O direito à educação

23/07/2015

MOZART NEVES RAMOS

Diretor do Instituto Ayrton Senna, ex-secretário de Educação de Pernambuco, membro do Conselho Nacional de Educação

O ano seguinte à Assembleia Geral das Nações Unidas que estabeleceu a Convenção sobre os Direitos da Criança foi marcado pela criação, em nosso país, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mais precisamente em 13 de julho de 1990. Ao longo desses 25 anos, o ECA não apenas proporcionou avanços importantes na ampliação de serviços para essa faixa etária como aumentou a conscientização da sociedade no que se refere à proteção das crianças.

Trata-se de um importante marco jurídico. Muitos avanços foram observados nesse período. Entre eles, podemos destacar a redução da taxa de mortalidade infantil, de 51,6 mortes por mil nascidos vivos em 1990, para 15,3 em 2011. Outro destaque fica para a acentuada queda no percentual de crianças desnutridas — atualmente em 3,77%. A desnutrição infantil em menores de 5 anos de idade deixará de ser um problema de saúde pública no Brasil, caso se mantenha a tendência de declínio dos últimos anos. No campo da educação, os avanços foram também percebidos. O país universalizou a matrícula do ensino fundamental, que corresponde à faixa etária dos 6 aos 14 anos. Tornou obrigatória, após a Emenda Constitucional de 2009, a oferta educacional dos 4 aos 17 anos — ou seja, da pré- escola ao ensino médio.

E a universalização dessa oferta deveria ocorrer até 2016 — o que, por outro lado, deve ser difícil de acontecer, a considerar o ritmo dos avanços registrados nos últimos anos. Houve alguns progressos no campo da aprendizagem escolar para os anos iniciais do ensino fundamental. O percentual de crianças com aprendizado adequado em matemática ao concluírem o 5º ano do ensino fundamental, por exemplo, que em 1999 era de 14%, passou para 40% em 2013.

No entanto, não se pode dizer o mesmo quando olhamos para os adolescentes que estão cursando os anos finais do ensino fundamental. No que se refere a essa etapa da educação básica, o país está literalmente estagnado em termos de aprendizado, tanto em língua portuguesa como em matemática – e, pior, num patamar extremamente baixo. Em matemática, o percentual de crianças com aprendizado adequado ao final do 9º ano do ensino fundamental era de 13% em 1999, e atualmente é de apenas 16%. O quadro se agrava ainda mais no ensino médio, no que tange aos jovens de 15 a 17 anos.

Lamentavelmente, apenas 50% das nossas crianças estão adequadamente alfabetizadas ao final do ciclo relativo a essa fase, que deve ocorrer aos 8 anos de idade. O país criou um importante instrumento para enfrentar esse desafio: o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), cujos efeitos ainda não são perceptíveis. Um dos aspectos centrais dessa questão consiste na formação de alfabetizadores. O Brasil deveria dar uma atenção especial à valorização e à formação desses profissionais, pois a alfabetização é a pedra angular da educação. Para que o ECA cumpra, na sua plenitude, o seu papel no campo da educação, é preciso reverter urgentemente esse quadro. É preciso pensar e colocar em prática uma escola que dialogue com o mundo atual, o do século XXI.

Isso significa pensar numa escola com educação integral, que alinhe os desafios dos aspectos cognitivos (letramento e numeramento) ao desenvolvimento das habilidades socioemocionais — as chamadas habilidades para a vida, que promovem não apenas o aprendizado escolar, mas o sucesso da vida futura. Diversos estudos científicos mostram que as crianças com tais habilidades trabalhadas na primeira infância têm 44% mais chances de concluir o ensino médio e de ampliar ganhos financeiros no mundo do trabalho, ao passo que as possibilidades de ter problemas prisionais são menores.

Portanto, o desafio do ECA e de outros instrumentos legais em prol do direito à educação, como o próprio Plano Nacional de Educação, consiste em promover de fato uma educação libertadora para nossas crianças e jovens. Isso significa uma educação integral, que seja capaz de ajudá-los a ir bem não só na escola, mas ao longo da vida. Essa deveria ser a agenda prioritária para o Brasil nos próximos anos. Não há outro caminho para um país que deseja ser uma pátria educadora.