Valor econômico, v. 16, n. 3747, 02/05/2015. Brasil, p. A4

 

Setores desonerados puxam queda da contribuição previdenciária, diz estudo

 

Por Marta Watanabe | De São Paulo

 

Leo Pinheiro/ValorJosé Roberto Afonso: "Quando o Brasil mergulha em recessão, a base faturamento cai muito mais rápido que a base salário"

A redução no recolhimento da contribuição previdenciária relativa aos setores que foram beneficiados pela desoneração da folha acelerou a queda da arrecadação total do tributo em março. Se o recuo no recolhimento da contribuição previdenciária da desoneração da folha se mantiver no nível de março, o que o governo deixar de arrecadar deve ir além da renúncia inicialmente prevista para o ano, segundo análise de economistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).

A arrecadação calculada sobre faturamento dentro do benefício da desoneração de folha caiu 10,1% em termos reais em março, contra igual mês do ano passado. Outros recolhimentos com base em faturamento - como o de prestadores de serviços, que têm a contribuição retida na fonte - também recuaram, mas menos: queda de 6% em março em termos reais.

No mesmo período, a contribuição previdenciária calculada de forma tradicional, sobre folha de salários, cresceu 1,7%, também em termos reais, incluídas nessa conta a previdência paga pela administração pública. A contribuição previdenciária total recolhida pelos empregadores caiu 1,2%. A análise foi feita pelos pesquisadores José Roberto Afonso, Bernardo Fajardo e Vilma Pinto e baseou-se em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).

Para Afonso, o mês de março revela que a arrecadação da contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) calculada sobre receita está caindo em ritmo maior do que aquela que tem o salário como base. "Isso torna claro que o custo da desoneração será cada vez mais alto, não apenas pela renúncia em si, mas porque a nova base pode vir a cair mais rapidamente que o salário."

Segundo Afonso, a contribuição dos setores desonerados deve se manter nos próximos meses com queda mais acentuada que a calculada de forma tradicional. "Parece claro que, quando o Brasil mergulha em recessão, como fez em 2009 e como faz agora, a base faturamento cai muito mais rápido que a base salário, ao contrário do que dizem teorias e experiências internacionais", argumenta. "Por isso a proposta do governo criou a faculdade de escolher em qual base se quer contribuir. Provavelmente, na esperança de empurrar muitos de volta para a antiga base."

Para o economista, o descompasso entre o recolhimento da contribuição previdenciária sobre folha e o realizado sobre receita bruta acontece porque as empresas estão sentindo a queda de faturamento, mas muitas evitam enxugar o quadro de funcionários. O custo da dispensa é alto e a recontratação requer novo investimento no trabalhador, que precisará passar por treinamento e qualificação, diz o economista. "Há elevação de desemprego e redução da folha de salários pelas empresas, mas não na proporção da queda de faturamento."

O governo federal tenta atualmente alterar as regras da desoneração de folha. Em fim de fevereiro, o governo anunciou a elevação de alíquotas calculadas sobre faturamento, dando ao contribuinte a possibilidade de optar pelo regime de tributação. A ideia inicial era encaminhar o assunto via medida provisória. A MP foi devolvida e o governo federal encaminhou a mesma proposta ao Congresso Nacional em projeto de lei. A renúncia fiscal com a desoneração é de R$ 25,2 bilhões anuais. O governo busca a redução do desembolso como uma das formas de conseguir efetivar o ajuste fiscal prometido.

Atualmente, os setores desonerados recolhem a contribuição previdenciária calculada com base em 1% ou 2% do faturamento em vez de pagar o tributo a 20% sobre a folha de salários. Pelas regras em vigor, uma vez que o setor foi incluído na desoneração, todas as empresas são obrigadas a calcular a contribuição sobre faturamento.

Pelos dados do Siafi coletados pelos pesquisadores, o recolhimento patronal de contribuição previdenciária somou R$ 18,63 bilhões em março. A contribuição recolhida pelos setores incluídos na desoneração representou 7,25% desse total. A soma das contribuições calculadas sobre a receita chegaram a 31,74% do recolhimento patronal. A contribuição previdenciária total, que soma a de empregados e empregadores, foi de R$ 28,08 bilhões. Segundo dados da Receita Federal, o recolhimento da contribuição previdenciária somou R$ 29,15 bilhões em março.

Os números coletados no Siafi, diz Afonso, diferem um pouco dos divulgados oficialmente pela Receita Federal, por conta de critérios diversos de classificação, período e abrangência. Os dados do Siafi, porém, argumenta ele, detalham mais as fontes de pagamento e servem para apontar tendências.

O economista lembra que o efeito da queda do recolhimento da contribuição de setores beneficiados pela desoneração de folha ficou evidente em março, mas foi diluído quando se olha o primeiro trimestre. Nesse período, a contribuição total devida pelos empregadores caiu 2,5%, com redução de 2,3% no tributo recolhido com base em folha e de 2,7% na arrecadação calculada sobre faturamento, sempre na comparação com iguais meses de 2014. A contribuição dos setores beneficiados pela desoneração, porém, na mesma comparação, cresceu 6,5%.

Uma das explicações para isso, diz Afonso, é a ampliação no universo dos segmentos beneficiados com a desoneração, o que torna a comparação mais difícil. Em janeiro do ano passado, com efeitos na arrecadação a partir de fevereiro, houve uma ampliação dos setores incluídos no benefício, o que explica a diferença de desempenho. "Em março, porém, já há a comparação com a mesma base de benefícios."