimizar a crise econômica.

— Estou correndo o risco de me tornar repetitiva, mas insisto porque o país precisa encarar o desafio agora — disse Dilma em discurso, segundo senadores que participaram do jantar.

A presidente afirmou que o Senado precisa exercer seu papel de Casa revisora, e explicou que não é possível aprovar projetos que, por exemplo, dão mais de 70% de aumento salarial.

— Ela fez um apelo para ter a colaboração do Senado, sem confrontação, para ajudar o país nessa hora de dificuldades — disse o senador Jorge Viana (PT-AC), ao deixar o jantar.

“QUANTO PIOR, MELHOR PARA QUEM?”

Além da aproximação com o Senado, a presidente deixou claro horas antes, em um evento no Maranhão, que apelará ao embate público contra os adversários para enfrentar a crise política. Ela pediu aos brasileiros que não aceitem a teoria de que devem enfraquecer o governo por desgostarem dele e que “repudiem o vale-tudo”.

— O Brasil precisa, mais do que nunca, que as pessoas pensem primeiro nele, Brasil. Pensem no que serve à nação, à população brasileira, e só depois pensem em seus partidos e em seus projetos pessoais. O Brasil precisa de estabilidade para fazer essa travessia, é como dentro de uma família. Quando há uma dificuldade, não adianta um ficar brigando com o outro porque não resolve a situação. É necessário que as medidas que sejam urgentes sejam tomadas — defendeu, completando em seguida:

— Ninguém que pensa no Brasil, ninguém que pensa no povo brasileiro deve aceitar os que falam assim: “Ah, eu não gosto do governo, então vou enfraquecê-lo”. Aí eu aposto no quanto pior, melhor. Quanto pior, melhor para quem? É pior para a população. É pior para todos nós. Quero aproveitar para fazer um apelo aos brasileiros: vamos repudiar sistematicamente o vale-tudo para atingir qualquer governo. Seja o governo federal, o governo dos estados e dos municípios. No valetudo, quem acaba sendo atingido pela torcida do “quanto pior, melhor” é a população.

Dilma reclamou da aprovação, pelo Congresso, de pautas-bomba que geram mais despesas para o governo. O evento em São Luís, que tinha o objetivo de entregar 2.020 moradias do Minha Casa Minha Vida, acabou se transformando num ato de apoio à presidente. Além dos beneficiários do programa, militantes de movimentos de moradia estavam presentes. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), aliado de Dilma, afirmou que os que estavam ali davam um abraço simbólico na democracia.

— Nós aqui do Maranhão defendemos a democracia contra qualquer tipo de golpe. É claro que todos nós somos contra a corrupção. Defendemos a investigação e a punição de quem quer que tenha feito coisa errada. Temos que separar as coisas. Com respeito à Constituição, à democracia e às regras do jogo — discursou.

A presidente também conseguiu apoio no Senado, onde parlamentares do PT atacaram a oposição e criticaram, inclusive, o TCU, que julgará as “pedaladas fiscais”. Ex-ministra da Casa Civil de Dilma, a senadora Gleisi Hoffmann (PTPR) disse que vários ministros da Corte estariam “engajados no esforço de inviabilizar o mandato da presidente escolhida por voto popular”.

— Curiosamente, são os ministros políticos os mais engajados — atacou.

O líder do PT na Casa, Humberto Costa (PE), conclamou setores da sociedade a rejeitar o golpe e a buscar um grande pacto político e social. O senador petista disse que haverá uma convulsão social se Dilma deixar o poder, e que nenhuma coalizão para sustentar um governo pósqueda seria aceita, pois os movimentos sociais e beneficiários das conquistas do governo petista vão para as ruas fazer o embate político.

— A presidente Dilma não vai renunciar e não vai ser impedida de governar! Não pensem esses entusiasmados golpistas que vamos para casa colocar o pijama e assistir à novela das oito — avisou.

Hoje, uma reunião entre os líderes do Senado deve decidir quando será votado o principal projeto de interesse do governo — que acaba com a desoneração das folhas de pagamento e eleva o imposto sobre o faturamento das empresas.

— É evidente que vamos apreciar todos os pontos do ajuste. Combinamos reunião de líderes amanhã, a pauta da semana será uma consequência dessa conversa. O ministro Levy vai dar um sinal com relação à colaboração que ele recebeu de agenda para o país — disse Renan.

PROPOSTAS DIVIDIDAS EM TRÊS ÁREAS

Renan apresentou a Levy um documento intitulado Agenda Brasil, com 28 sugestões. O encontro, na residência da presidência do Senado, incluiu, além de Levy e Barbosa, os ministros de Minas e Energia, Eduardo Braga, e da Secretaria de Portos, Edinho Araújo. O documento de três páginas entregue por Renan será analisado por Levy, mas várias demandas já vinham sendo discutidas entre os dois e são consideradas convergentes com a agenda da Fazenda.

As propostas são divididas em três áreas: medidas para facilitar o ambiente de negócios, equilíbrio fiscal e proteção social. Entre as sugestões estão: repatriação de ativos financeiros, medidas para aumentar a segurança jurídica de contratos, e a reforma do ICMS e do PIS/Cofins.

Na proteção social, o documento propõe avaliar a possibilidade de cobrança diferente de procedimentos do SUS por faixa de renda. Entre as medidas de equilíbrio fiscal, fala em “ampliar a idade mínima para a aposentadoria, mediante estudos atuariais e levando-se em conta a realidade das contas da Previdência Social”.

O fato de alguns pontos terem convergência imediata animou a área econômica do governo. Desde o início do ajuste fiscal, Renan vinha fazendo críticas às medidas de Levy justamente por não incluírem propostas de incentivo ao crescimento. A sinalização foi de que é possível chegar a um entendimento para que o governo consiga destravar as votações do ajuste fiscal.

— Com vontade política fica muito mais fácil caminhar — disse um membro da equipe econômica.

Levy citou, entre as propostas que tem procurado emplacar, iniciativas de mais abertura econômica, realinhamento de preços e “uma série de boas notícias” na parte da energia elétrica, com o intuito de garantir maior previsibilidade.

— Renan e os senadores disseram que estão preparando as condições para entrar nessa nova fase. Passando dessa primeira fase de puro ajuste fiscal, vamos pegar algumas coisas que a gente já está fazendo e botar dentro de uma agenda mais formal — disse o ministro. 

 

Aécio: ‘ Não cabe ao PSDB escolher o melhor desfecho para a crise’

 Uma semana após o PSDB defender no Congresso a realização de novas eleições, os principais presidenciáveis tucanos, o senador Aécio Neves ( MG) e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tentaram ontem distanciar o partido de uma solução para a crise política e econômica que vive o governo Dilma Rousseff. Em evento para homenagear o ex-governador Eduardo Campos, morto em agosto do ano passado, tanto Alckmin quanto Aécio evitaram a defesa do afastamento de Dilma.

Ao GLOBO, Aécio defendeu que o PSDB não deve ser “protagonista” no processo de desgaste do governo e deve concentrar seus esforços na blindagem às instituições que estão levando adiante a “depuração” na política, como o Ministério Público e a Polícia Federal. Após o evento, em entrevista, o senador afirmou que não cabe ao partido escolher o “melhor desfecho” para a crise.

— Não cabe ao PSDB escolher qual o melhor desfecho para essa crise, até porque as alternativas que estão colocadas não dependem do PSDB. Seja a continuidade da presidente, seja a discussão na Câmara dos Deputados da questão do impeachment, seja a questão do TSE, o papel do PSDB é garantir que as instituições funcionem na sua plenitude — disse.

Alckmin defendeu o aprofundamento das investigações das denúncias de corrupção no governo, mas descartou a tese de afastamento da presidente.

— Essa questão de impeachment não está colocada neste momento, não há nenhuma proposta hoje de impeachment no Congresso Nacional. O que precisa agora é investigar, investigar e investigar e cumprir a Constituição. (...) Só existirá nova eleição se anular a eleição passada, isso hoje não é discutido. O que nós precisamos é passar a limpo a roubalheira, e o país crescer. Não é possível o país ter 2% de PIB negativo — afirmou.

A ex-senadora Marina Silva, que também prestou homenagem a Campos, fez um discurso conciliatório, destacando a necessidade de se ter uma “agenda conjunta” para superar os momentos difíceis. ela deverá deixar o PSB.

— Acima de nós está o Brasil, a democracia, nossa Constituição, 200 milhões de brasileiros que querem um Brasil melhor. Temos que ter a humildade, cada um de nós aqui, de compreender que, em momentos difíceis, as respostas não estão individualmente com nenhum de nós, mas entre nós. É preciso que se juntem para uma agenda em que o Brasil esteja em primeiro lugar — disse Marina.

Os discursos de quase todos os presentes ressaltaram que o Brasil passa por um momento de crise política e econômica e citaram a necessidade de superação desse cenário. Os políticos, no entanto, evitaram fazer do evento um palanque partidário contra ou a favor do governo. Somente após a homenagem, em entrevistas, os tucanos atacaram o governo Dilma.

Único representante do governo no evento, o ministro Jaques Wagner, em linha com o que Dilma disse no Maranhão, afirmou que é preciso colocar “o interesse do país na frente”.

— Nós temos o ideal de construir o Brasil que todos queremos: da inclusão social, da democracia, do respeito às diferenças, da prosperidade. E vamos construir, com altos e baixos, com divergências que são super bem-vindas na democracia, senão não teríamos a propulsão da caminhada, que é o debate entre os diferentes, mas sempre colocando o que é fundamental, o interesse do país na frente — disse.