Governo deve vetar reajuste do Judiciário

02/07/2015

Por Claudia Safatle e Sergio Lamucci | De Brasília e Mountain View (EUA)

 

O governo vai vetar o projeto aprovado ontem pelo Senado que concede reajuste de até 78% aos funcionários do Poder Judiciário. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha sido cautelosa, ao afirmar que "não se discute veto antes da hora", o reajuste tem um alto impacto fiscal e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que acompanha Dilma na viagem aos Estados Unidos, foi claro a respeito da decisão. E já começou uma ofensiva para enfrentar mais esse novo problema que vem na direção exatamente oposta ao que a situação fiscal exige.

O projeto resulta em um gasto de R$ 25 bilhões nos próximos quatro anos e de R$ 1,5 bilhão este ano, dinheiro que não está previsto no orçamento. Em 2016, ele saltaria para R$ 5,3 bilhões. Para 2017 e 2018, os desembolsos seriam ainda maiores: R$ 8,4 bilhões e R$ 10,5 bilhões, respectivamente.

A proposta é "insustentável" do ponto de vista fiscal e "injusta socialmente", disse Barbosa. Insustentável porque provocará uma corrida pela isonomia no Executivo e tem efeito cascata nos servidores dos Estados e municípios. E injusta porque significa pedir à sociedade, que vive momentos de dificuldade econômica e desemprego, para pagar mais essa conta. Ninguém, no setor privado, está tendo correções salariais como a que o Judiciário reivindica, com reajustes de 55% a 78%.

A presidente disse ontem que a aprovação do reajuste do Judiciário pelo Senado é "lamentável" e que é "insustentável" dar aumentos tão elevados, mas adotou um tom conciliador ao falar do Congresso. Em entrevista em Mountain, na sede do Google, Dilma afirmou que "não se discute veto antes da hora" e que "tem que respeitar os procedimentos legislativos", lembrando que os parlamentares já aprovaram uma parte expressiva do ajuste fiscal e que anteontem a Câmara dos Deputados havia rejeitado a redução da maioridade penal para crimes mais graves. "O Congresso é assim: tem dias em que você ganha, tem dias em que você perde."

Dilma admitiu, no entanto, que o reajuste do judiciário "de fato" compromete o ajuste fiscal. "Nós ainda temos oportunidades de avaliar como será essa questão do aumento", disse a presidente. "[Mas] eu não chamaria essas votações de desafios, porque fazem parte da democracia."

Barbosa explicou que já havia um grupo de trabalho entre o Planejamento e o Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir uma solução alternativa - mais próxima da proposta de reajuste de 21,3% em quatro anos feita pelo governo aos servidores do Executivo. Segundo ele, esse grupo continuará buscando uma proposta factível que se seguirá ao veto. Ele disse, também, que havia pedido ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) que não colocasse a proposta do Judiciário em votação agora, já que ela só entraria em vigor no próximo ano.

O ministro salientou, ainda, que os problemas fiscais não dizem respeito apenas ao governo e a presidente Dilma Rousseff. "São problemas do país e o Legislativo é agente da solução". Nenhuma autoridade dos três Poderes pode ficar alheia às dificuldades. "Não é hora de criar novos problemas fiscais", disse o ministro. Ele está confiante de que o governo dispõe de "todos instrumentos para superar as nossas dificuldades", mas é preciso que haja consenso político para assegurar o ajuste fiscal. "A política fiscal não é da presidente Dilma, mas do Brasil. Estamos vivendo momentos de dificuldades e a solução depende de nós mesmos", assinalou Barbosa.

Durante a entrevista na Califórnia, Dilma voltou a tratar da relação entre o Executivo e o Legislativo e manteve o tom de conciliação. Ao ser questionada sobre como seria voltar ao Brasil, em que o clima político anda complicado, a presidente respondeu: "O clima político só me faz ficar mais atenta ainda e me dedicar mais a resolver os problemas que necessariamente existem entre o Executivo e o Congresso", afirmou e completou: "Eu quero dizer para vocês, eu tenho que agradecer ao Congresso. Uma parte expressiva do ajuste fiscal foi aprovada. Eu acho que tem hora que vocês criam um clima que não existe. A gente perde e a gente ganha."

O Projeto de Lei 28/2015, que autoriza reajuste de 59% a 78% para os servidores do Judiciário foi aprovado por 62 votos a zero, sob aplausos de representantes dos servidores que fizeram manifestações ao longo do dia em frente ao Congresso e no plenário. Alguns senadores, como Cristovam Buarque (PDT-DF) e Magno Malta (PR-ES), cobraram publicamente a presidente Dilma Rousseff para que não vete o reajuste. (Colaboraram Juliano Basile, de Brasília e Pedro A.L. Costa, de Mountain View)

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Ministros do STF falam em 'achatamento' e buscar 'consenso'

Por Maíra Magro | De Brasília

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) comentaram ontem a aprovação, pelo Senado, de um reajuste médio de 59,5% para servidores do Judiciário no momento em que o país vive um cenário de ajuste fiscal. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, evitou comentar o assunto ao deixar a última sessão do semestre antes do recesso de julho.

"O momento é de mais cautela e obviamente de contenção", disse o ministro Luiz Edson Fachin, o mais novo integrante da Corte. "Naquilo que percebo, é preciso que haja de todos os segmentos neste momento uma compreensão da situação em que as receitas públicas e os cofres estão. De modo que é preciso ir devagar com esse andor para não se quebrar no meio do caminho."

O ministro Marco Aurélio Mello lamentou a aprovação do reajuste "no pico de uma crise econômico financeira", mas ressaltou que os servidores não podem servir de "bode expiatório".

"Houve um achatamento, pela passagem do tempo, sem a recomposição do poder aquisitivo da remuneração dos servidores. E os servidores não podem ser tomados como bode expiatório. Agora, se lastima que realmente se tenha acordado - e ficou aí um espaço de tempo muito grande entre a última reposição e a atual -, que se tenha apenas deliberado agora, no pico de uma crise econômico financeira, quando se exige em relação à máquina administrativa uma tomada de providências", declarou.

Marco Aurélio defendeu um consenso entre os poderes em torno do reajuste. "A negociação sempre é bem-vinda, o entendimento entre os poderes. E talvez seja isso que esteja faltando nessa quadra em que nós notamos, ao lado da crise econômico financeira, uma crise política das mais sérias." Para o ministro, "é preciso deixar que as instituições funcionem."

Na noite de terça-feira, o Senado aprovou uma proposta do STF que prevê reajuste de 53% a 78,56% para servidores do Judiciário, resultando em aumento médio de 59,5% aplicado em seis parcelas, entre julho de 2015 e dezembro de 2017. O pagamento teria impacto de R$ 25,7 bilhões aos cofres públicos, segundo cálculos do governo.

Na semana passada o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, apresentou a Lewandowski uma contraproposta de reajuste de 21,3%, de 2016 a 2019. O presidente do STF falou na ocasião que conversaria com servidores, e planejava elaborar uma alternativa para oferecer ao Executivo. Enquanto isso, o governo tentava segurar a votação do assunto pelo Senado, para evitar a aprovação de uma proposta que teria tudo para ser vetada pelo Executivo, como a que acabou sendo aprovada.

Após assembleia realizada ontem, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Fenajufe) decidiu manter a paralisação de servidores em todos os Estados até a sanção do projeto de reajuste pela presidente Dilma Rousseff.

Ontem, na última sessão do STF antes do recesso, Lewandowski fez um balanço dos trabalhos da Corte. Chegaram ao tribunal 5,4 mil processos originários e 35,7 mil recursos no primeiro semestre, somando 41,2 mil causas. O plenário julgou 1,5 mil processos e as duas turmas analisaram 3,8 mil cada uma. Os ministros devolveram seus votos em 39 pedidos de vista, permanecendo 22 sem julgamento.

"A grande meta foi dar prioridade a processos cujos pedidos de vista foram devolvidos, como resposta à efetividade da prestação jurisdicional", disse Lewandowski. Também foram julgados 17 casos com repercussão geral, liberando quase 22 mil processos nas instâncias inferiores.

Lewandowski listou alguns dos casos mais relevantes votados pelo plenário, entre eles o que reconheceu o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais, o que permitiu a publicação de biografias não-autorizadas e outro que decidiu pela legitimidade da Defensoria Pública para propor ações civis públicas. O Supremo retoma as atividades no dia 3 de agosto.

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Com aumento, salários ficariam 170% maiores que no Executivo, diz Planejamento

Por Fábio Pupo | De Brasília

O Ministério do Planejamento voltou a criticar o Projeto de Lei 28/2015, aprovado terça-feira pelo Senado, que autoriza reajuste de 53% a 78% para os servidores do Poder Judiciário. Segundo nota divulgada pelo ministério, o aumento é "indefensável ponto de vista social e fiscal".

Segundo o Ministério do Planejamento, a proposta aprovada aumenta ainda mais a diferença entre os salários dos servidores do Judiciário e carreiras similares no Executivo. Atualmente já há diferença de até 60% em favor do Judiciário e, com a proposta, a diferença subiria para 170%.

A proposta aprovada contemplaria 117,5 mil servidores, entre ativos e inativos. Atualmente, já se gasta R$ 16 bilhões ao ano com o salário dos servidores do Judiciário. Após 2018 o custo adicional seria de R$ 10,5 bilhões por ano. O custo total do reajuste, diz o Planejamento, será de R$ 25,7 bilhões se considerado o acumulado de 2015 a 2018.

A pasta argumenta que, entre 2005 e 2008, todas as carreiras do Judiciário tiveram remunerações reajustadas em percentuais próximos a 60%. "Entre 2009 e 2012, não houve reajuste, mas a partir da negociação salarial de 2012 as carreiras do Judiciário foram contempladas com o reajuste de 15,8%, pagos em três parcelas anuais, de 2013 a 2015", diz a nota. "Como parte do reajuste mencionado acima, os servidores do Judiciário tiveram ainda um reajuste salarial de 8,4% em janeiro de 2015. "

O ministério reafirmou, na mesma nota, que apresentou dia 25 sua proposta de reajuste para os servidores civis federais. O governo propôs o índice de 21,3%, dividido em parcelas de 5,5% em 2016, 5% em 2017, 4,8% em 2018 e 4,5% em 2019. Caso a proposta seja levada adiante, o gasto da folha de pessoal do Poder Executivo permanecerá estável em 4,1% do PIB até 2019. O reajuste foi proposto com base na inflação esperada para os próximos quatro anos.

Para o Planejamento, a proposta apresentada aos servidores do Executivo seria uma referência do esforço do governo sobre a folha de pagamento do funcionalismo público. "O que foi aprovado no Senado não muda em nada o objetivo do governo de promover um grande acordo com servidores do Executivo. Em paralelo, apresentamos essa mesma proposta ao STF para ser adotada como referência na negociação do reajuste com servidores daquele Poder. "