Após manobra, Cunha reduz a maioridade

02/07/2015
ANDRÉ SHALDERS 
 
Vinte e quatro horas depois de rejeitar o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, a Câmara dos Deputados reanalisou o tema e aprovou a medida na madrugada de hoje, na forma de uma emenda apresentada pelos líderes do PSD, Rogério Rosso (DF), e do PSC, André Moura (SE). A votação foi apelidada de “pedalada regimental” por deputados da base do governo e por adversários do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que “dobrou” o regimento parlamentar a fim de viabilizar a manobra. Apesar da vitória do peemedebista — foram 323 votos a favor, 155 contra e 2 abstenções —, a proposta ainda precisa ser analisada em segundo turno na Câmara antes de ir ao Senado, onde também será submetida a votação dupla.

Na versão recém-aprovada, só serão penalizados como adultos os adolescentes que cometerem crimes hediondos, homicídio doloso (quando há a intenção de matar), e lesão corporal seguida de morte. O texto estabelece ainda que esses jovens deverão cumprir pena em cadeias diferentes das dos adultos, a serem construídas por União, estados e municípios. Foram excluídos tráfico de drogas, roubo (mesmo os qualificados), lesão corporal grave e todo tipo de crime cometido com o emprego deviolência; ou seja, esses delitos continuarão sendo punidos conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Na votação da madrugada de quarta, o relatório de Bessa foi rejeitado por apenas cinco votos: 303 deputados votaram a favor, quando 308 eram necessários; 184 foram contra; e três se abstiveram. Na ocasião, Cunha chegou a dizer que só traria o tema de volta ao plenário na próxima semana, ou depois do recesso parlamentar. Mudou de ideia após uma reunião, pela manhã, com líderes partidários favoráveis à redução, como Rosso e o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ).

Quando o relatório de uma proposta é rejeitado, o regimento da Casa prevê que sejam votados o texto original e emendas aglutinativas formadas a partir de destaques. Para viabilizar a nova votação, Cunha interpretou o regimento de forma a permitir que as aglutinativas sejam criadas também a partir de outras PECs que tramitavam apensadas ao texto principal. “No caso de um substitutivo rejeitado e de o projeto original ainda não ter sido votado, toda emenda aglutinativa que contenha texto de emenda, ou de apensado, pode ser constituída”, disse Cunha, na abertura da sessão. “Esse entendimento já está consolidado”, arrematou.

Irritação
A controversa manobra irritou deputados contrários à PEC. “Ele está considerando que se trata de uma nova votação, de uma outra matéria. E, portanto, todas as PECs que existem na Casa, sobre esse tema, apensadas, podem ser votadas. Você pode retomar elementos de todas essas PECs. As possibilidades de combinação são infinitas e, por esse caminho, podem ser votada infinitas aglutinativas. Ele não admitirá perder”, criticou o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) antes da sessão.

Ao longo das discussões de ontem, muitos deputados comentaram as manifestações nas redes sociais. “O ECA é uma lei que não deu certo. É uma lei que, em vez de corrigir, diz ao menor: ‘continue matando, continue roubando’. Eu estou com a minha consciência tranquila. Foi um grande favor que essa minoria fez ao votar contra (na madrugada de quarta). Recebi telefonemas, o meu Facebook está bombando. Então, agradeço à minoria. Nós dizemos: Zé Guimarães (líder do governo, do PT-CE), libere (a bancada), porque essa é a vontade do povo brasileiro”, disse o deputado Fausto Pinato (PRB-SP), pouco antes da votação.

O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) retrucou: “Eu sempre lutei e votei por causas difíceis. A rua me pegava. E aí, chegava na eleição, eu aumentava minha votação. O povo gosta de explicação, de olho no olho. E não das imbecilidades da internet e das redes sociais. Não tenham receio”. Mesmo sendo do partido de Cunha e tendo feito campanha pelo carioca, Perondi lidera uma ala de peemedebistas contrários à redução. Na primeira análise, 17 deputados do partido votaram contra a medida. “Essa PEC representa uma coisa medieval, completamente contra a história do nosso partido”, disse Perondi.

Ao contrário da primeira votação, marcada por protestos e tensão, a iniciada ontem e finalizada na madrugada de hoje foi tranquila na Câmara. Um grupo de estudantes contrários à redução da maioridade chegou a aparecer no Congresso, mas não pôde passar do hall da taquigrafia nem ocupar as galerias do plenário. No começo da sessão, Eduardo Cunha disse que não permitiria a presença de manifestantes por conta do ocorrido na sessão anterior, quando o próprio presidente da Casa foi alvo palavrões depois da votação.

Reviravolta regimental

Em menos de 24h, Câmara rejeitou e voltou a apreciar a redução da maioridade penal. Entenda o passo a passo do que ocorreu

» Na madrugada de ontem, a Casa rejeitou, por 303 votos a 184 e três obstruções, o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF), aprovado na comissão especial criada para analisar a redução da maioridade penal. Pelo relatório, a medida valeria para crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso, lesão corporal grave, seguida ou não de morte, e roubo qualificado.

» Ao fim da votação na madrugada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que só voltaria a tratar do tema na semana que vem, ou depois do recesso parlamentar. Entretanto, mudou de ideia depois de reunião com alguns líderes de partidos, como o do PMDB e o PSD, na manhã de ontem.

» Quando o relatório de uma proposta é rejeitado, o regimento da Casa prevê que sejam votados o texto original (no caso, o apresentado em 1993), e emendas aglutinativas formadas a partir de destaques feitos antes do início da segunda votação.

» Nesse ponto reside o “xis” da questão: deputados favoráveis à redução entendem que as aglutinativas podem ser formadas também a partir das PECs que estavam tramitando apensadas ao texto original (cerca de 40 propostas). Deputados contrários ao tema dizem que essas emendas apensadas já foram inviabilizadas na terça.

» Após horas de obstrução dos deputados contrários à redução da maioridade penal, a Casa começou a votar as emendas aglutinativas sobre o tema. A primeira foi apresentada pelos líderes do PSD, Rogério Rosso (DF), e do PSC, André Moura (SE). A emenda excluiu da redução alguns crimes que estavam no relatório de Bessa, como o roubo qualificado e a lesão corporal grave.




A evolução da PEC
Ao longo das votações da semana, a Câmara retirou uma série de crimes do espectro de discussões para viabilizar a redução da maioridade penal. Veja o que diz cada proposta

Emenda Aglutinativa de Rosso e Moura
» Excluiu o tráfico de drogas, a lesão corporal sem morte, o roubo e outros crimes da PEC, que continuam sendo punidos pelo ECA. Prevê ainda que jovens de 16 e 17 anos cumprirão pena em cadeias diferentes das destinadas a maiores de 18.

Relatório de Bessa
» Acertado com líderes do PSDB, do PMDB e de outros partidos, previa a redução para 16 anos no caso de crimes violentos como a vida (homicídio, latrocínio, etc), roubo qualificado, lesão corporal e tráfico de drogas, entre outros. Nessa versão, esses crimes passam a ser punidos pelo Código Penal, e não pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Texto original
» Apresentado pelo ex-deputado Benedito Domingos (DF) em 1993, reduzia a maioridade penal para 16 anos. Aplicava-se a todo e qualquer crime. Foi apresentado poucos anos depois de a Assembleia Constituinte encerrada em 1988 definir a maioridade penal nos atuais 18 anos.