Valor econômico, v. 16, n. 3795, 10/07/2015. Brasil, p. A2

 

Adesão a 'míni Refis' vai até fim de agosto; 43% terão de ser pagos à vista

 

Por Leandra Peres | De Brasília

 

As empresas que quiserem quitar dívidas com a União usando prejuízos fiscais terão até o fim de agosto para aderir ao programa que será lançado pelo governo nos próximos dias.

A medida provisória que detalhará as regras para o pagamento também criará um novo sistema para analisar as operações de planejamento tributários de empresas, abrindo a possibilidade de as empresas consultarem o Fisco sobre a legalidade dessas operações.

A equipe econômica nega que se trate de um novo Refis e considera as mudanças como o início das reformas estruturais que pretendem reduzir as disputas administrativas com o Fisco e melhorar o ambiente de negócios.

O ganho de arrecadação com as medidas ajudará a melhorar as contas públicas deste ano. Segundo o Valor apurou, a receita pode chegar a R$ 10 bilhões, embora a equipe econômica prefira usar como referência "com certeza mais de R$ 5 bilhões".

"Estamos trabalhando para sanear o contencioso administrativo e reduzir o litígio. Não se trata de mais um parcelamento, mas de uma medida para limpar (o sistema). Não há desconto nenhum", explicou uma alta fonte da equipe econômica.

A medida provisória que será editada pela presidente Dilma exigirá que 43% do valor dos débitos com o Fisco sejam pagos à vista e 57% por meio de prejuízos fiscais ou base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A regra atual não permite o pagamento de dívidas com prejuízos passados, com exceção das últimas edições do Refis, e estes créditos só podem ser usados para abater até 30% do lucro apurado pela empresa.

O governo ainda discute como será o pagamento da parte a ser saldada em dinheiro. Se à vista ou em, no máximo, cinco parcelas, todas vencendo ainda este ano. A tese do pagamento à vista era a preferida.

De acordo com a autoridade que falou ao Valor, as mudanças na análise dos planejamentos tributários permitirá que as empresas declarem anualmente ao Fisco as operações que fizeram no ano anterior. A Receita Federal terá cinco anos para analisar se a operação é aceitável ou não e a primeira leva de informações já será entregue em setembro.

Caso a Receita considere o planejamento tributário abusivo, notificará o contribuinte, que terá o direito de pagar o imposto sem multas, que chegam a 75% do imposto devido. A dívida será acrescida de juros e só haverá autuação se a empresa discordar da decisão da Receita e quiser continuar discutindo o assunto.

No sistema atual, as empresas fiscalizadas, que têm seus planejamentos tributários glosados pelos auditores, são automaticamente multadas e autuadas.

No novo sistema, as empresas que optarem por não informar ao Fisco os planejamentos tributários e tenham as operações consideradas abusivas terão cometido uma ação dolosa e estarão sujeitas a multas, como no sistema em vigor atualmente.

A outra inovação é que a Receita Federal passará a responder consultas prévias de contribuintes sobre planejamentos tributários. Uma empresa que tiver a intenção de montar uma operação para reduzir o valor do imposto devido poderá apresentar os detalhes à Receita, que informará previamente se aceita ou não o planejamento.

"Essa é uma novidade importante, porque a Receita nunca dava respostas a teses, apenas a fatos já acontecidos", explicou o integrante da equipe econômica.

A expectativa do governo é que o interesse das empresas em aderir programa de pagamento de dívidas aumentará com a reorganização do Carf, o tribunal administrativo da Receita Federal que teve suas atividades interrompidas por escândalos de corrupção. O órgão volta a funcionar no dia 22.

Nos últimos dois meses, o governo encontrou R$ 70 bilhões em recursos de contribuintes que estavam parados no Carf. A partir de agora os processos serão devolvidos às delegacias regionais e, caso não sejam pagos, o débito será inscrito em dívida ativa.

É nesta etapa que o governo aposta no interesse das empresas. Quando um débito é inscrito em dívida ativa, o contribuinte que quiser continuar discutindo na Justiça é obrigado a apresentar garantias ou oferecer bens durante o processo. A equipe econômica acredita que será mais barato pagar a dívida combinando dinheiro e o uso de prejuízo fiscal do que apresentar as garantias exigidas no processo judicial.

 

Proposta para ICMS deve ajudar Levy a cumprir meta fiscal

 

Por Leandra Peres, Vandson Lima, Edna Simão e Fábio Pupo | De Brasília

 

Charles Sholl/Futura Press/FolhapressJoaquim Levy, ministro da Fazenda: repasse de R$ 2,6 bi por ano para compensar perdas com a redução de alíquotas

A proposta do governo para destravar a reforma do ICMS não resolverá apenas um problema tributário, mas também se transformará em instrumento importante para que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, melhore o resultado fiscal deste ano e se aproxime do superávit primário de 1,1% do PIB.

Em café da manhã ontem com senadores, Levy prometeu direcionar, inicialmente, R$ 2,6 bilhões por ano para compensar a perda dos Estados com a redução das alíquotas do ICMS e promover o desenvolvimento regional. O montante virá da arrecadação de multas e impostos com a aprovação de projeto de lei que permite a repatriação de recursos no exterior, que não estão declarados ao Fisco.

Enquanto o governo federal não fizer o repasse aos Estados, o que só ocorrerá a partir do momento em que as alíquotas começarem a convergir rumo a 4%, o dinheiro fica parado nos fundos e engorda o superávit da União. Há estimativas de que até R$ 20 bilhões sejam arrecadados com a regularização do dinheiro que está no exterior. Além disso, parte da tributação é uma alíquota de 17,5% de Imposto de Renda, tributo que compõe as receitas do Tesouro. Ou seja, vai direto para o caixa. Com o desenho que está sendo traçado para a reforma do ICMS, a convergência das alíquotas não começaria este ano.

Em documento entregue pelo ministro aos senadores, o fundo de compensação de perdas - renomeado como fundo de auxílio - entregará anualmente aos Estados até R$ 600 milhões nos três primeiros anos e R$ 1 bilhão nos oito anos seguintes, distribuídos proporcionalmente às perdas de cada Estado por conta da convergência do ICMS.

O fundo de desenvolvimento regional - chamado agora de Fundo de Infraestrutura - terá aportes de R$ 2 bilhões por ano. A partir do exercício financeiro de 2017, o fundo entregará trimestralmente recursos aos entes participantes, no montante necessário para ressarci-los das despesas incorridas no trimestre anterior na execução de projetos autorizados.

Ao sair da reunião com senadores, Levy afirmou que a ideia de encontrar a fonte para avançar com a infraestrutura e resolver a questão do ICMS é uma política de estímulo e, ao mesmo tempo, destravamento das decisões de investimentos. "A gente cria um horizonte para os investidores. Isso foi um sentimento de todos os senadores nessa discussão."

Segundo o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), o projeto de repatriação é "cuidadoso" para garantir a vinda de recursos para o país. "Muita gente colocou dinheiro lá fora para se proteger de planos econômicos, riscos cambiais." O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), líder do PMDB, afirmou que o fundo que será criado para compensar perdas deve levar em conta a proporção dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) dos Estados na distribuição dos recursos.

A previsão é que a MP com a constituição dos fundos seja editada no início da próxima semana. A articulação entre senadores é para que, por acordo de lideranças, o projeto de repatriação seja levado diretamente ao plenário.

De acordo com o projeto do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), base do pacote para a unificação de alíquotas pretendido pelo governo, a adesão ao programa de declaração de recursos patrimoniais mantidos no exterior será feita no prazo de 180 dias a partir da regulamentação da lei. Os recursos serão repatriados com a incidência de alíquota de 17,5% de imposto sobre os valores que forem regularizados e multa de outros 17,5%.

A multa automaticamente será destinada aos fundos de auxílio e infraestrutura. Para que o recurso de imposto possa também ir para o fundo, o governo deve apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para desvincular essa arrecadação da União.

Nesse período de seis meses, a aposta da equipe econômica é que o montante a ser arrecadado com a repatriação será suficiente para custear os fundos do ICMS por alguns anos. Não se descarta, no entanto, que futuramente o programa seja reaberto. Com a destinação dos recursos arrecadados com multa e impostos, o governo espera colocar um ponto final no impasse com os Estados, principalmente do Nordeste, para viabilizar a unificação da alíquota do ICMS.