Pátria de chuteiras no contra-ataque

 

No primeiro semestre de 2015, o Brasil exportou 355 jogadores — isso, em transações regulares chanceladas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Como não havia no grupo nenhum craque fora de série, a expatriação girou algo em torno de R$ 310 milhões. Em 2011, foram 370 transferências. Em 2012, 340. Em 2013, 336. No ano passado, 327.

Mas a cifra real de “pares de chuteiras” perdidos para clubes do exterior pode ter sido o dobro do legalmente efetivado. Quantas promessas se foram? Quantos se tornarão Diegos Costas ou Thiagos Motas, conferindo brilho e magia a outras seleções?

Temos de encarar uma questão que machuca a alma, sobretudo a minha, com 30 anos dedicados ao futebol: a seleção não mais simboliza a pátria de chuteiras. Perdemos de 7 a 1 da Alemanha, perdemos a Copa América de forma melancólica e corremos o risco de perder o elã que tínhamos com o mágico esporte bretão.

É possível mudar isso, mas já desperdiçamos um ano desde a tragédia do Mineirão. É preciso ter foco, estratégia, organização, união e perseverança. A meta é resgatar o respeito dentro das quatro linhas, a admiração pela qualidade de nossos craques, e nos devolver à vanguarda do futebol mundial.

A Alemanha de 2014 é exemplo a ser perseguido. Na Eurocopa de 2000 foram eliminados na primeira fase, sem vitórias. Desde lá investiram US$ 1 bilhão na base do futebol, alavancaram de oito a dez vezes mais ganhos sobre o capital investido, têm o mais rentável campeonato do mundo, clubes sem dívidas relevantes e uma média de público na primeira divisão de 45 mil pessoas por jogo.

A chave é organizar os Brasileirões sub-15 e sub-17 em todos os estados sob o comando da CBF, com patrocínio e apoio das federações, federar os atletas na base, dar-lhes uma “certidão de nascimento” para o mundo do futebol desde a base e assegurar direitos e garantias para eles e as famílias.

No Brasil, o futebol reúne 20 mil atletas — profissionais, semiprofissionais e juniores. Ou seja, cem mil pessoas serão impactadas por esse processo de formalização.

São 14.906 jogadores profissionais. Deles, 77% recebem salários de até mil reais. Só 109 atletas — ou 0,74% — têm ganhos superiores a R$ 100 mil. Podemos, sim, construir soluções. Dizer o contrário é tergiversar.

É preciso envolver clubes, federações, empresas, mídia e sociedade. Os negócios do futebol representam 0,2% do PIB brasileiro. Podemos chegar a 1,1%. Nos EUA esse impacto é de 3%.

Falo de empregos diretos e indiretos, de inclusão social: o futebol tem de estar necessariamente vinculado ao desempenho escolar da garotada, dos direitos de transmissão e de imagem envolvidos nos torneios e de um ciclo econômico auspicioso.

É preciso profissionalização, equilíbrio dos ganhos entre jogadores e clubes — hoje, a maior parte da receita do esporte vai para os atletas, impedindo que clubes e federações estruturem o futuro em bases sólidas e transparentes.

Em texto publicado no GLOBO de 22 de julho, a jornalista Flávia Oliveira comparou, com felicidade, os jovens jogadores brasileiros de futebol a commodities como a soja. Diz: “Os meninos da bola no pé, outrora latifundiários da alegria pentacampeã (...) foram alimentar outras freguesias. Partem cada vez mais jovens, em busca de estrutura, remuneração e glórias que o futebol já não consegue entregar em território local.”

O vaticínio de Flávia não pode se realizar. Para ela, “a venda precoce e intensiva de jogadores (...) empobrece aquilo que já foi inestimável produto com denominação de origem, o futebol nacional”. Vamos mudar isso.